Os fundamentos básicos da fundação da cidade de Luanda
O tema da fundação da cidade de Luanda enquadra-se bem no esquema teórico-conceptual sugerido pelo sociólogo francês Claude-gilbert Dubois, quando este autor durante um colóquio sobre A Memória da
Nação, organizado em Lisboa, nas instalações da Fundação Calouste Gulbenkian pelo Gabinete de Estudos de Simbologia, nos dias 7 a 9 de Outubro de 1987, fala de «mitologias das
origens», «mitos de fundação» e de «identidade nacional», sobre os quais se vêm infiltrar conscientemente três ramificações metafóricas, a saber: -O primeiro, reenvia-nos ao nascimento, estando presente no termo «origem» e integrado na palavra «nação».33
- O segundo grupo está em conexão com a palavra «fundação» que é um termo de maçonaria: as fundações são suportes materiais, enterrados no solo, que garantem a solidez do edifício. Trata-se de uma metáfora arquitectural com conotação histórica. - Enfim, o terceiro, remete para
a«identidade», que em simultâneo com a individualidade nos reenvia ao mesmo, à reprodução de esquemas similares a despeito das variações conjunturais, a uma constância com o meio e as circunstâncias.34 Atendo-me ao que este autor considera como o «terceiro caso DE FIGURA», que diz respeito à história de um casal parental simbólico, que engendra um povo; esse povo se cria — desenvolvese num duplo espaço habitável, sob uma forma concreta (o território) e sob uma forma simbólica (a cultura). Este conjunto, por um lado constituído pelas terras e por outro lado pelas tradições, se chama «a herança dos
pais» patria, a pátria. No fim do Império Romano e na Idade Média, distinguia-se as patria própria, ligada ao lugar de nascimento, e a patria communis, ou tratos da cultura. A patria própria é o território ocupado pelos antepassados que porta o nome do povo ocupante — Francia ou território dos Francos, Germânia para os Germânicos, Britannia para os Bretões. Quanto a patria communis, foi a romanidade, criadora de uma identidade resumida por «eu sou cristão, eis a minha glória». Deste modo,observa-se que de uma identidade para outra há mais similitude do que rupturas, «podendo a pedra angular ou placa giratória DO EDIFÍCIO SER SIMBOLIZADO PELO APÓSTOLO PAULO, QUE AFIRMA O seu estatuto de cidadão romano, ao mesmo tempo que se faz missionário de Cristo».35
Afigura-se-me de grande valia as observações e premissas metodológicas propostas por este autor. No nosso caso concreto, no que diz respeito à fundação da cidade de Luanda, o que constatamos? A reprodução de um esquema que tem por base uma
identidade bem concreta, que é fundamentalmente baseada no Cristianismo que, na época, é a religião do Estado luso e cuja civilização, como já vimos antes, é considerada pelos seus mentores como a mais avançada que deve ser imposta aos «selvagens» e aos «bárbaros» do país Ndongo, a conquistar. Essa acção sub-reptícia justifica em grande medida a fundação da cidade.
Nesta conformidade, justificase plenamente que o nome da cidade de São Paulo venha da atribuição que é dada ao primeiro espaço onde foi solenizado o acto da fundação e simboliza, assim penso, a data que se dá da conversão de São Paulo — o dia 25 de Janeiro — que, como já vimos com Claude-gilbert Dubois, simboliza o missionário de Cristo em terras do soberano Mwene
a Ndongo, dá força e abalança assim o Capitão Donatário para a conquista do Estado Ndongo.
A conquista e a ocupação do território geral do «país» Ndongo,36 parece justificar-se para os portugueses, dado que ela estava baseada nos ditames da Carta Donatária assinada pelo rei de
Portugal que, como ponta de lança em África da religião Católica e, em geral, do Cristianismo, age assim em defesa da fé cristã.
Quanto ao mais, devemos ver, igualmente, que a conquista das terras do soberano Mwene
a Ngola, numa palavra, do Estado Ndongo, leva alguns séculos a ser concretizada.os portugueses, com vista a legitimação do poder pela força das armas sobre o «país», e postos perante o enfrentamento acérrimo dos povos autóctones que lutavam pela manutenção das suas terras e da sua pátria, ao designativo/título de Ngola (tal como, aliás, ao designativo de Luwanda), vêemse na obrigação de os manter na língua portuguesa, sob a forma de corruptela (Angola, e também inicialmente Loanda e, mais tarde, Luanda), desvalorizações linguísticas e culturais, que se vãomantendo no discurso dos vencedores porque impossibilitados de os aniquilar, destruir, questões essas que, tal como vimos, vãono sentido das premissas conceptuais e metodológicas que adiantamos anteriormente. A conquista, a tentaboxer tiva de assimilação dos poderes autóctones e a destruição que se lhe segue são consumados, mas os principais nomes autóctones, ainda que aportuguesados, permanecem na memória e se prolongam no tempo, permanecendo,enfim, no presente!... Mas, ironia do destino, no nosso presente, ao que julgo perceber, estes não têm importância alguma para os novos poderes estatuídos, porque não só não são repostos, nem emendados tal como deveria ser e muito menos valorizados. Talvez sejam matérias que estando desprovidas de importância, não são ou não fazem parte do nosso património, enfim, da História deste país, quem sabe!...