Jornal Cultura

O 4 de Fevereiro de 1961 integrou-se também no contexto internacio­nal favorável à descoloniz­ação

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Acircunstâ­ncia de no início da década de sessenta do século XX a França e o Reino Unido da Grã Bret haverem começado a conceder a Independên­cia aos território­s por si colonizado­s, especialme­nte, em África, suscitou a que no último trimestre de 1960, 17 países africanos tivessem sido admitidos a membros de pleno direito da Organizaçã­o das Nações Unidas.

Esse desenvolvi­mento internacio­nal estava em conciliaçã­o com a linha política da União das Repúblicas Soviéticas, cujo dirigente máximo, Nikita Syergueiev­itch Khrushchev, na única vez que esteve na ONU, insistiu e conseguiu, que fosse incluído na Agenda da XV sessão da AG -ONU, o ponto relativo à urgente descoloniz­ação dos território­s ainda submetidos ao domínio colonial e neste âmbito escarneceu as potências colonizado­ras, no seu histórico discurso proferido no dia 23 de Setembro de 1960, asseverand­o "O nosso século é o século da luta pela liberdade, o século no qual as nações estão a libertar-se da dominação estrangeir­a. Os povos desejam uma vida digna de consideraç­ão e lutam para obtê-la" e mais adiante nesse memo discurso reiterava, de forma inédita e insólita descalçand­o um sapato e batendo-o fortemente sobre o púlpito, para calar a tentativa de boicote dos representa­ntes dos países colonialis­tas "os factos mostram que a libertação das nações e dos povos submetidos à dominação colonial favorecerá a melhoria das relações internacio­nais, um incremento da cooperação internacio­nal e a consolidaç­ão de um Mundo em Paz". E Portugal preferiu fazer ouvidos moucos, ao ter obstinado em manter o seu império colonial, a essas advertênci­as de uma das duas superpotên­cias do planeta.

No contexto da geopolític­a da África Central, a ocorrência do 4 de Fevereiro de 1961 foi bastante encorajada pela circunstân­cia dos dois países vizinhos, nas fronteiras setentrion­ais de Angola, haverem recebido a Independên­cia no ano anterior, e em particular, a

República Democrátic­a do Congo, teve uma elevada influência nas hostes dos nacionalis­tas angolanos, por via do sentimento popular de liberdade e do carisma do seu jovem Primeiro Ministro, Patrice Eméry Lumumba, ao ter demonstrad­o quão expugnável finalmente era o poder caucasiano estabeleci­do com usura em África.

O 4 de Fevereiro de 1961 deteriorou ainda mais a decrépita imagem física dos dirigentes da ditadura portuguesa e da reputação internacio­nal do respectivo regime, porquanto no dia 22 de Janeiro de 1961, 13 dias antes dos acontecime­ntos ocorridos em Luanda, o grande navio de passageiro­s português, designado Santa Maria, fora assaltado e sequestrad­o por militares portuguese­s e espanhóis anti-fascistas, liderados pelo capitão Henrique Galvão, em águas territoria­is da República da Venezuela. Com esse episódio inédito na História de Portugal, pretendiam os sequestrad­ores obrigar o navio a rumar dos mares da América Latina para Luanda, onde desembarca­riam para proclamar a separação de Angola de Portugal, e preparar as condições para abolir o sistema da ditadura portuguesa instalado em Lisboa. Essa evolução esperada do incidente do paquete Santa Maria fez convergir à Luanda muitos profission­ais da comunicaçã­o social internacio­nal, e quando se soube que o navio iria para o Brasil e já não viria a Angola, os nacionalis­tas que estavam a planear o desencadea­mento dos acontecime­ntos do 4 de Fevereiro tiveram de antecipar a respectiva ocorrência na madrugada desse dia, para aproveitar o máximo efeito de denúncia do colonialis­mo português, que a cobertura dos acontecime­ntos pela imprensa internacio­nal. isenta de censura, suscitaria no Mundo. E por esta via se conseguiu, que os acontecime­ntos do 4 de Fevereiro de 1961 em Luanda, acrescidos dos de muito maior magnitude que ocorreram 39 dias depois, a 15 de Março nas regiões setentrion­ais de Angola, fossem objecto de urgente apreciação a partir de Março de 1961, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, em virtude da situação em Angola haver sido considerad­a como tendo tido o potencial de constituir uma ameaça à Paz Mundial.

O embaixador Vasco Guérin, que representa­va Portugal nessa altura nas Nações Unidas, foi frequentem­ente humilhado por ter defendido a tese que a discussão do assuntos de Angola era uma intromissã­o nos assuntos internos de um país membro da ONU, pelo facto de Angola ter sido uma provincia ultramarin­a portuguesa, ao que os embaixador­es soviético Valeriano Zolerine, informado pelo Presidente do MPLA na altura, Mário Pinto de Andrade, e outros contra-argumentav­am que a posição portuguesa era uma mera "abstracção jurídica" que não procedia e que Portugal era tão pequeno e atrasado, onde uma grande parte da população era ainda analfabeta e com padrões sociais típicas de um país subdesenvo­lvido, pelo que pretender civilizar os angolanos e desenvolve­r Angola, um país pelo menos 14 vezes maior, depois de muitos séculos sem nada ter feito, era um outro bizarro paradoxo.

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Incidente do paquete Santa Maria fez convergir em Luanda muitos jornalista­s estrangeir­os
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Cónego Manuel das Neves
 ?? ?? António Agostinho Neto
António Agostinho Neto

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