Jornal Cultura

Carta à única filha de José Saramago

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No mês em que José Saramago faz 99 anos, ficamos assim a saber das comemoraçõ­es do seu centenário. E, como não podia ser diferente, falou-se e escreveu-se muito. Dos livros, da obra, de polémicas, de Pilar. Mas quase nenhum texto ou referência à sua única filha.

Chama-se Violante, uma mulher que leva uma vida simples no Funchal, onde vive há muitos anos. Quando lhe falam de José, seu pai, ela baixa a cabeça e responde ainda mais baixo. Fala do orgulho de ser filha do Prémio Nobel, do amor que sente por tudo o que ele lhe deixou, a ternura das memórias, o sofrimento pelos silêncios inevitávei­s.

Também escritora, escreve livros infantis e juvenis, inventou o Quinas e deu-lhe vida em vários livros. Escreve para crianças e adolescent­es sem os infantiliz­ar, escreve como se tivessem a mesma idade, ela e eles. Quando os amigos lhe perguntam porque não escreve um romance, responde: Violante dizme que não, como poderia ousá-lo? Afinal, é filha de José. "Não se brinca com coisas sérias porque não está ao nível sequer de uma perna do pai".

Filha de José Saramago e da

José Saramago escreveu Todos os Nomes, ensaiou sobre a Cegueira numa Jangada de Pedra. Levantado do Chão, no Ano da Morte de Ricardo Reis, já tinha contado a História do Cerco de Lisboa e do Memorial do Convento. O Evangelho Segundo Jesus Cristo, ainda nada sabia sobre o Ensaio Sobre a Lucidez, mas A Caverna chegou com o Nobel da Literatura, o mesmo aconteceu com o Homem Duplicado ou as Intermitên­cias da Morte.

O caminho fez-se primeiro com A Terra do Pecado, em 1947. Depois, por dentro de uma Claraboia, chegou somados seis anos, o segunpinto­ra Ilda Reis. Bisneta do célebre avô Jerónimo e de Josefa. Sangue do mesmo sangue, mas sempre discreta no seu canto, na sua ilha, sem se fazer notar, metida nas suas coisas como se não fosse quem é.

Muitos são os que falam em nome do pai. Descrevemn­o, aplaudem-no, definem-no, contam histórias, fazem questão de mostrar proximidad­e, mas ela não. do romance que viria a ficar esquecido nas arrumações de uma editora. Quando Saramago cresceu nas letras deixou

A si para lhe dizer que Violante Saramago, filha do Prémio Nobel da Literatura, tem sempre um livro do pai na cabeceira e não precisa que ninguém saiba quem é pois, aconteça o que acontecer, seja feito o que vier a ser feito, sabe bem de onde veio, o que foi dito e o que lhe interessa guardar todas as noites antes de adormecer.

Luís Osório escrito que, Claraboia só deixaria entrar a luz na história após a sua morte.

Há muitos outros romances, também algum teatro e poesia para nos dizer que o mundo não foi inventado para nos sentirmos sós. É como lembra Pilar del Río: "Comemoramo­s os cem anos de José Saramago por uma razão muito simples: precisamos de nos celebrar a nós próprios, leitoras e leitores, gente diferente que confia na literatura e que entende que, perante tantos chamamento­s diários que a sociedade lança, também devemos apostar no acto de escrever e de ler, essa possibilid­ade de crescermos, de sermos mais íntimos e, ao mesmo tempo, cúmplices dos melhores".

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José Saramago aqui acompanhad­o da sua esposa Pilar del Río
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