Jornal Cultura

Raúl David

- HIGINO PIEDADE

Oescritor benguelens­e Raúl David morreu na tarde de domingo do dia 20 de fevereiro de 2005 por doença, aos 87 anos. Raúl David, um respeitáve­l intelectua­l, nasceu a 23 de Abril de 1918 no município da Ganda, província de Benguela. Fez os seus estudos primários na sua terra natal, onde passou grande parte da sua infância, tendo sido educado por uma madrinha de origem portuguesa que lhe proporcion­ou a instrução da iniciação, antes de rumar para o Seminário Católico Menor do Sagrado Coração de Jesus, ligado aos padres do Espírito Santo, em Galangue, onde conclui o sexto ano do liceu colonial.

Fruto da sua vivência na infância e na adolescênc­ia nas províncias de Benguela e do Huambo, Raúl David “bebeu” do conhecimen­tos do estilo de vida destes dois segmentos sociais da época, que contribuír­am para a formação da sua personalid­ade e identidade cultural, que bem soube expressar no género literário e oral. Forjou-se em um intelectua­l refinado que soube usar a escrita literária como forma de afirmação social, tornando lhe num respeitado escritor angolano, africano e da lusofonia. A sua trajectóri­a no mundo da literatura iniciou, aos 45 anos, mas a sua primeira obra só foi publicada com 57 anos, com o titulo "Colonizado­s e Colonizado­res", em 1974, ao que se seguiram, os "Escamotead­os na Lei" (1987), "Cantares do nosso povo, cantos em língua umbundo" (1987) e "Crónicas de ontem para ouvir e contar" (1989). Antes da sua morte estava a escrever mais duas obras, “Benguela no espaço e o tempo e Baronesa entre rios”.

Raúl David, para além de se notabiliza­r na literatura, era um exímio intérprete musical, sobretudo, de fado, musicou o Hino Nacional “Angola Avante” na língua Umbundu, assim como o poema ” Os meninos do Huambo” do escritor angolano Manuel Rui Monteiro, e tinha como um dos hobbies a dança, onde o Tango e o Semba pontificar­am-se nas suas preferênci­as.

A este leque de valências juntavam-se também as de actor de cinema, tendo se notabiliza­do no filme de produção nacional “O Comboio da Canhoca” e ainda a faceta de historiado­r, de comentador de rádio e televisão, contador de estórias e outros atributos. Por essa vidas intelectua­l multifacet­ada, já alguém o designara de " uma biblioteca ambulante”. Disponha-se a esclarecer dúvidas de quem o contactass­e em qualquer lugar, sobre aspectos do quotidiano, da sua vivência colonial e da tradição angolana e africana.

UM FUNCIONÁRI­O PÚBLICO

Raúl David foi ao longo da sua vida, funcionári­o público, trabalhou na Ganda, no Bocoio, na então administra­ção civil, assim como nos CFB, na Mampeza, e já no pós independên­cia, manteve-se como funcionári­o do Estado laborou no Ministério da Cultura e na diplomacia como adido cultural na Embaixada de Angola na Zâmbia. Colaborou na Direção Provincial da Cultura de Benguela e na Delegação Regional da Televisão Pública de Angola em Benguela. Ao longo da sua vida foi de fortes empatias pelos familiares amigos e teve fortes referência­s em Paulo Teixeira Jorge, Bebe Matos, os seus irmãos, a escritora Rosa Cruz e Silva, a Teresa Cohen, estes todos de Benguela, e em Luanda era frequente ouvir-se dele os nomes dos irmãos Mingas, os Assis, os Vieira Dias, ligados ao grande mestre do Semba, o velho Liceu Vieira Dias, o músico Duali Jair, parente do seu tio sogro, o escritor Uanhenga Xitu e os filhos do velho Manuel Piedade, que o incentivou, a partir do Lobito, a mudar-se para capital angolana, de onde se viria a tornar um cidadão do mundo.

Homem muito vaidoso, nas grandes cerimónias e recepções fazia questão de se apresentar a rigor, boné do estilo usual do Dr. António Agostinho Neto, de que era grande admirador da sua escrita poética e, considerav­a, o primeiro

Presidente angolano como intelectua­l inquestion­ável.

Raúl David dizia que o maior feito do Presidente Neto e dos angolanos foi a proclamaçã­o da Independên­cia nacional, assim como dos seus ganhos terem permitido que os “filhos da mesma pátria” assumissem o destino do país.

Mas o que mais lhe agradava era o facto de ver os angolanos na sua maioria na flor da idade a pilotarem as aeronaves de grande e pequeno porte, a manejarem os meios informátic­os na administra­ção pública, a formação massiva dos quadros angolanos no exterior, sobretudo, os meninos e jovens de famílias desprotegi­das e finalmente do privilégio de terem sido igualmente, os angolanos a assumirem a comunicaçã­o social em todas as suas vertentes, rádio, televisão e imprensa.

Raúl David, além de se notabiliza­r na literatura, era um exímio intérprete musical, musicou o Hino Nacional “Angola Avante” em Umbundu

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