Zimbabwe está unido na aprovação da nova Constituição
Passada que foi a euforia pela aprovação da nova Constituição, que poucos zimbabueanos conhecem e numa altura em que ainda não existem números finais, o país prepara-se para encarar os desafios que se prendem com a realização das anunciadas eleições gerais que ainda não têm data marcada mas que se admite decorrerem no próximo mês de Julho.
No rescaldo do referendo do passado sábado, que decorreu dentro dos parâmetros normais, conforme foi reconhecido pela missão de observadores da SADC, Comesa e grupo de embaixadores acreditados em Harare, o que se pode dizer é que a união entre as duas principais formações políticas do país, a ZANU-PF e o MDC, apenas funcionou como forma de dar resposta a uma das principais exigências da comunidade internacional em forma de aprovação de uma nova Constituição. Um pouco por todo o país havia a sensação de que aquilo que estava efectivamente em jogo era uma tentativa dos zimbabueanos dizerem ao mundo que é mais importante aquilo que os une, o sentimento nacional, do que as divisões que os separam e que têm a ver, fundamentalmente, com a forma como caminhar para conseguir um futuro melhor.
Essa diferença de perspectiva, sobre como atingir um futuro melhor para o país, encontra, tanto num como noutro partido, pessoas que contestam alguma das medidas tomadas pelas respectivas lideranças, Robert Mugabe, na ZANU-PF, e Morgan Tsvangirai, no MDC.
Só assim se pode entender, por exemplo, que apesar de ambos os partidos terem chegado a um acordo sobre o texto da nova Constituição referendado no sábado, que dirigentes dos dois partidos continuem a optar por uma linguagem e uma prática política que não se enquadra num bom exemplo de harmonia e convivência, mesmo que de interesse meramente pontual. Essa convergência pontual de interesses fez com que fossem integrados na nova Constituição alguns pontos que antes eram motivo de acesa discórdia e que prometem vir ainda animar o debate politico que antecipa as eleições gerais, uma vez que tanto Robert Mugabe como Morgan Tsvangirai começam já a dar sinais de que aquilo que agora foi aprovado pode ser em breve alterado tudo, dependendo de um dos partidos conseguir os necessários dois terços dos votos capazes de lhe permitir introduzir as reformas que são exigidas pelas bases. Por exemplo, a futura Constituição anula o cargo de primeiro-ministro e reduz alguns dos poderes presidenciais embora lhe sejam dados dois anos de mandato sem efeito retroactivo. Significa dizer que Robert Mugabe, agora com 89 anos, pode ter mais dois mandatos de cinco anos cada, embora com atribuições mais partilhadas com o Parlamento. Por mais de uma vez, o líder da ZANU-PF afirmou que, caso o seu partido consiga os dois terços de votos, a questão dos poderes presidenciais é um dos artigos constitucionais a ser revisto.
Outro ponto que a ZANU-PF se propõe retirar da Constituição agora referendada com o seu apoio tem a ver com a questão da dupla nacionalidade, que até agora não era reconhecida no Zimbabwe, uma situação que marginalizava cidadãos nascidos no país mas cujo pai fosse estrangeiro. O ambiente político no Zimbabwe tem sido de alguma distensão mas que, aqui e ali, e manchado por atitudes mais musculadas tomadas por pessoas que temem perder alguns dos privilégios conquistados desde as eleições de 2008, altura em que o país entrou num terrível declínio económico, agravado com o reforço das sanções impostas por alguns países e organizações ocidentais. Apesar dos diversos apelos à calma e à ordem lançados pelo Presidente Mugabe e pelo primeiroministro Tsvangirai, a verdade é que muito ainda há a ser feito para desmontar mentalidades que não aceitam os ventos de mudança de atitudes – não confundir com mudanças politicas as quais só as próximas eleições podem definir com clareza. Esses “apregoadores” da desgraça zimbabueana sofreram um rude golpe com a resposta dada pelo povo por ocasião do referendo nacional de sábado mas, em surdina, continuam a tudo tentar para que o processo descarrile.
O grupo de observadores do corpo diplomático acreditado em Harare reconheceu que o referendo decorreu de forma livre e que alguns dos constrangimentos verificados não colocam em causa o processo e o seu resultado final. O grupo de observadores da SADC, liderado pelo secretário executivo da organização, Augusto Salomão, também reconheceu o modo correcto como o processo decorreu, mas foi mais longe, apontando alguns aspectos que deveriam ser revistos para serem aplicados nas próximas eleições legislativas.
Entre esses pontos, a SADC refere a necessidade de ser feita uma mais ampla campanha de educação cívica, de modo a que a população saiba como e onde votar, e aborda o facto de se ter que fazer um novo recenseamento eleitoral, de modo a actualizar o quadro de votantes.
Neste refendo votaram todas os cidadãos zimbabueanos legítimos, com mais de 18 anos e que possuíssem Bilhete de Identidade ou Passaporte válido, independentemente se estarem ou não registados sendo a colocação de tinta indelével num dos dedos o factor identificativo que evitava uma dupla votação. Também a SADC apelou a que o governo do Zimbabwe, nas próximas eleições, permita a entrada no país de observadores que não se confinem só ao continente africano e que os meios de informação usem sempre da imparcialidade em relação as fontes das notícias.
Contrariamente ao que se alega, os observadores africanos foram bem mais exigentes que a comunidade ocidental representada pelos embaixadores residentes em Harare, dando deste modo um exemplo de como, de forma construtiva, se é independente em África, se ajuda um país a ajustar o rumo do seu destino e não se recebe lições de ninguém.
Esta total disponibilidade africana para ajudar os zimbabueanos tem, da parte destes, a contrapartida, traduzida numa clara e ampla demonstração de interesse em enterrar o passado e caminhar firmes para um futuro de concórdia e convivência política.
Os próximos dias são decisivos para se ter uma melhor percepção de como se perfilam os principais protagonistas políticos para encararem o grande desafio político que configura o período que vai preparar a realização de eleições.
Aí sim, a disputa política e o contraditório tem que ser interpretado como um bem comum de todos os zimbabueanos interessados no futuro do país.