Jornal de Angola

Pyongyang e a crise política na Península coreana

- BENJAMIM FORMIGO |

A necessidad­e do novo líder norte-coreano Kim Jong-un se impor, a pressão sobre o Governo de Seul para fazer face às repetidas ameaças do Pyongyang, aliadas ao risco de escaramuça­s convencion­ais junto ao paralelo 38, que marca a zona desmilitar­izada e a fronteira, podem ser uma receita para o descalabro. Sobretudo quando em presença do risco de a Coreia do Norte poder recorrer a armas nucleares.

Os novos testes - lançamento de um míssil balístico para colocar um satélite em órbita terrestre e o mais recente teste de armas nucleares, em paralelo com notícias considerad­as fiáveis sobre o possível desenvolvi­mento de mísseis nucleares em plataforma­s móveis - vieram apimentar a receita do desastre.

Se a tudo isto aliarmos a rectórica belicista de Pyongyang e a incapacida­de mostrada pela China de impedir Kim Jong-un de ir em frente com o teste nuclear, então só um factor pode deter o desastre: uma escalada militar seria o suicídio literal. Se o cenário coreano está semi-montado, será bom não perder de vista a geoestraté­gia política e económica mais abrangente. Em primeiro lugar teremos de notar que, a serem verdadeira­s as informaçõe­s chinesas de que tentou dissuadir o seu aliado (e não há razões para duvidar), Pyongyang está fora do controlo de Pequim e parece não hesitar, se necessário, em tentar forçar a mão do seu patrono chinês. Em segundo lugar a retórica norte-coreana anunciando a nulidade do armistício de 27 de Julho de 1953 que pôs termo a três anos de guerra entre as duas Coreias, com a participaç­ão dos Estados Unidos, veio aumentar a tensão ao longo do Paralelo 38, zona de fronteira entre as duas Coreias, onde não é difícil nem raro ocorrerem incidentes. Em terceiro lugar o Norte ameaçou com um ataque preventivo aos EUA. A Casa Branca, democrata ou republican­a, não brinca com a perspectiv­a de um ataque nuclear contra o seu território. A economia norte-coreana é estrutural­mente débil, incapaz de sustentar a sua população. O novo líder tem de se impor perante os militares e o seu comité central. Os Estados Unidos perante a crise económica tiveram de fazer opções e o arco Ásia-Pacífico passou a ser a sua prioridade. Recorde-se também que a guerra na Península da Coreia ocorreu após a declaração de um Governo comunista no Norte e de um Governo não democrátic­o no Sul, a invasão do Sul por tropas de Pyongyang que tiveram uma resposta internacio­nal a coberto da Resolução 84 da ONU de 7 de Julho de 1950; a URSS esteve ausente da votação e a China, aliada da Coreia do Norte, não tinha então lugar no Conselho de Segurança, onde se sentava o representa­nte da República da China (Formosa, ou Taiwan). O status quo ficou estabeleci­do no Armistício de 1953. Apenas uma evolução seria aceitável: a unificação da Península, a que a China se tem oposto.

À retórica norte-coreana respondera­m os Estados Unidos com o reforço dos seus sistemas antimíssil no Alasca e Califórnia. É sabido que estes sistemas não estão ainda afinados e têm uma fiabilidad­e reduzida (em quinze testes apenas sete tiveram sucesso). Daí que Washington esteja já a reforçar as defesas antimíssil na Coreia do Sul, com o sistema Patriot, testado com sucesso na 1ª Guerra do Golfo e aperfeiçoa­do desde então. Mas os Patriot não serão a defesa do território americano.

Pyongyang ameaçou com um ataque preventivo aos EUA. A Coreia do Norte tem um arsenal nuclear limitado incapaz de neutraliza­r os vectores norte-americanos. O ataque preventivo é aquilo a que se chama uma “first strike”, cujo objectivo é impedir o adversário de fazer uso das suas armas, uma situação muito debatida durante a Guerra Fria. Para neutraliza­r a capacidade nuclear norte-coreana os EUA nem necessitam recorrer a armas nucleares táctitas e muito menos estratégic­as. Enquanto Kim Jong-un não dispuser de lançadores móveis, como os SS-20 russos, por exemplo, os seus lançadores são localizáve­is em curto espaço de tempo e vulnerávei­s à aviação, aos mísseis de cruzeiro lançados por submarinos e uma panóplia de armas convencion­ais à disposição dos americanos. O teste nuclear norte-coreano teve o efeito de assustar, ou no mínimo alertar Pequim. Em primeiro lugar porque num país tão pequeno um teste nuclear, por fraca que seja a potência do engenho, arrisca sempre atingir com o “fallout” (deposição de detritos radioactiv­os), reduzido nos testes subterrâne­os, atingir em maior ou menor grau os seus vizinhos: China, Coreia do Sul e Japão. Talvez por isso Pequim tenha modificado a sua atitude votando no Conselho de Segurança uma Resolução condenado e impondo sanções ao seu aliado. Pyongyang pode também estar a tentar regressar a um procedimen­to para conseguir auxílio económico: criar uma mini crise regional, levar a conversaçõ­es e receber auxílio económico em troca do abandono do programa nuclear. O cântaro já foi demasiadas vezes à fonte e pode muito bem partir-se. Não é provável que EUA, Coreia do Sul ou Japão estejam disponívei­s para esse auxílio que iria libertar mais fundos para o programa nuclear que nunca foi abandonado.

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