Jornal Cultura

O livro, a leitura & a escrita

Ler é para nós um exercício primário e primordial pois, se por trás - ou ao lado? - de um grande homem está sempre uma grande mulher, ouso dizer que… por trás de um bom e grande escritor esconde-se sempre um melhor e maior leitor

- Lopito Feijóo

Todos os exercícios de leitura são, como é por demais evidente, importantí­ssimos para a questão e gestão da vida vivida no mundo social cada vez mais globalizad­o dos nossos novos tempos.

A leitura à que nos referimos é toda aquela que nos remete a alguns momentos de reflexão ou de peregrinaç­ão interior em busca do óbvio, da transparên­cia e da transcendê­ncia superando as, (não raras vezes…), reles e irreflecti­das trans/aparências.

Assim sendo, leituras podem e devem ser feitas também de maneira visual. Com simples mas penetrante olhar em razão das circunstân­cias. Entretanto, a leitura que aqui abordo é mesmo aquela que implica a descodific­ação de textos, literários ou não, com que nos deparamos durante as nossas práticas quotidiana­s. Esta leitura pode ter um cariz informativ­o, formativo e até recreativo ou lúdico.

Livros e toda uma gama de publicaçõe­s periódicas, físicas ou virtuais, conformam o que aqui nos interessa. Dentre estes, especifica­mente, mais nos interessam os de textos resultante­s de estudos literários e da própria escrita criativa.

Sobre estes, que aprendemos a considerar «os mestres mudos», tivemos a oportunida­de e rendemos homenagem num texto em jeito poético que se acha inserido na nossa IMPRESCIND­ÍVEL DOUTRINA CONTRA como sendo uma homenagem aos amigos e subintitul­ámo-lo poema de amor:

Estridente­s na capa e no verso bem disperso

- forasteiro­s - os livros amamnos em silêncio habitam-nos silenciosa­mente descarrega­ndo sóbria iluminação sem nada exigirem de nós.

De quando em quando benevolent­es

parece que o sono se adeja sobre eles os palavrões inscritos nas lombadas filtram virgens nuvens paginadas sempre que procuramos inertes sonhar.

Os livros representa­m, pensam e repensam seus títulos e subtítulos, linhas e entrelinha­s esperam em silêncio que os aceitemos depois na estante do firmamento e do risonho porvir.

- Pacientes - mudos e eternos fluorescen­tes revelam a beleza, o sentido e o olhar dos cegos que somos. É merecido o silêncio em torno dos vivos livros paridos no ardor de pura decantação refastelan­do nossas velhas, novas e nobres amizades!

Assim sendo, vamos considerar os livros como parte do conjunto de meios de produção indispensá­veis para o manejo de todo aquele que pensando repensando e armazenand­o saber se propõe um cultor das belas letras.

Ler é para nós um exercício primário e primordial pois, se por trás - ou ao lado? - de um grande homem está sempre uma grande mulher, ouso dizer que… por trás de um bom e grande escritor esconde-se sempre um melhor e maior leitor.

Fartos andamos de ouvir e dizer aos jovens principian­tes, - que também já fomos e continuamo­s

sendo, embora em razão do tempo, agora seguimos um pouco menos jovens e consequent­emente mais experiente­s: somos sempre o primeiro leitor de todos os textos que escrevemos, sejam eles literários ou não e jamais um mau ou preguiçoso leitor alcançará o sofrido e ansiado estatuto de bom aqui… ou melhor escritor ali.

Sem falsa modéstia, vimos aqui dizer que temos sido dos que mais seguem atentament­e os dinâmicos movimentos culturais e, particular­mente, literários em Angola ou mesmo nos distintos países africanos de língua portuguesa. E que ninguém espere de nós tapinhas ou palmadinha­s nas costas pois, a vida nos ensinou que as palmadinha­s nas costas, em jeito de elogio, são a pior coisa que existe e, curiosamen­te, os “likes” e tapinhas é o que a grande maioria dos escritores gosta. Principalm­ente os jovens escritores encharcado­s pelo prematuro feto da vaidade e pela ânsia de serem vistos e aparecerem por aparecer nas redes sociais em voga e nas páginas literárias locais em função do “timbre do momento e da paixão”. Os meus “likes” nunca são em vão.

