A segunda viagem ao Ndongo de Paulo Dias de Novais: as bases da conquista
É assim que, munido de uma Carta Donatária25 cuja doação o habilitava para a conquista do reino do Ndongo e o colocava como Capitão Geral e Governador do «território a conquistar», Paulo Dias de Novais atracou na Ilha de Luanda no princípio do ano de 1575. Acerca do desembarque duas datas diferentes têm sido apontadas. De acordo com o Padre Garcia Simões, que acompanhou o Governador, temos: «[…] aos 20 do ditto mês [Fevereiro de 1575] tivemos vista da ponta desta ilha de Loanda». Por sua vez, o Padre Baltasar Afonso, na Historia da Residencia dos Padres da Companhia de Jesus,
escreveu: «Aos onze dias de Fevereiro de [15]75 chegou a Armada a este porto da ilha de Loanda,26 do qual dizem os mareantes ser hum dos melhores que ate agora se tem
achado». 27 Esta discordância de datas apresentadas pelos Jesuítas, à semelhança com outros autores, acerca da chegada da expedição portuguesa à Ilha de Luanda, julgamos poder ser atribuída ao facto de viajarem em navios diferentes, tendo chegado um a 11 e o outro a 20 de Fevereiro de 1575.
Por reconhecer que não tinha as condições apropriadas na Ilha de Luanda para dar corpo ao previsto na Carta Donatária, pouco menos de um ano depois Paulo Dias de Novais e comitiva abandona a ilha e passa-se para a terra firme, numa pequena colina situada mesmo defronte da ilha de Luanda, onde se instalou e se passou a dar corpo ao projecto de «conquista e colonização directa». O depoimento, do padre jesuíta Baltasar Afonso, é bastante significativo:
«Pasou o Governador da ilha de LOANDA á TERRA FIRME, FEZ UMA Povoação, deu ordem de governo com VEREADORES E MAIS OFICIAIS DE IUSTIÇA. Deu principio a hum ospital, e misericordia. A primeira Igreia que FEZ, DEDICOU AO MARTIR S. SEBASTIÃO, CUIAS FESTAS SE SOLENIZAVAM COM muito aparato, andando os mordomos EM SANTA PERFILHA A QUEM FARIA melhor». 28
Relativamente ao começo, o Padre Garcia Simões esclarece por sua vez:
«Já estamos em um sitio que no PRINCIPIO SE OFFERECEO A MUITOS SER mais comodo para a nossa povoação, que outros. Tem nelle o gouvernador FEITO HUM FORTE DE TAIPA, e assestada a sua artilharia, e hé hum monte que entra cõhuã grande ponta polo mar, na qual ponta estamos SITUADOS POR SER BOM SITIO». 29
Quanto a este acto de fixação, consultei os principais autores que escreveram sobre a História de
Angola ou que se referiram especificamente à história da cidade de Luanda. Destes, destacam-se alguns autores que dizem claramente que Paulo Dias de Novais abandona a ilha de Luanda porque ela pertencia ao rei do Kongo, facto que pressupõe ao menos o seguinte: sendo o rei do Kongo um aliado dos portugueses, Paulo Dias de Novais não poderia tomar as suas terras pela força das armas. Aliás, como já vimos antes, as relações entre o reino do Kongo e o reino de Portugal foram estabelecidas de maneira pacífica, por via da integração dos congoleses ao modo de vida e interesses do cristianismo. Como vimos, já o mesmo não se pode dizer do soberano Mwene a Ngola, das suas populações e do país Ndongo, cujo monarca era pouco aberto (ou pouco propenso) a aderir a uma religião muito diferente daquela que era praticada no seu país e tidos em conta pelos seus habitantes. Em resumo, na lógica ideológica dos representantes do rei de Portugal, abandonar a ilha de Luanda e passar-se para a terra firme enquadrava-se perfeitamente na lógica do confronto directo contra os «selvagens» ou
«BÁRBAROS» que viviam nesse país e que não queriam ser salvos e instruídos através do Cristianismo. Estava, pois, assim, justificada a lógica da fundação e da edificação da cidade de Luanda em terras do
Mwene a Ndongo, na visão ideológica do conquistador luso Paulo Dias de Novais. Após a fundação em 1576, pouco tempo depois, em 1578-1579, dá-se início às guerras de conquista e domínio das terras e dos homens dominados, instalase o comércio e o consequente tráfico atlântico de escravos e o saque das riquezas do país.
