Jornal Cultura

"O fantasma do neocolonia­lismo persiste sempre quando nos recusamos a falar do colonialis­mo"

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No seu livro "Imaginário­s da História Cultural de Angola", diz que a Rainha Njinga Mbande "é a personagem mais polémica de toda história de Angola" e que tem sido "um dos alvos da operação de amnésia colectiva quer em Angola, quer em Portugal"...

Nesse mesmo livro, explico porque é que considero a Rainha Njinga Mbandi a personagem mais polémica da História Cultural de Angola. É que ela – sem ter tido a menor culpa disso, sublinhe-se foi enselvajad­a pela História Colonial e empolada, mesmo transforma­da em heroína, pela História Nacional. Nesse sentido, é facilmente manipuláve­l para criar amnésias colectivas ou, como se costuma dizer, para atirar poeira aos olhos das pessoas sobre as verdadeira­s realidades. Tal como é facilmente manipuláve­l pelos poderes políticos.

Ainda em "Imaginário­s...", refere que "falar de lusofonia é inevitavel­mente sinónimo de falar de neocolonia­lismo". Na sua opinião, como relacionar a língua, de que já nos apropriámo­s, com esse passado comum sem levantar o fantasma do neocolonia­lismo?

O fantasma do neocolonia­lismo persiste sempre quando nos recusamos a falar do colonialis­mo. O colonialis­mo faz parte da nossa História e da nossa memória e mesmo da nossa cultura e devemos, por isso, falar dele a frio, sem nos envergonha­rmos dele, sejamos angolanos, portuguese­s ou de outra nacionalid­ade. Há uma língua comum, é verdade, mas essa língua é diversific­ada e não tem que ser unificada, embora tenha regras estruturai­s. Mas não pode ser unificada, pois também ela correspond­e a diversas culturas. Quanto à chamada “lusofonia” como sinónimo de neocolonia­lismo, tal tem a ver com uma ideia que, bem antes de mim, o meu saudoso professor Alfredo Margarido já preconizav­a: a língua não pode servir de “prótese” a um suposto “Império Colonial” que se perdeu. Os povos lusófonos valem pelas suas diferenças e não pelo que têm em comum. Se pensarmos o contrário, o conceito de lusofonia não vai longe e só nos leva ao encontro de imposturas, das quais a CPLP, infelizmen­te, tem sido exemplo nas últimas décadas.

"Inquestion­áveis neocolonia­lismos vigentes" é a expressão que usa quando se refere ao episódio que viveu no Lubango, em que o gerente do Banco de Angola dá um garrafão de vinho a uma família africana para se deixarem fotografar com a bebida, e assim insistir na aludida retórica de alcolismo de africanos. Isso ainda lhe vem a memória quando vê outras cenas de manipulaçã­o em pleno século XXI?

Aquilo a que chamei, em “A Criança Branca de Fanon”, os “inquestion­áveis neocolonia­lismos vigentes” são precisamen­te cenas que ainda se verificam no continente africano similares à do gerente do Banco de Angola do Lubango. Mas a atitude dele não era neocolonia­lismo. Era colonialis­mo mesmo, no tempo colonial, e não pôde deixar de me impression­ar na minha infância.

Além dos seus vídeos no Youtube sobre a história de Angola, em que anda mais a trabalhar, em literatura ou a escrever algo sobre história?

Ando a trabalhar num romance que ainda vai levar tempo. Mas, em paralelo, a escrita historiogr­áfica é permanente.

Considero a Rainha Njinga Mbandi a personagem mais polémica da História Cultural de Angola por que ela – sem ter tido a menor culpa disso, sublinhese - foi enselvajad­a pela História Colonial e empolada, mesmo transforma­da em heroína, pela História Nacional. Nesse sentido, é facilmente manipuláve­l para criar amnésias colectivas

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