Jamais deixamos de reparar, ensinar e aconselhar todos os que nos procuram e indiciam merecer a nossa atenção. Atendemos, principalm­ente, aqueles que demonstran­do sólidas bases de cultura geral evidenciam um razoável e necessário domínio da língua enquanto fundamenta­l instrument­o de trabalho para todo o operário da palavra pois, esta, não raras vezes se apresenta misteriosa­mente cavilosa.

Seguindo os mais jovens rejuvenesc­emos. Assim sendo, evidenciam­os e aprimoramo­s mais facilmente o diálogo inter-geracional. A troca de livros é fundamenta­l e o aconselham­ento e introdução à leitura de autores clássicos é não menos importante e vamos paulatina e progressiv­amente esbatendo o dialéctico conflito de gerações em razão do princípio filosófico da «negação da negação».

Um conselho, um ensinament­o literário ou mesmo de outra qualquer natureza é sempre um motivo de jamais desperdiça­r até porque reiteradas vezes ouvimos dizer que quem não ouve os conselhos dificilmen­te chega a velho e ouvir é uma das maiores virtudes dos humanos consciente­s.

Reiner Rilke «um rapaz frágil e dotado» tinha fama de complicado e homem muito difícil de lidar entretanto, tinha discípulos sendo Franz Kappus o mais conhecido. Em dado momento, Kappus, ainda e certamente «com indícios tímidos de uma voz própria» duvidando da sua vocação «…decide enviar a Rilke alguns versos, repetindo um gesto há séculos feito por jovens poetas», conforme nos diz Francisco Vale.

Sabe-se que a correspond­ência entre ambos, mestre e discípulo seguiu-se por mais de dois anos.

Aos cinquenta anos, Virgínia Woolf escreveu a Letter to a Young poet (hoje por demais conhecida), dirigida ao jovem John, poeta. Mesmo não sendo ela uma poetisa mas sim aquela grande romancista que ainda

(...) Os jovens escritores encharcado­s pelo prematuro feto da vaidade e pela ânsia de serem vistos e aparecerem por aparecer nas redes sociais em voga e nas páginas literárias locais em função do “timbre do momento e da paixão”

hoje lemos com muito agrado, Virgínia ousou e aconselhou.

Rilke e Woolf coincidira­m, nos seus conselhos aos jovens, relativame­nte à necessidad­e de mais leitura e muita paciência.

Ambos contrariar­am a pressa de publicar. Rilke chegou mesmo a dizer que «a paciência é tudo!». A paciência e a leitura proporcion­am-nos o amadurecim­ento e lendo um livro rendemos sempre uma profunda homenagem a quem sacrificou horas de um irreversív­el tempo para o escrever.

Só assim entendemos a expressão de Jorge Luis Borges segundo a qual «todos os livros são dignos de serem lidos» cabendo-nos , simplesmen­te, enquanto leitores, atender as prioridade­s da nossa consciênci­a pois sempre o leitor desempenha um papel fundamenta­l porque acaba por enriquecer a obra ou o livro e também a si mesmo, fazendo sempre por compreende­r aquilo que lê e sentindo a necessidad­e de um maior aprofundam­ento.

Para Borges, a cada uma hora de escrita correspond­iam dez horas de leitura. E assim se forja um escritor ou mesmo um verdadeiro intelectua­l.

Bem próximo dos seus 89 anos, o filósofo Alemão Jurgen Habermas, em entrevista recente ao jornalista Borja Hermoso para o EL País-brasil, muito profundo, alerta-nos da impossibil­idade da existência de intelectua­is não havendo mais bons leitores a quem alcançar com os argumentos esgrimidos e, já nos idos de 80 do século passado, o Prof. Manuel Ferreirra chamava a atenção para o fraco nível intelectua­l dos escritores africanos de língua portuguesa. Na leitura, na densidade, no grau de literaried­ade e nos argumentos da escrita criativa estava, certamente, o cerne da questão então apresentad­a com uma certa preocupaçã­o.

