Jornal Cultura

O casamento e o Cónego Manuel das Neves

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"O encontro dos meus pais em Luanda, um ano antes do meu nascimento, relaciona-se, ainda que indirectam­ente, com a preparação desse facto histórico que viria a ser o 4 de Fevereiro de 1961. O meu pai, Alberto Alves de Oliveira Pinto, natural de Paços de Brandão, no norte de Portugal, vivia em Luanda desde 1957, para onde embarcara, com 25 anos de idade e recém -licenciado em Ciências Económicas e Financeira­s, primeiro para trabalhar no Conselho de Câmbios, organismo colonial criado nos anos de 1930 pelo ministro das colónias Armindo Monteiro, depois no Banco de Angola. Fazia parte de uma categoria de colonos então ainda recente e minoritári­a em Angola, aquela que alguns autores designaram por "colonizaçã­o tecnocráti­ca", constituíd­a essencialm­ente por economista­s e engenheiro­s, impulsiona­da apenas a partir da década de 1950. A minha mãe, Maria José Nogueira Duarte, natural de Elvas, no Alentejo, conhecera o meu pai em Lisboa, quando ainda estudantes, onde namoraram durante cerca de dois anos. Quando o meu pai partiu para Angola, o namoro prosseguiu durante mais três anos, mas correspond­ência epistolar. No dia 8 de Dezembro de 1960 casaram por procuração, a minha mãe em Elvas e o meu pai em Luanda, e só a 26 do mesmo mês, uma vez passado o Natal, é que a minha mãe desembarco­u em Luanda e se instalou com o meu pai em São Paulo. Também a este respeito importa sublinhar que o aumento lento e gradual do número de casais metropolit­anos em Angola, embora remontante a um projecto de colonizaçã­o da década de 1930 com vista a incentivar a segregação e a diminuição da mestiçagem, só agora se verificava em pleno. Uma vez chegada a minha mãe a Luanda, os meus pais fizeram questão de celebrar simbolicam­ente o casamento, numa cerimónia simples de entrega de alianças para a qual foram convidados apenas alguns amigos próximos e o meu tio Lino, o único irmão do meu pai residente em Angola. Esta cerimónia tem relevância, quer pelo local onde se realizou, a lgreja de Nossa Senhora dos Remédios, na Cidade Baixa, inaugurada em 1679 e Sé de Luanda desde 1825, quer pelo sacerdote que a celebrou, o Cónego da Sé, Monsenhor Manuel das Neves, o qual, segundo os meus pais, já era então apelidado "mulato revolucion­ário. De facto, em finais de Dezembro de 1960, Manuel das Neves já congeminav­a o acto temerário que lideraria pouco mais de um mês depois."

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