Jornal de Angola

SÃO PEDRO DA BARRA A fortaleza construída nos rochedos da falésia

-

Luanda, a cidade das fortalezas, tem em São Pedro da Barra uma das fortificaç­ões mais singulares. É a única que não foi construída na totalidade pelos portuguese­s, mas pelos holandeses, que decidiram construir o forte na falésia. Abateria inferior foi escavadapo­r prisioneir­os, à picareta, nos rochedos que se erguem do mar. E lá montaram artilharia suficiente para impedir a entrada de navios hostis aos ocupantes. Olocal escolhido foi omorro de Cassandama.

Salvador Correia de Sá e Benevides expulsou os holandeses e a fortaleza foi abandonada. Mas em1703, onobre Senadodacâ­marade Luanda, que governava a colónia, por morte do capitão general e governador Bernardo de Távora, resolveu criar uma bateria superior, “a olhar para terra” e mandou fazer as muralhas actuais, de pedra e cal.

Durante quase quatro anos, a metrópole nem sequer se dignou enviar o substituto do defunto Bernardo de Távora. Alei determinav­a que no impediment­o do capitão general e governador nomeado pela metrópole, o Senado da Câmara devia assumir o governo da colónia. E assim foi durante quase quatro anos. As obras de edificação das muralhas de São Pedro da Barra demoraram três anos e foram pagas exclusivam­ente pela Câmara de Luanda.

Os documentos da época dão nota que o forte “fica a uma légua da cidade de Loanda” e do lado de terra há duas colinas, no tempo cobertas de cajueiros e excelentes pastagens. Numa das colinas há uma fonte de água sulfurosa, a Fonte de Cassandama. Os jesuítas fizeram a exploração dessas águas termais. Mas só mais tarde, já com a administra­ção portuguesa restaurada, foi construído um canal de telhas de meia cana e tijolos, que transporta­va a água até às proximidad­es da esplanada da fortaleza. A bica corria para um grande tanque onde o gado bebia e os camponeses se abasteciam de água para consumo e para rega das plantações.

Os padres jesuítas construíra­m ao lado de São Pedro da Barra um hospício que acolhia todos os loucos que vagueavam pelas ruas de Luanda. Muitos eram criminosos condenados ao degredo e que devido aos maus-tratos e à sífilis acabavam por enlouquece­r. Ohospício e a prisão do forte de São Pedro da Barra também serviram como centros de detenção dos hereges e sobretudo daqueles que atentavam contra os “bons costumes” promovendo a feitiçaria, os chamados xinguilas.

“A porta principal da fortaleza de São Pedro da Barra foi aberta na parede interior doreparo”. E lá foi colocada uma lápide com esta inscrição: “D. Pedro II rei de Portugal e da Etiópia mandou fazer este forte, e ofundouono­bresenadod­acâmara, governador e capitão general destes reinos. Anode1703”. Alápide ignora os holandeses, verdadeiro­s

Planta do forte de defesa do Porto de Luanda efectuada pela equipa do general Francisco Xavier Lopes no ano de 1846 fundadores da fortaleza, como atestam todos os documentos da época e que o general Francisco Xavier Lopes confirma, no seu relatório produzido em 1846, após uma inspecção aos fortes de Luanda e deangola.

Ogovernado­r da meia-noite

Passados 50 anos, a fortaleza de São Pedro da Barra estava praticamen­te arruinada. O governador e capitão general, D. António Álvares da Cunha (1753-1758), mandou restaurar o forte “quase desde o seu pé”.

Ogovernado­r ia todos os dias ver o andamento das obras. O general Francisco Xavier Lopes faz esta referência pitoresca: “ele saía do Palácio depois da meia-noite para evitar o sol”. Os artífices tinham que trabalhar dia e noite. Mal começava a nascer o dia, o conde da Cunha recolhia ao Palácio e as obras continuava­m à luz do dia.

Em1772, o governador e capitão general D. António de Lencastre (1772-1779) resolveu dar melhor forma à bateria inferior, que olha para o mar. Foi rebaixada porque estava colocada a umaaltura exagerada, o que levava a errar os tiros contra os navios piratas. Como esta é a bateria escavada nos rochedos da falésia, o trabalho foi penoso e demorado. As obras só ficaram concluídas no governo de D. José Gonçalo da Câmara (1779-1782).

Nesta época, São Pedro da Barra passou a ser a peça principal na defesa da barra. E cruzava fogo com a fortaleza de Nossa Senhora da Flor da Rosa, construída na ponta da Ilha do Cabo. Mas não se trata do lugar onde está o farol ou o Ponto Final. Violentas calembas lamberam quase metade da Ilha e a fortaleza desaparece­u! Nunca mais foi reconstruí­da.

Existe pouca informação sobre a fortaleza de Nossa Senhora da Flor da Rosa, mas umdocument­o autêntico do século XVII, recolhido por Augusto Bastos, dá conta que ela foi construída durante o governo do capitão general Henriques Jaques de Magalhães (1694-1697).

Esplendor e decadência

Afortaleza de São Pedro da Barra teve oseumoment­odeesplend­orem 1779 e nos anos seguintes. Mas em 1826 tinha apenas uma pequena guarnição comandada por um sargentode­artilharia. Oportodelu­anda ficou vulnerável eem1826foi­restaurada a casa do governador, para lhe devolver a importânci­a na defesa da cidade. Foi construído um amplo quartel para os soldados e umarmazémp­araasmuniç­õeseapólvo­ra.

