Os primeiros contactos portugueses com o Mwene a Ngola, o soberano do reino do Ndongo
Desde inícios dos anos vinte do século XVI, que os Portugueses tentaram efectuar contactos com um soberano titulado Mwene a Ngola, isto é, «o Senhor do Ferro»,16 do reino do Ndongo, sem jamais o terem pacificamente conseguido. O móbil para essas tentativas, transmitidospelos documentos da época, era que o referido soberano Mwene a Ngola pretendia converter-se à fé cristã, à semelhança com o que já ocorrera com os soberanos do Kongo, e ter assim, igualmente, tal como já vinha ocorrendo com o rei do Kongo, relações comerciais e de amizade com o soberano dito «irmão» de Portugal. E, como prova disso, dizem as fontes, o tal soberano
Mwene a Ngola do Ndongo, 17 remetera ao soberano luso manilhas de prata, o que, como era de prever, atiçou a cobiça dos portugueses, que tinham necessidade cada vez mais premente de prata para cunhar moeda na Europa, cuja situação económica não era saudável. Na verdade, desde a recepção das manilhas, os portugueses queriam saber acerca da existência real de minas de prata e também de cobre no país Ndongo e recolher um maior número de informações susceptíveis de lhes permitir a respectiva apropriação.18
Quando, finalmente, em 1560, cerca de 40 anos mais tarde, Paulo Dias de Novais consegue chegar a Mbanza a Ndongo, a capital desse reino, dizem as fontes, o tal soberano Mwene a Ngola que havia solicitado a presença de missionários portugueses já tinha falecido. O navegador luso fora então recebido por um soberano de visível aparência juvenil, que, segundo essas mesmas fontes de informação, era filho daquele que teria remetido o presente das manilhas. No entanto, esse Mwene a Ngola, que não mostrou qualquer interesse em converter-se ao Catolicismo,20 conforme auguravam tais informações, pretendia apenas e unicamente comerciar de igual para igual com os portugueses, o que veio complicar o processo seguinte previamente inscrito numa «Instrução Régia»,21 que el-rei de Portugal havia passado a Paulo Dias de Novais. Houve, entretanto, desentendimento entre os grupos tidos em presença na corte do
Mwene a Ngola e o Embaixador do rei de Portugal e os seus acompanhantes acabaram por cair prisioneiros. Paulo Dias de Novais permaneceu aprisionado nas terras do Mwene a Ngola entre 1560 e 1565 ou 1566, enquanto que o missionário Padre Francisco Gouveia permaneceria ali até 1575, ano em que acabaria por falecer. Suponho que, nesse lapso de tempo em que permaneceu no Ndongo, Paulo Dias de Novais pode observar o país, recolher informações preciosas sobre a sua organização política, económica, social e até religiosa; teve tempo suficiente para possivelmente aprender a falar a língua vernácula do país, o Kimbundu; enfim, deve ter também recebido informações sobre as riquezas do subsolo, nomeadamente acerca das minas de prata, tendo recebido uma informação preciosa segundo a qual as minas encontravam-se em Cambambe.22
Regressado a Lisboa em 1565,23 depois de ter permanecido um longo período na corte do Mwene a Ngola, Paulo Dias de Novais informa na corte lisboeta que o reino do Ndongo é um país rico e que convinha, por conseguinte, aos interesses do Estado e da coroa lusa, aclarando, entretanto, que só pela via das armas, por via da guerra, se poderia usufruir das suas riquezas, nomeadamente, a tão ambicionada prata, que era suposto existir no Ndongo, tudo isso por o soberano do Reino do Ndongo não se mostrar interessado em aderir ao Catolicismo nem a nenhuma outra religião estrangeira, uma visão então diferente do que anteriormente haviam propalado. Deste modo, Novais obtém o que pretende: dinheiro, meios materiais e bélicos e homens necessários, enfim, para poder regressar ao continente africano e apropriar-se das terras do Mwene a Ngola.
Convém notar, entretanto, que este quadro é bem diferente daquele que se passou no Reino do Kongo, já que ali os Congoleses aceitaram livremente a conversão à fé cristã e o Catolicismo se transformou numa religião do Estado Kongo, enquanto que no reino do Ndongo, o Mwene a Ngola não aceitou a nova religião proposta pelos portugueses, uma vez que esta contrariava uma série de princípios ordenadores da organização social e dos sistemas de pensamento vigentes no país.24