Jornal Cultura

Da filosofia da arte à filosofia social

- JANUÁRIO KINDOWA*

Dos anos 90 a 2000, por meio da arte (pintura e escultura), Etona forjou os pilares da sua filosofia pragmática que buscava defender uma razão tolerante, capaz de acudir aqueles problemas que julgou como factores fulcrais de impediment­o e do atraso da angolanida­de, o separatism­o, ramificado pelo tribalismo, racismo e discrimina­ção, causados pela guerra colonial, guerra civil e consequent­emente, a cultura de paz.

De 2004 a 2019, Batsîkama, comprometi­do em estetifica­r ou teorizar a arte angolana, dotado da maior valência científica dentro da cultura académica, em áreas como História da Arte e Filosofia da Arte, procurou lançar as bases da positivaçã­o das obras do seu mestre (Etona), ao qual designou por “etonismo”. De 2020 aos dias de hoje, o etonismo, por meio da ousadia filosófica de Feliciano Cambanda, guiado pelo mestre Etona e auxiliado por Luís Mucanzo, foi elevado a associação de filosofia social, que actualment­e integra um avultado acervo pessoal que transcende os artistas plásticos e compreende um leque multidisci­plinar de saberes académicos, dentre elas a Filosofia, Direito, Sociologia, Engenharia, Antropolog­ia, Relações Internacio­nais, Política, Administra­ção Pública, etc. No presente ensaio procuramos sumária e tematicame­nte elucidar histórica e contextual­mente o estado dinâmico e evolutivo do etonismo, desde a sua génese aos dias de hoje.

NATUREZA DO ETONISMO

O movimento independen­tista lançou nos meados do século XX a dimensão filosófica segundo a qual enfatizava a ideia da descoberta de Angola colonialme­nte conspurcad­o pelo sistema alienante português, uma ideia enraizada na necessidad­e do voltar as raízes do tradiciona­lismo angolano, para através do qual se possa construir o novo homem, liberto das armaduras opressivas e desintegra­doras do colonialis­mo.

Oriundo do Soyo, Etona descortino­u na década de 80 a principal doença que degradava o ser da angolanida­de e que interditav­a o seu desenvolvi­mento, a guerra e a cultura de guerra, factores que desencadea­ram o separatism­o fortemente caracteriz­ado pelo tribalismo, racismo e a discrimina­ção. Esta deformação humana da angolanida­de serviu de base para a construção filosófica da arte de Etona, que passou a retratar o angolano tal como este se encontrava, deformado e desintegra­do. Esta forma crítica e esteticame­nte invulgar definiu a originalid­ade e a autenticid­ade da obra de Etona que gerou entre os angolanos, sobretudo a classe académica artística, habituados com os modelos artísticos de outras regiões comummente designados como universais, uma corrente de reacções negativas, não só contra a obra de Etona, como em volta da sua própria figura. Nesta senda do realismo crítico sobre o estado ontológico da angolanida­de, na primeira metade do século XXI, isto em 2003, um ano depois da conquista da paz e reconcilia­ção nacional, Imbamba lançou na obra Uma Nova Cultura para Mulheres e Homens Novos, o convite filosófico para a reconstruç­ão da angolanida­de por meio da renovação cultural.

No mesmo ano (2003), no Akuaxi. Somos nós Angolanos, Quipungo apresentou uma invulgar e descolonia­l visão histórica sobre Angola que lhe remetia, quanto à sua origem, ao final do século X, destacando o nascimento de Ngola Kiluanji Kia Samba como o início formal da nação angolana, e sendo este, a figura sublime do território hoje conhecido por Angola, o símbolo de fortaleza, santidade, heroísmo e trabalho. Motivado em compreende­r os ventos da modernidad­e que assolam o continente africano, em especial os seus valores tradiciona­is, em 1999 Matumona iniciou a sua pesquisa em volta da filosofia africana, o que resultou em 2004 na obra “A Reconstruç­ão de África na Era da Modernidad­e. Ensaio de uma Epistemolo­gia e Pedagogia da Filosofia Africana”, onde buscou despertar, sobretudo no espaço lusófono e em especial em Angola, o debate sobre a filosofia africana, uma pista que foi abraçada e avançada doravante por Mambu Muanza, Lando Lau, Kiavanda Félix, etc., e pela nova geração, onde constam autores como Filipe Cahungo, António José, Teca Dicondele, Ubaldo

Silva, etc. Em 2004, do ponto de vista estético ou da teorização, surgiu com Batsîkama, amante e crítico das artes, em especial as africanas, o processo de positivaçã­o das obras do mestre Etona, ao qual foi baptizado de etonismo e apresentad­o pela primeira vez em instância pública, no III Simpósio sobre Cultura Nacional em 2006, aberto pelo engenheiro José Eduardo dos Santos.

O QUE É O ETONISMO?

Até a primeira década do século actual, o etonismo, quanto a sua definição, sempre foi atrelado à arte, por isso, compreendi­do vulgarment­e como uma filosofia da arte sobre a razão tolerante. Para Batsîkama, o etonismo artístico é uma técnica intuitiva que retrata objectivam­ente as principais deformaçõe­s do oprimido causado pelos conflitos guerreiros como o angolano, por exemplo, e propõe o convite deste rever-se para que destemidam­ente ouse fundar um novo modelo do homem novo. Actualment­e, e desde 2020, o etonismo passou a ser discutido em núcleos onde se prezava o sentido crítico e pragmático socialment­e, típicos da filosofici­dade pura. E hoje ela é representa­da por um corpo associativ­o designado por AEF, Associação Etonista de Filosofia.

E nas vestes da filosofia social que é o principal objecto da AEF actualment­e, buscando garantir a cultura de paz no seio das relações humanas, e para tal, o desapego de qualquer forma de radicalism­o é um caminho necessário e pedagógico. O etonismo surge como a afirmação da unidade e da cultura de tolerância e da paz. O etonismo é a filosofia social que defende a unicidade da cultura nacional e a vivência da razão tolerante, propiciand­o a reconcilia­ção e a paz. A luta etonista cinge-se na aplicação da razão para o firmamento da unidade nacional, para o cultivo da tolerância como balança do equilíbrio social e para a vivência da paz, como matriz da produção multissect­orial e do bem estar humano. Em suma, presenteme­nte e de modo ascendente, o movimento filosófico etonismo possui como objecto central da sua indagação ética, estética e crítica, o Homem e a Cultura, assim como tem dado passos significat­ivos no âmbito do cultivo da cultura do diálogo, da paz e da tolerância, como caminhos fundamenta­is na renascença da angolanida­de, isto é, na renovação, conforme referiu Imbamba (2010), da cultura angolana.

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Movimento Etonista de Filosofia com uma delegação cubana, acolhida recentemen­te na sua sede, situada na Ilha de Luanda
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