Mali é um país já habituado aos golpes de Estado
Numa altura em que a busca de uma solução para o problema interno do Mali volta a ocupar as agendas das principais organizações internacionais, convirá sublinhar que o país já está, infelizmente, habituado aos golpes de Estado.
Nos últimos 30 anos, segundo dados oficiais, foram já 400 os golpes de Estado verificados no Mali. Uns mais violentos que outros, mas todos com o condão de tornar o país um dos mais instáveis do continente africano.
Actualmente, quando se estuda a forma de impedir que os grupos radicais islâmicos confirmem a conquista pelo terror do norte do país, em Bamako, no passado dia 10 de Dezembro, um grupo de militares prendeu o primeiro-ministro, Cheick Modibo Diarra, concretizando aquilo que ironicamente já é considerado um mini-golpe de Estado.
A denominação de “mini-golpe de Estado” foi dada pelos próprios militares que, sem qualquer tipo de pudor argumentam que o presidente da República, “por enquanto” ainda continua no poder.
O que os militares não disseram é que o presidente actualmente em exercício, Dioncounda Traore, está no poder em resultado de um, este sim, “golpe de Estado” que ocorreu em Março de 2012.
A detenção do sr. Diarra, um antigo astrofísico da NASA e funcionário superior da Microsoft, ocorreu em resultado da sua discordância em relação a forma como o actual governo do Mali tem vindo a gerir a situação no norte do país, que se agrava a cada dia que passa, o que torna difícil a busca de uma solução negociada.
Na sequência da prisão do primeiro-ministro do Mali os grupos radicais islâmicos que tomaram de assalto o norte do país romperam o precário cessar-fogo que havia sido aprovado e decidiram, mesmo, voltar a pegar nas armas para dar força à razão que não têm.
Mesmo os tuaregues, que estiveram na base do levantamento popular de descontentamento que se gerou no norte do Mali devido a políticas mal niveladas desenvolvidas pelo governo, foram agora despojados de todo o poder que tinham por serem incapazes de se opor ao argumento das armas imposto pelos radicais islâmicos. Por isso, o problema do Mali não se restringe a um mero desentendimento entre o poder sedeado em Bamako e as diferentes etnias espalhadas pelo país e, principalmente, pelos grupos de tuaregues que se encontram a norte do território maliano.
O verdadeiro problema reside no facto dos radicais islâmicos malianos, apoiados por grupos internacionais, aproveitaram-se da divisão endémica existente no país para tomarem o poder de assalto e imporem, nas zonas por si ocupadas, a “sharia”.
Para isso, primeiro, incentivaram os tuaregues a instalar entre a população o sentimento crítico em relação ao poder de Bamako que, por sua vez, nunca escondeu as dificuldades sentidas para lidar com uma realidade e necessidade diferente da do resto do país.
Iniciada a retaliação em relação a um poder que nunca os teve na devida conta, esses mesmos tuaregues que haviam recebido apoio logístico dos grupos islâmicos para assumirem um poder meramente fictício, ficaram reféns de uma série de imposições políticas de modo a conseguirem preservar as conquistas aparentemente feitas.
Essa situação de dependência acentuou-se quando a comunidade internacional decidiu uma série de acções tendentes a que o poder de Bamako pudesse ter condições militares para estender a sua autoridade a todo o território nacional.
Pressionados, os tuaregues aceitaram uma série de entendimentos com o poder central iniciando um processo negocial que pudesse encontrar uma solução política que evitasse o derramamento de mais sangue.
Quando o entendimento estava a um passo de ser obtido os radicais islâmicos resolveram assumir o seu verdadeiro papel, rompendo os acordos estabelecidos com os tuaregues e, por via disso, denunciando todos os entendimentos que estes haviam conseguido com o governo e que, de alguma forma, também os envolvia.
Aproveitando-se, também, do desentendimento entre o poder estabelecido em Bamako, sobretudo entre os militares (pois nem todos apoiaram o golpe de Estado de Março de 2012) os grupos radicais anunciaram mesmo o regresso ao uso das armas para obstar a que o norte do Mali volte a estar nas mãos do governo.
A detenção do primeiro-ministro Diarra, uma personalidade que servia de elo de ligação entre os tuaregues e o governo, foi mais um sinal de que a resolução do problema do Mali passa pela necessidade da criação de uma plataforma unitária, que inclua os tuaregues, que possa fazer frente ao perigo do radicalismo islâmico que ameaça toda a região.
O actual poder absoluto dos militares já mostrou, por mais de uma vez, não ser capaz de encontrar, por si só, uma solução para o problema que tem raízes ideológicas e, sobretudo, religiosas.
A conflitualidade imposta pelos diferentes grupos radicais islâmicos que pululam pelo país infiltrouse, profundamente, no seio das forças armadas e esta sim, é a base principal que pode explicar a sistemática ocorrência de golpes de Estado que nunca encontraram uma solução plausível para o conflito.
Por isso, mais do que enviar armas e militares para o Mali, a comunidade internacional deveria empenhar-se em promover um diálogo construtivo entre as diferentes forças vivas do país sem, como até agora, marginalizar os tuaregues.