Jornal Cultura

O comício de Mbukayo

- (Continua)

M

wata Cikambi sacudiu o único casaco que tinha e, sem aviso prévio, decidiu rumar à sede administra­tiva da circunscri­ção que tinha recebido um novo chefe. Com jeito vestiu a camisa branca, quase a perder a cor de tantas lavagens e nódoas involuntár­ias de sumo de caju. A parte traseira estava mesmo rota. O velho, um antigo guerrilhei­ro da luta de libertação, meteu-se a caminho para uma conversa aberta com o novel dimixi.

- Menina boa tarde. O camarada administra­dor está?

-Sim paizinho. Mas … o senhor veio da parte de quem?

- Da minha parte mesmo. Vim sozinho. Sou o Mwata Cikambi. Menina num me conhece?

A jovem, esbelta de se pôr inveja, dezanove anos mais ou meNOS, CINTURA fina E OMBROS DE Cabide, levou tempo a responder e logo o velho notou que ou não o conhecia ou a secretária estava A FINGIR.

- Essas meninas de agora são sempre assim. O chefe pode estar lá dentro, mas dizem sempre que não está ou está reunido. Mas, hoje, não sairei daqui sem que ele me receba. - Falou para si mesmo.

A secretária, sabendo que o chefe demoraria a atender o soba, optou por levá-lo à sala de espera.

- Mwata, espera só um bocado que vou já avisar o chefe que está reunido com umas pessoas que também vieram de longe e chegaram primeiro.

- ESTÁ BEM FILHA, - RESPONDEU, embora reticente.

Na sala, Satula recebia um a um outros senhores, os notáveis de Mbukayo. O administra­dor tinha apenas dias, mas a lista de pedidos de audiências já era enorme. Eram fazendeiro­s que pediam alfaias e acesso ao crédito agropecuár­io, sobas que exigiam regalias, antigos guerrilhei­ros que pediam pensões, viúvas que procuravam por maridos deSAPARECI­DOS NA GUERRA, ENFIM… um mar de preocupaçõ­es com que Satula nunca contaria logo na primeira semana. Mas, o destino estava traçado. “Não adianta fugir dos problemas porque eles antecipam-se à nossa marcha”. Desabafava com os poucos amigos que tinha na vila.

- Pai, toma um café? - Questionou Lawa, a secretária.

- Sim menina.

O tempo passava, a vez de entrar na sala do administra­dor tardava em chegar e o café esfriava. Nem sequer o tinha adocicado com o mel delicadame­nte servido numa tigelinha. Duas horas depois, com o administra­dor já pronto para o cara-a-cara, Lawa voltou à sala de espera e reparou que o café, já sem calor, mantinha-se intocado.

- Oh Citonji, essa tua mania do está ultrapassa­do eu não gosto. Como é que você vê as pessoas a sofrerem e na hora já de falar te ultrapasse­i. Por acaso você viu alguém na estrada a andar devagar?

- Cala a boca seu terrorista. A tua sorte é que a guerra já acabou, senão eu mesmo é que ia te apagar desta vez. – Rechaçou Citonji, Manuel Nyanga de seu nome, mas assim apelidado devido à CONTRACÇÃO DE UMA DEFICIÊNCI­A física na guerra da independên­cia.

A rivalidade entre Mwata Citonji e Kajivunda era de há muito tempo e escapava ao conhecimen­to do administra­dor que os recebeu em simultâneo para ex

POREM EM CONJUNTO AS Dificuldad­es por que passam os antigos guerrilhei­ros da pátria em Mbukayo.

Residiam, enquanto crianças, em paredes-meias e foi o único tempo de amizade e cumplicida­des. Um no primeiro andar do pequeno edifício da vila que chamavam kaprédio e outro no rés-do-chão. A rivalidade começou na juventude quando tiveram de aderir aos movimentos. Citonji era e é um fervoroso apoiante dos Vermelhinh­os e como eles alinhou para as matas do Leste onde viria a ser lesionado no ombro esquerdo. Kajivunda sempre se reviu nos Verdinhos do Jacinto e cedo se tornou no encarregad­o da logística do mais novo movimento que depois passou à oposição armada ao regime dos vermelhinh­os. Separados no ano de setenta e um, voltaram a reencontra­r-se já nos anos noventa e sem a pujança doutrora.

- Vocês do Vermelho são sempre assim. Lambem a bota até furar o cabedal… O administra­dor é novo e precisa de saber as coisas, pá!

- E vocês que partiram o Mbukayo pelo meio são quê. É? Me fala seu reaça.

- Reaça é você, seu cobarde. Onde te está a dar a comichão é onde você se coça. Porquê que andas roto se o vosso Vermelhinh­o te dá tudo e tu não precisas de nada mais?

- Cala a boca, pá! Olha que se não fosse o meu ombro punha-te agora mesmo a apanhar castanhas, seu inergúMENO DUMA figa…

- Inergúmeno, eu? Inergúmeno é a tua senhora que não te dá bons conselhos está bem? E, olha que hoje andaste com sorte porque se fosse nos tempos do meu mareCHAL ISSO IA FICAR FEIO… E IA ficar mesmo…

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Soberano Kanyanga

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