6 - A data da fundação da cidade de Luanda
Um outro aspecto que julgo importante analisar diz respeito especificamente à data da fundação da cidade de Luanda. Ressalta dos depoimentos dos autores consultados, informações algo díspares quanto à data. Vejamos: 1.º Alguns estudiosos e publicitas, muito poucos, apontam como data da fundação o dia da chegada à ilha de Luanda de Paulo Dias de Novais, isto é, o dia 11 de Fevereiro de 1575. 2.º Uma boa parte dos historiadores e analistas apontam unicamente o ano de 1576, não referindo especificamente dia e mês. 3.º Outros ainda apontam a fundação para meados do ano, ou seja, Junho de 1576, embora não referindo exactamente o dia e isto porque têm em conta a conhecida alusão do Padre Garcia Simões efectuada na sua carta datada de 7 de Novembro de 1576, concebida nestes termos: «[…] Já ESTAMOS EM UM SÍTIO QUE NO PRINCIPIO SE OFERECEO A MUITOS
ser mais cômodo para a nossa povoação que outros».30 4.º Finalmente, temos a data de 25 de Janeiro de 1576, que se justifica pelas seguintes premissas: a informação segundo a qual o Capitão Geral Paulo Dias de Novais depois de ter permanecido aproximadamente um ano na ilha de Luanda e durante esse período ter constatado que ali tinha poucas hipóteses para dar corpo às directrizes contidas na
Carta Donatária, se passou para a terra firme. Ora, como se sabe, a sua chegada à ilha ocorreu em 11 de Fevereiro de 1575, o que, em fim de contas, perfaz pouco mais ou menos o período de tempo aludido.
À altaneira colina ou môrro para onde acabara de se transferir com a sua comitiva, o Capitão Geral Paulo Dias de Novais denominou-a de São Paulo. Assim, afigura-se-me que a permanência na ilha de Luanda até à data exacta em que se transfere para a terra firme, a atribuição do patronímico para designar o local escolhido e assinalar a data solene da fundação da cidade, o dia 25 de Janeiro, coincidem e me permite pensar que tudo foi feito conscientemente. Ademais, é importante referir que os missionários que acompanharam o Capitão Geral eram da Companhia de Jesus, e, de acordo com o Padre Ruela Pombo, os Jesuítas sempre consideraram o dia 25 de Janeiro como sendo o dia do padroeiro da cidade. Ora, essa data é justamente aquela que é festejada como a data da conversão de São Paulo.
O historiador Ralph Delgado31 considera, porém, que a justificação apresentada por António de Oliveira de Cadornega, no Notas volume II da sua História Geral das Guerras Angolanas, é mais plausível, já que, conforme escreve este autor: «Saltando em terra [Paulo Dias de Novais] se assenhoreou de hum morro alto sobre o braço do Mar que mette para esta parte a que poz o nome de Morro de São Paulo, que como este Santo Apostolo foi chamado o Doutor das gentes, pella muita propagação que fez em pregar a fé de Nosso Senhor Jesus Christo, e este Conquistador ser do seu nome, e vir instruir a Lei evangélica a esta gentilidade, lhe combinava nem este nome por ser a primeira terra que tomou para della tratar com os Sujeitos que em sua companhia trazia do serviço de Deos, e bem das almas desta ambundainha em cujo morro se fortificou COMO O TESTIFICÃO OS ALICERCES que neste tempo se descubrirão em dito sitio, abrindo-se huma cava (fôsso) para defensa do forte de São Miguel que no dito morro de São Paulo se tem feito […], também consta como nesta parage se fabricou casa de Deos em que os Reverendos Padres da Companhia primeiros lavradores desta Seara evangélica, tiveram primeiro seu Collegio como também O VERIFICOU OS VESTÍGIOS DELLE».32
A ser assim, esta asserção corrobora com o ponto de vista que acabamos de expor segundo a qual tudo foi feito conscientemente para que a fundação da cidade de São Paulo de Luanda ocorresse no dia 25 de Janeiro de 1576, coincidindo exactamente essa data com o dia (25) e o mês (Janeiro) da conversão de São Paulo.
No entanto, é necessário que não se perca de vista que o nascimento ou a fundação da cidade de Luanda nasce de um paradoxo: a necessidade que os portugueses tinham de encontrar uma base sólida que lhes permitisse abalançar-se com segurança na conquista do reino do Ndongo e, consequentemente, na subjugação do soberano Mwene a Ngola, a fim de se extorquir as suas riquezas, nomeadamente a prata, tão necessárias para a estabilização económica e financeira do reino de Portugal.