"Na websérie tenho “colmatado” muitas lacunas do livro História de Angola"
Eu era um bom aluno de História, mas não me sentia vocacionado para ser historiador. Sentia-me vocacionado para ser ficcionista e durante anos escrevi romances
Serve-se (como poucos) da literatura para construir a nossa memória comum. Foi a Literatura que o levou para a História ou o contrário?
Como já o disse várias vezes, a História foi sempre uma inquietação para mim, desde criança. Muito mais do que uma paixão. Eu era um bom aluno de História, mas não me sentia vocacionado para ser historiador. Sentia-me vocacionado PARA SER FICCIONISTA E durante anos escrevi romances, embora em alguns deles aparecessem os chamados “temas históricos”. Mas só me convenci de que precisava de ser mesmo investigador e historiador no sentido científico DO TERMO DEPOIS DO MEU regresso a Angola, em 1996, quando me senti plenamente integrado com o país onde nasci e vivera parte da infância, pois tinha memória dele nessa mesma infância, mas ao mesmo tempo não conhecia nada dele. O meu ingresso na História resultou, portanto, acima de tudo, mais de uma atracção pelos silêncios do que pelas evidências. Mas não sei se foi a Literatura que me levou à História ou o inverso. Ambas são muito diferentes, mas ao mesmo tempo muito relacionadas, porque ambas derivam de inquietações.
Falemos agora da sua síntese da história de Angola. O que lhe motivou a dedicar-se a um trabalho tão abrangente?
Vem tudo na sequência do que acabei de dizer. Depois de 1996, comecei a estudar a História de Angola em todos os documentos escritos e orais que encontrava e passei por graus académicos na Universidade de Lisboa até ao Doutoramento, concluído em 2010. Entretanto, escrevi muitos artigos e ensaios. Só em 2012 me atrevi a escrever um trabalho que pudesse “compendiar” a História de Angola. Levei três anos a escrevê-lo e o livro foi publicado em primeira edição em 2016. Mas é um trabalho que nunca é completo e está sempre sujeito a transformações.
Refere entretanto no prefácio que as "palavras abonatórias" e o "êxito do livro" não lhe retiram a vontade de aperfeiçoar o seu trabalho. Que lacunas ou imperfeições hoje reconhece na obra que gostaria de melhorar?
Levaria muito tempo a responder-lhe. Mas recomendo que siga a minha websérie “Lembra-te, Angola”, no Youtube, onde já tenho “colmatado” muitas lacunas ou imperfeições, e também tenho descoberto muitas coisas novas, de que vou falando aos subscritores. No entanto, isso será um trabalho para o resto da vida, como aliás deve ser o trabalho de qualquer historiador.
Qualificou-a de "primeira tentativa de um angolano, passados 40 anos sobre a Independência de Angola, narrar e explicar (...) de modo abrangente" a história do seu país...
Sim, e não fui o primeiro a dizê-lo. De facto, não conheço nenhuma outra História de Angola que pretenda ter esta abrangência escrita após a Independência de Angola. No tempo colonial, houve histó
rias de Angola coloniais que não são de desprezar, como a de Ralph Delgado. Mas depois da Independência, até hoje, que eu saiba, só a minha. Oxalá venham muitas outras!
Advertiu, entretanto, que "não é, de modo algum, um livro académico", mas foram os académicos que, apesar de reconhecerem que a sua obra "preenche um vazio evidente", apontaram as lacunas. Maria da Conceição Neto, por exemplo, numa recensão, garante que há episódios e personagens esquecidos. Aliás, notou a ausência de Ndunduma, Ekwikwi II e Numa no índice remissivo da segunda edição, o que terá sido revisto na terceira edição...
Não é um livro académico, mas é escrito por um académico. Eu sou um académico. E também foram académicos que me estimularam a escrevê-lo, como Ana Mafalda Leite, Tania Celestino Macêdo, Elizabeth Ceita Vera Cruz, entre tantos outros. Mas estou aberto a críticas, de académicos e não só. Sem dúvida que há sempre personagens menos evidenciadas, o que não quer dizer que sejam esquecidas. A História é, evidentemente, uma ciência muito subjectiva e é normal que uns historiadores atribuam mais importância a umas personagens e outros a outras.
A professora da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto revela ainda que não se vê na sua obra referências a reflexões metodológicas feitas por autores angolanos recentes e publicadas por exemplo pela Kilombelombe, Nzila, Mayamba, Mulemba ou o próprio Arquivo Nacional...
Isso não é verdade. Cito frequentemente Edmundo Rocha, que publicou na Kilombelombe, assim como Virgílio Coelho, a quem essa editora tanto deve. Também cito Jeanmichel Mabeko-tali, que publicou na Nzila. Além de citar Rosa Cruz e Silva, minha colega de Doutoramento, tão ligada ao Arquivo Nacional. Mas acha que, num livro como este, são assim tão importantes as citações e as editoras dos autores citados?