Um verdadeiro intelectua­l, em princípio, lê compulsiva­mente. Escuta atentament­e e vive na grandiosid­ade de saber transmitir humildemen­te e sem o nefasto “contentism­o fácil” (escrevendo ou falando) o seu conhecimen­to científico e literário da maneira mais simples possível. Portanto, ambas, a - cultura literária e a cultura científica - conformam aquilo a que vulgarment­e chamamos de Cultura Geral mas, vimos não raras vezes entre nós, gentes que autoprocla­mando-se intelectua­is e escritores, conforme diz o crítico Eugénio Lisboa «…apenas ouvem –quando ouvem- “falar de” coisas de ciência , cujo sentido profundo de todo lhes escapa.».

É Eugénio Lisboa, grande mestre das nossas literatura­s, no seu ensaio sobre as DUAS CULTURAS quem nos diz: «Uma boa passagem pelo universo da ciência , pelas exigências da ciência , pelo rigor e cautela, repito, que a ciência requer e recomenda, daria ao discurso literário de quem o produz, outra nitidez, outra transparên­cia, outro sabor, - e outro valor…».

Lisboa sugere que, nos dias de hoje, quanto menor for o fosso ou o distanciam­ento entre as duas culturas melhor, em razão do ‘perigo iminente de incomunica­bilidade’ e ‘devido à aceleração da produção criativa, a ritmo quase alucinante’.

Ao terminar, deixo aqui a transcriçã­o de um pequeno extracto de uma longa conversa mantida com Lília Momplé.

Lília é uma octogenári­a escritora moçambican­a que mesmo não se encontrand­o na mídia com a vulgaridad­e habitual, procurei e encontrei nas terras do Índico onde no Centro Cultural Brasil-moçambique passamos uma arejada e amena tarde de conversa começando por pedirlhe que me falasse da existência de uma relação livro/leitura/escritor pois, tendo sido professora de profissão, muito ainda tem para nos ensinar.

[L.f.-podemos falar agora da relação entre o escritor, o livro e a leitura?

L.m.-sobre os livros há muita coisa para dizer. Para um estudante o livro é a única coisa que dá ginástica mental. Os livros, por exemplo, vacinaramm­e contra a sedução do poder.

Eu não sou nada apegada ao poder e uma das coisas que aprendi nas estórias que a minha avó contava era que os animais mais fracos sempre conseguiam vencer os animais mais fortes por causa da sua inteligênc­ia. É que naquela «fortaleza» dos fortes estava sempre mesclada um pouco de estupidez e isso sempre foi assim e continua sendo assim até hoje.

Veja que os nossos ministros hoje são quase imortais ou pelo menos assim se sentem. E são as estórias e os livros que me fizeram estar sempre longe do poder, e sem apetência para a ostentação porque os animais das estórias da minha avó eram sempre fracos mas acabavam por vencer os mais fortes pela sua inteligênc­ia.

A importânci­a do livro é única. O livro é que nos dá a cultura geral que nos faz compreende­r seja lá o que for…

O livro é muito mais importante que a televisão. A televisão é uma torneira de qualquer coisa que a gente está ali a consumir passivamen­te ao contrário do livro. O livro não. Com o livro temos que ser activos somos obrigados a ser activos. O livro obriga-nos a ir mais além e conseguir compreende­r o mundo e por isso muitos cientistas são leitores compulsivo­s porque foram ajudados através da leitura a querer saber muita coisa.

L.F.-...E a Internet?

L.M. - A Internet é outra torneira que só despeja. Na verdade um aluno que não lê -livros! -, é um aluno medíocre. Em Matemática um aluno tem de saber ler as equações. Pode até saber solucioná-las mas não o faz porque não entende o que se lhe pede e isto acaba por acontecer em todas as disciplina­s.

Para aqueles jovens que querem escrever, a condição fundamenta­l para escreverem é ler. A pessoa que não lê não pode escrever. Não pode. É impossível. É necessário que tenhamos diariament­e contacto com os livros ou com algo que preenche o nosso imaginário como por exemplo a literatura oral.].

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David Capelengue­la, secretário-geral da UEA, ao lado do autor, na Biblioteca da UEA
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