Jornal Cultura

As mãos que agarram o semba

- MATADI MAKOLA

Está por se aferir o número de participaç­ões de uma vida de quase 60 anos de música. Joãozinho Morgado é uma presença recorrente em toda a música angolana feita nos últimos cinquenta anos, partilhand­o experiênci­as com os nomes mais cintilante­s, como os Kiezos, Bonga, Carlos Lamartine, Filipe Mukenga, Carlitos Vieira Dias, Elias Dya Kimuezo, André Mingas, Waldemar Bastos, Teta Lando, Carlos Burity, Dionísio Rocha e outros. Entre os seus feitos, distingue-se pelo facto de ser do seu génio inventivo “as marcas do compasso do semba”. Por isso, André Mingas define-o nesses termos: “Joãozinho é uma das maiores referência­s da nossa cultura. Foi ele que deu a forma física e expressão rítmica, ao que nós usamos como bandeira, o semba”. Para muitos, Joãozinho Morgado é o artista que solidament­e atravessa diferentes gerações, vergando estilos e momentos sem descurar da sua mestria. Tanto os chamados “kotas” como as vozes novíssimas da música angolana recorrem a Joãozinho Morgado seguros de que é a pessoa certa para dar a apurada batucada. Pela sua postura versátil, são várias as vezes em que o seu trabalho é objecto de inspiração de outros artistas, que lhe rendem citações nas canções. A lista é longa, e vai do semba de Paulo Flores, da kizomba de Yola Semedo a novas tendências como de Kyaku Kyadaff ou Ivan Alexei. Por exemplo, Paulo Flores, este herdeiro dilecto da música popular e urbana de Angola, cantalhe assim, na música Farrar: “Este grande tumbador/cota Joãozinho Morgado/ filho de um tocador/ Sanfoneiro Mestre Geraldo/ Sua mãe era lavadeira/ Ensinou sua primeira canção/ Canção de uma vida inteira/do semba como hoje é chamado”.

Joãozinho Morgado já foi alvo de outras homenagens mas somente desta vez, realizada no passado dia 18 de Novembro, no Salão Vip do Morro Bento, em Luanda, culminou com a apresentaç­ão pública de um livro-revista e um DVD que narram o percurso do artista, enriquecid­os com depoimento­s de músicos e figuras do circuito cultural angolano.

A cerimónia foi reservada apenas para convidados e alguns amigos do artista. No dia 21, no domingo, aconteceri­a a venda e sessão de autógrafos a um público vasto.

A música foi o grande prato da noite, num cardápio que juntou as actuações de artistas convidados, nomeadamen­te Voto Gonçalves, Kyaku Kyadaf, Cirineu Bastos, Carlitos Vieira Dias, Ivan Alexei, Cidy Daniel, Mago de Sousa, Zeca Afonso e outros. Os artistas foram suportados por um conjunto de luxo formado por Teddy Nsingui, Raúl Tolingas, Bucho, Mias Galhetas, Rufino Cipriano, João Diloba,yark Spin, Lito Graça, Cidy Daniel, Raquel Lisboa e o naipe de metais, e assim levaram os presentes à dispersa discografi­a de sucessos da música angolana que tiveram intervençã­o directa de Joãozinho Morgado nos tambores.

Nas breves palavras dirigidas à imprensa, Joãozinho Morgado reconheceu que onde tem música não consegue ficar parado. Gosta de tocar, e brinca no meio das músicas, nos intervalos. E se há um segredo para tamanha mestria, diz desconhece­r, afirmando apenas que aprendeu com a mãe e foi evoluindo, ouvindo tudo. “Oiço blues sempre, gosto dessa sonoridade. Eu gosto de ouvir todo o tipo de música mas sem desprezar a minha”, diz o músico, este que sonha receber um dia “um apartament­o com piscina”. É grato por Ilídio estar a fazer muito por artistas como ele.

“O Ilídio está a fazer uma coisa bonita. Tenho o meu registo em muitas músicas angolanas. Há muita boa música angolana por aí, que foi gravada no tempo da CDA mas que nunca foi tocada em palco. A cultura deveria ver isso. É um arquivo rico da nossa vida cultural”, aponta assim a tarefa para estudiosos que pretendam desbravar pistas que construam a história da música angolana.

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MACHANGONG­O | EDÇÕES NOVEMBRO

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