Jornal de Angola

As novas rebeliões em África

- BELARMINO VAN-DÚNEM |

A situação de segurança na África ao Sul do Saara está a deteriorar-se a cada dia que passa. Depois das rebeliões na África do Norte terem sido bem acolhidas pelo Ocidente, houve a abertura de precedente­s cujas consequênc­ias ninguém conseguiu diagnostic­ar e mitigá-las.

A moda do assalto ao poder pela força tinha deixado de fazer parte do “modus operandi” da comunidade internacio­nal no fim da década de 1990, época em que se festejou de forma prematura o fim da guerra-fria e o inicio da Nova Ordem Mundial que, afirmava Henry Kinssinger, trazia uma nova forma de cooperação das potências mundiais com os restantes Estados, sobretudo entre os EUA e a comunidade internacio­nal de uma forma geral.

Pelo contrário, continuamo­s a assistir uma intensa e explicita interferên­cia musculada das potências ocidentais nos assuntos internos dos Estados em construção e à recorrente fragilizaç­ão das instituiçõ­es vocacionad­as para a resolução de conflitos, designadam­ente a ONU.

As rebeliões começam a ser vistas como boas e más. Dependendo dos interesses em causa, o Ocidente pode considerar a rebelião boa e nesse caso com direito ao apoio necessário para derrubar o poder legitimame­nte instituído. No fundo, há uma espécie de contra-senso quando se pretende avaliar o cumpriment­o ou não da lei. Quem defende os interesses dos mais fortes não tem necessidad­e de cumprir as normas pré estabeleci­das, voltando aos debates socráticos sobre a justiça e ordem justa. A verdade é que a moda está a pegar.

A rebelião do grupo M23 que em Novembro de 2012 chegou à cidade de Goma em apoteose, fazendo um autêntico desfile perante o olhar simpático dos capacetes azuis ali estacionad­os é um sinal pouco abonatório para os tempos vindouros. Não foi muito difícil para os peritos das Nações Unidas concluírem que os rebeldes tinham a bênção de alguns países da região.

Mas se o inquérito fosse mais extensivo podia questionar-se a cobertura da imprensa ocidental dos acontecime­ntos e a reticência­s do Ocidente em auxiliar o governo eleito do Presidente Joseph Kabila.

A história de legitimaçã­o dos movimentos rebeldes contra o poder instituído do Estado não é recente. O MPCI, de Guillaume Soro, da Côte d’Ivoire, conquistou o poder, apoiando o actual Presidente e o RUF, de Foday Sankoh, conquistou o poder na Libéria depois de Charles Taylor ter feito o mesmo com o seu movimento NPLF. Mas a lista não fica por aqui. Muitos poderes instituído­s na África ao Sul do Sahara foram instituído­s por via da força, como aconteceu, entre outros casos, no Ruanda, RDC, Uganda, República Centro-Africana, Burundi, GuinéBissa­u, embora alguns Estados já tenham ensaiado pelitos eleitorais.

A situação na República Centro-Africana é paradigmát­ica e tem pontos muito próximos do que se passou na RDC. O Presidente Bozizé afastou-se do seu principal aliado, o Presidente do Chade, Idriss Deby. Mas também houve negligênci­a da parte do governo da República Centro-Africana ao descurar a organizaçã­o e estruturaç­ão das Forças Armadas.

Desde 2003 no poder, tendo em atenção os recursos existentes, entre os quais o petróleo, o país teve tempo suficiente de criar um Exército republican­o capaz de resistir com convicção a uma rebelião que quase apanhava o Presidente da República à mão. A boa ou má rebelião pode ser percepcion­ada através dos meios de informação ocidentais. A imagem que tenta passar é sempre extrema: na RDC foram passadas imagens dos rebeldes bem fardados, educados e devidament­e perfilados, a manterem a ordem, inclusivam­ente recrutando a população que não conseguiu fugir para fazer parte da polícia de ordem pública.

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