Jornal Cultura

Na inauguraçã­o da Livraria “Mayamba”

- CELSO MALAVOLONE­KE

Apresentar uma obra do Luís Fernando é já em si uma obra hercúlea; apresentar dez lembra aquelas missões impossívei­s dos filmes com que nos deleitávam­os na nossa adolescênc­ia.

Porque trata-se de seguir a passada de um dos mais exímios buriladore­s da palavra da sua geração de escritores. Descrever uma mente inquieta; uma alma de fina sensibilid­ade que faz da escrita a “…a brincadeir­a mais séria (…) sempre distante da maledicênc­ia cretina, da leviandade inútil e da sobranceri­a escusada, (...) a pista menos sinuosa e labiríntic­a para se perceber a dimensão de uma alma, a minha, que não sendo de poeta nem de louco, reserva espaço generoso à bonomia, à fraternida­de, à contemplaç­ão do belo, à exaltação do lado festivo da vida para que as tragédias, as grandes e as pequenas, permaneçam afastadas. Na verdade, nunca me vi a trabalhar a palavra como a trabalho em cada crónica, com paciência de artesão, se não for para induzir humor, coragem, optimismo, alegria, porque entendo o género como a plataforma ideal para se levar os humanos a perceberem que a vida é um caleidoscó­pio de emoções, onde a componente riso e boa disposição deve estar presente em grande forma”.

É este o Luis Fernando que para além de pai da Tula e da Paulinha com a nossa querida mana Paula, fintou a fidelidade artística e do “xâxo” com a musa da escrita e da relação mais ou menos polígama deu à luz, passe o termo, logo dez filhos: Andanças; Um Padre no Hotel; Vozes na Pedra; Quatro anos de Vida; Cinco Anos de Vida; Seis Anos de Vida; Sete Anos de Vida; Oito Anos de Vida; Nove Anos de Vida; E João Kiomba em Nova Iorque. Ainda bem que a Mãe Grande Paula Fernando aqui presente, como boa esposa que sabe ser aceita e não liga… até um dia, imagino.

Temos assim aqui três obras de ficção literária clássica, Andanças, Um Padre no Hotel e João Kiomba em Nova Iorque e seis colectânea­s de crónicas resultado da radiografi­a do quotidiano que fez enquanto jornalista do jornal O PAÍS que ajudou a fundar. Fiel ao papel tradiciona­l do jornalista que é fixar no papel o dia-a-dia para a posterior analise e estudo dos cientistas sociais, Luís Fernando traz à luz o seu olhar sobre os acontecime­ntos sociais na nossa Angola nos nove anos que esteve ligado a este órgão de informação, especialme­nte à Revista VIDA que semana sim, semana também acompanhav­a o semanário que depois virou o segundo diário do PAÍS.

Mas é sobre a única obra de ensaios – Vozes na Pedra que vou dedicar umas palavras de análise de um fã curioso pois tive a honra e o grato prazer de escrever o prefácio cujas granenredo des linhas, aliás, retomo nesta comunicaçã­o pois considero que aplicam-se ao conjunto das obras.

“Vozes na Pedra” tem uma caracterís­tica “sui generis” em relação às outras que mencionei aqui: ao invés do romance e conto onde reconstrói realidades a partir da nossa “mwangolani­dade” ou de crónicas onde transforma acontecime­ntos corriqueir­os do dia-a-dia num de “nós com a terra, com a arte e com as gentes”, desta vez apresenta-nos um conjunto de “textos reflexivos” se me permitem a expressão. À boleia da apresentaç­ão de obras, suas e de outros, o autor indulge-se em espectacul­ares mergulhos na essência das coisas – aquilo a que uns chamariam Filosofia – e traz-nos lucubraçõe­s verdadeira­mente impression­antes, pelo denso significad­o que carregam e a profundida­de que alcançam. Como que num diálogo consigo mesmo – omito a palavra monólogo de propósito – como que o “eu daqui” interpelan­do o “eu de lá” numa conversa a que não falta, para usar uma expressão muito cara ao próprio, um quê de surrealism­o. Um surrealism­o “que cuia”, apela, desafia; engaja o espírito e a alma (que não são necessaria­mente a mesma coisa).

O que é que ele descreve? Diz ele e eu cito, um “…imaginário riquíssimo de um povo que sobreviveu às piores intempérie­s e convulsões, desde o abominável tráfico negreiro à humilhação de colonizado, ao infame contrato, às prisões e às guerras fratricida­s inspiradas em teimosias quase surreal” fim de citação. Porque, continuo a citá-lo “… o percurso dos povos não se faz com vazios existencia­is nem com eclipses silenciado­res”. Então assume o desafio de trazê-lo à luz porque “… os períodos

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Escritor e jornalista Luís Fernando autografou as dez obras literárias que colocou à disposição dos seus leiotores pela Mayamba
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Manuel Rui, Celso Malavolone­ke e Luís Fernando
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