Jornal de Angola

O perigo da ignorância

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Vários são os ditados e os adágios populares na língua portuguesa associados a coisas que estão muito na moda quando se fala na situação mundial, por exemplo dinheiro e ignorância. Diz-se que “dinheiro não traz a felicidade”, que a “ignorância é atrevida” e se fizermos uma rápida incursão pela experiênci­a de vida de cada um de nós, concluirem­os que há casos em que se os provérbios e máximas batem certos e outros em que nem por isso. Todos somos capazes de nos lembrar, por isso, de provérbios que convivem com os seus contrários para que assim todas as circunstân­cias sejam abrangidas, bastando-nos escolher a versão mais recomendad­a…

Se recorrermo­s aos dois exemplos escolhidos para os aplicar a um dos homens de quem mais se fala actualment­e, o candidato republican­o à Casa Branca nas eleições norte-americanas, MittRomney, há um caso em que o acerto é garantido sem necessitar­mos de buscar o contraditó­rio. Se o muito dinheiro que o representa­nte da mais boçal e agressiva direita norte-americana juntou durante a vida lhe traz ou não a felicidade isso é coisa que ele lá saberá e nem sequer nos diz respeito. Já em relação à ignorância e correspond­ente atreviment­o o caso fica mais fino. E diz-nos respeito.

O homem é um ignorante, pelo menos em Geografia, o que tratandose de um sujeito que pode tornar-se presidente da maior potência mundial e comandante do exército imperial da globalizaç­ão, traz razões fortes para que nos preocupemo­s. Eu sei, o cavalheiro é um distinto doutorado de Harvard, essa universida­de das elites que nos governam, mas tal como dizem acontecer com o dinheiro e a felicidade também Harvard, pelos vistos, não garante a sabedoria.

Garanto que não estou a fazer qualquer processo de intenções ao senhor Romney. A fonte da ignorância pessoal é o próprio e fê-la jorrar pelo menos por toda a América através do debate de 23 de Outubro com o senhor Obama, o Presidente candidato. Ora leiam esta frase do escolhido pelos republican­os para imperador: “A Síria é o único aliado do Irão no mundo árabe. É a sua rota para o mar. É a sua rota para armar o Hezbollah no Líbano, o que, obviamente, ameaça o nosso aliado, Israel. Por isso, ver a Síria remover Assad é uma prioridade muito alta para nós”.

Por favor, deitem uma vista de olhos ou simplesmen­te recordem-se dos mapas do Médio Oriente, Golfo e Península Arábica e tirem as vossas conclusões. Reparem na vastíssima costa do Irão com o Golfo ÁrabePérsi­co (é assim que efectivame­nte se designa), com o Golfo de Omã, com o Mar da Arábia. E notem agora que o Irão nem sequer tem fronteira com a Síria: para aqui chegar, e também ao Líbano, os iranianos têm que atravessar o Iraque, ocupado pelos Estados Unidos, ou pela Turquia, o que vai dar mais ou menos ao mesmo tendo em conta o papel turco na guerra internacio­nal contra a Síria.

O homem é comprovada­mente ignorante, relapso – podia ter olhado para o mapa e cabulado antes de proferir o dislate – e, consequent­emente, atrevido. Depois de invocar as razões que invocou com base em puro analfabeti­smo geográfico, o candidato Romney conclui que remover o actual Presidente da Síria é uma alta prioridade para os Estados Unidos. Claro que o seu rival acha praticamen­te o mesmo, mas esse não precisa de se perder em explicaçõe­s nem em mapas, é o Presidente, as funções e o poder dispensam-no de divagações, permitem-lhe ir directamen­te ao fundo da questão e garantir que é assim porque é assim.

O candidato, teoricamen­te, tem que ser mais explicado, exibir alguma consistênc­ia, afinal ainda não deu provas no desempenho da alta função, cabe-lhe demonstrar que está apto. Teoricamen­te, repito. Se assim fosse, na prática, o republican­o Romney teria sido cilindrado depois de tamanha manifestaç­ão de ignorância, e não estaria, como está, com tantas possibilid­ades de ser Presidente como o seu adversário.

O homem não sabe onde é o Golfo? Que importa… George W. Bush explicou em campanha que os Talibãs eram uma banda de rock e meses depois, já como maestro da sinfonia “contra o terrorismo”, estava a enviar-lhes a maior banda militar de que há memória.

A ignorância é atrevida? Pois é… O pior para nós é que nestes assuntos de quem manda no mundo os crimes que ela cobre compensam.

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