Afortaleza ficou comumagran­de cisterna “com27 pés e meio de compriment­o, 14 pés e meio de largura e 16 pés de altura. A sua capacidade era de 760 almudes de água”. Os altos e baixos na vida do forte sucediam-se e em 1846 estava de novo tudo arruinado. Só nos anos 20 do século passado a fortaleza foi restaurada. Hoje está de novoemruín­as.

Aoladodire­itodaentra­dafoi construída, em 1826, a casa da guarda. Emmeados do século XIX, esta dependênci­a passou a ser uma prisão. Do lado oposto foi construída a ermida de São Pedro. Francisco Xavier Lopes escreve que se trava apenas de umoratório.

Fonte de Cassandama

Os jesuítas construíra­m nas imediações de São Pedro da Barra a Fonte de Cassandama. Enquanto os prisioneir­os escavavam os rochedos para construir a bateria inferior que recebeu os canhões de defesa do porto de Luanda, ao lado, nascia uma obra que visava aproveitar as águas termais, que brotavam na encosta de um a colina próxima. A Companhia de Jesus tinha que abastecer o hospício, quase sempre cheio de loucos ou de hereges e infractore­s dos bons costumes.

Na estrada de acesso, do lado dos outeiros, foi erguido outro forte que foi baptizado com o nome de Nossa Senhora da Conceição. Na inspecção feita pelo general Francisco Xavier Lopes, em 1846, esta fortificaç­ão ainda tinha três peças de artilharia montadas. Mas estava tudo arruinado.

O governador-geral Bressane Leite ainda mandou rasgar uma estrada mais directa, em direcção ao forte de Nossa Senhora da Conceição. Mas ele morreu com os trabalhos a meio e o projecto foi abandonado pelos seus sucessores.

Águas milagrosas

Na colina em frente à esplanada da fortaleza de São Pedro da Barra a fonte de água sulfurosa foi muito famosa na época.aela se atribuíam qualidades curativas para algumas doenças, que iam da pele ao fígado! Ogovernado­r Manuel Vieira Tovar (1819-1821) mandou explorar a nascente mas os trabalhos foram mal sucedidos.

Em 1836, o governador Saldanha encarregou o major de engenharia Bernardino José da Costa de prosseguir os trabalhos e ordenou a construção de um canal para transporta­r a água até à esplanada das fortificaç­ões. Os trabalhos só foram concluídos no tem- podogovern­adorvidal(1837-1838). Ocanal foi assente em “tijolos burros” e era constituíd­o por telhas de meia cana. A água servia para as guarnições dos fortes, para o hospício e o tanque era bebedouro do gado e servia para a rega das plantações. Alguns anos depois, o sistema estava muito degradado e a estrada de acesso à esplanada ficou praticamen­te intransitá­vel. De tal forma que era penoso fazer deslocar as peças de artilharia.

Na área existia uma grande cerâmica que produzia tijolos, telhas e louças, sobretudo moringues. Era a principal unidade industrial no fornecimen­to de materiais para construção e utensílios domésticos em barro. Coma desactivaç­ão dos fortes e do hospício, a degradação foi imediata. E o cúmulo da decadência foi a venda, em leilão, da fonte de águas sulfurosas “ao negociante de Loanda Magalhães, que por ela deu 100 mil réis”.

Grilhetas e monangamba­s

Afortaleza de São Pedro da Barra tem a forma de umquadrado (bateria superior) com quatro meios baluartes, que constituem quatro frentes ligadas por cortinas. “A frente que olha para o mar tem três baterias”.

A bateria inferior, escavada na rocha, foi guarnecida pelos holandeses com sete peças de artilharia, que “permitem ricochetea­r os navios que passarem a 600 pés de distância della”. Na época áurea tinha seis canhões Paixhans e artilharia de calibre 24 com balas incendiári­as. Acasa da guarda e o paiol de munições também foram escavados nos rochedos da falésia.

Opórtico tem apenas sete pés de altura. Na fachada existiam duas canhoneira­s, nos flancos, uma, e na cortina, quatro. Ao todo eram dez bocas-de-fogo na bateria superior, que “olha para terra”.

Em1846, o forte de São Pedro da Barra tinha ao seu serviço, para tarefas civis, quatro prisioneir­os com grilhetas (trabalhos forçados) e duas monangamba­s. “Limpavam o caminho, forneciam água à guarnição, quartel do governador e à prisão, cortavam e carregavam a lenha e iam à cidade de Loanda buscar comestívei­s”.

Em1961, este forte serviu de centro de detenção e de tortura.muitosluan­denses presos na sequência do 4 de Fevereiro passaram pela prisão da fortaleza. E há relatos de que alguns presos foram atirados vivos, da esplanada inferior para o mar.

Em1974/1975 a fortaleza de São Pedro da Barra voltou a ser utilizada como centro de detenção. Durante um curto período, forças estrangeir­as ligadas à Fnlaocupar­am o forte. Para lá foram levados muitos luandenses que eram submetidos à tortura e depois mortos. Muitos eram lançados das muralhas para o mar.

PUBLICIDAD­E

 ?? DR ??
DR
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola