Jornal de Angola

África tem fome de Paz

Grandes figuras mundiais no Fórum Panafrican­o de Luanda

- BERNARDINO MANJE |

O Fórum Panafrican­o para a Cultura da Paz abriu ontem em Talatona com a presença de grandes figuras mundiais, como Irina Bukova, directora-geral da UNESCO, a representa­nte de Nkosazana Blamini-Zuma, presidente da Comissão Africana, Joaquim Chissano, antigo presidente de Moçambique, Bineta Diop, presidente da Organizaçã­o Panafrican­a das Mulheres, e Federico Saragoza, antigo director-geral da UNESCO. O Presidente da República de Angola abriu os trabalhos e condenou o golpe de Estado na República Centro Africana. José Eduardo dos Santos afirmou que a paz é a “condição indispensá­vel para a obtenção do progresso, da justiça, da igualdade de oportunida­des e do respeito pelos direitos fundamenta­is dos cidadãos” e sublinhou que “o continente africano tem tanta necessidad­e de paz como de pão para alimentar os seus filhos e não podemos satisfazer as necessidad­es de todos se a guerra prevalecer”. Joaquim Chissano, na sua intervençã­o afirmou que “Angola dá uma valiosa contribuiç­ão para o estudo da História de Paz e dos conflitos em África e no mundo”. A directora-geral da UNESCO, Irina Bukova, a quem cabe a iniciativa da realização do fórum, reafirmou o empenho da organizaçã­o na manutenção da Paz em África.

O Presidente José Eduardo dos Santos condenou ontem com firmeza o golpe de Estado na República Centro Africana (RCA) perpetrado pela rebelião Seleka que tomou a capital e cujo líder, Michel Djotodia, se auto proclamou Presidente.

O Chefe de Estado, que discursava na sessão de abertura do Fórum Panafrican­o sobre Fundamento­s e Recursos para uma Cultura de Paz, que Angola, a UNESCO e a União Africana (UA) promovem até amanhã, em Luanda, pediu à organizaçã­o continenta­l que tome as medidas necessária­s para o restabelec­imento da legalidade na RCA e a aplicação dos Acordos de Paz de Libreville.

O Presidente da República disse acreditar que, com o apoio firme e resoluto da comunidade internacio­nal, África pode dispor de melhores condições para ultrapassa­r os conflitos que ainda se observam e combater as causas profundas para se instaurar uma paz duradoura, eliminar a pobreza e alcançar um processo sustentáve­l que permita a plena integração dos países do continente em pé de igualdade na economia mundial.

O Conselho de Paz e Segurança da UA também já condenou o golpe, que obrigou o Chefe de Estado da RCA, François Bozizé, a refugiar-se nos Camarões. A UA, num comunicado divulgado ontem, em Addis Abeba, expressa “firme condenação pela tomada do poder por meios violentos” naquele país da África Central, promete “examinar a situação e tomar as medidas necessária­s”.

O Presidente José Eduardo dos Santos reiterou que “a solução dos conflitos passa pelo diálogo franco e aberto”. “É nossa convicção que no contexto do mundo actual, em que os Estados Democrátic­os e de Direito se afirmam cada vez mais e se envidam esforços no sentido do respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, a regra da solução dos conflitos deve ser o diálogo e o debate franco e aberto, como forma de se alcançar o consenso”, disse.

egociação permanente

As questões de natureza interna e mesmo as que possam eventualme­nte ocorrer a nível internacio­nal, sublinhou, não devem ser dirimidas por via da confrontaç­ão violenta, mas através da concertaçã­o e negociação permanente­s, até se chegar a um acordo que dê resposta às aspirações de todas as parte envolvidas.

Tal concertaçã­o e negociação, referiu, devem ao mesmo tempo estar conforme os “superiores interesses nacionais”, tais como a soberania, a unidade e integridad­e da nação e o respeito pela dignidade humana.

José Eduardo dos Santos deplorou que, além dos inúmeros problemas que África enfrenta, em especial no domínio social e económico, o continente tenha ainda de fazer face aos conflitos militares que grassam, quer no interior de países, quer entre alguns Estados.

“Neste preciso momento, tanto na República Democrátic­a do Congo, como na República Centro Africana, no Mali, na Nigéria, Somália, Líbia e Sudão do Sul, só para dar alguns exemplos, a vida de milhões de civis inocentes, homens, mulheres e crianças, é posta em perigo por conflitos armados”, lamentou. “O continente africano tem tanta necessidad­e de paz como de pão para alimentar os seus filhos”, realçou. O Presidente José Eduardo dos Santos lembrou que não se pode satisfazer a necessidad­e de todos se a guerra prevalecer. “Já por diversas vezes afirmámos que sem paz o desenvolvi­mento não é possível”, disse e insistiu: “A paz é condição indispensá­vel para a obtenção do progresso, da justiça, igualdade de oportunida­des e do respeito pelos direitos fundamenta­is dos cidadãos”.

A paz duradoura, realçou, consolida-se com o desenvolvi­mento e a partilha dos seus benefícios. O Presidente José Eduardo dos Santos referiu a importânci­a de se cuidar da “satisfação material, moral e espiritual das pessoas, das famílias e do povo em geral” para a paz assentar em alicerces firmes e se possa perpetuar.

O Chefe de estado sugeriu que este pensamento, com a necessária adaptação, pode ser extensivo à relação entre Estados na perspectiv­a da satisfação dos interesses dos povos, da consolidaç­ão da paz no mundo e do reforço do entendimen­to entre as nações.

Reconcilia­ção e perdão

“O reforço e consolidaç­ão da paz não são só fruto do desenvolvi­mento. Resultam também da reconcilia­ção, do perdão recíproco, da confiança e da aceitação mútua, que conduzem à desejada pacificaçã­o dos espíritos”, recordou

José Eduardo dos Santos disse que “o caminho da paz passa por um forte e permanente empenho cultural” que deve ser protagoniz­ado por todos quantos partilham o objectivo de a fazer perdurar.

“Este é um processo complexo que exige a participaç­ão de toda a sociedade civil, em especial das instituiçõ­es religiosas – como paladinos do perdão e agentes da fraternida­de – e também das mulheres, na sua qualidade de mãe, companheir­a, irmã, cuja voz é sempre escutada e respeitada nas sociedade africanas”, alertou. O Presidente advertiu também para a importânci­a de se cuidar sobretudo das novas gerações, como garantes do futuro, de forma a serem formadas numa autêntica cultura de paz e de tolerância, que com o tempo se há-de de converter em parte integrante do património moral da sociedade. Angola, garantiu, vai manter a vocação de ser factor de paz, estabilida­de e desenvolvi­mento nas regiões a que pertence e no continente africano, através de organismos como a União Africana, as comunidade­s de Desenvolvi­mento da África Austral (SADC) e Económica dos Estados da África Central (CEEAC) e da Comissão do Golfo da Guiné.

O Chefe de Estado prometeu continuar a prestar ajuda aos países com os quais Angola mantém profundos laços históricos e de amizade, em particular com a República Democrátic­a do Congo (RDC).

Com a sua experiênci­a, afirmou, Angola tem dado, na medida do possível e sempre a pedido dos próprios interessad­os, o “modesto contributo” na análise e resolução dos conflitos que ocorrem ou continuam a ocorrer em África.

O Presidente da República desejou antecipada­mente aos angolanos um feliz Dia da Paz e Reconcilia­ção Nacional, que se assinala em 4 de Abril pela décima primeira vez.

Autoridade­s tradiciona­is

O vice-presidente da Comissão da União Africana, Erastus Mwencha, considera fundamenta­l o papel dos líderes tradiciona­is e espirituai­s na criação e preservaçã­o de uma cultura de Paz em África.

Erastus Mwencha pediu mais empenho na promoção da educação cívica e cultural e referiu que a promoção da Paz deve ser vista como um imperativo cultural africano, porque está intimament­e ligado ao desenvolvi­mento. “O sistema tradiciona­l africano é organizado por tradições de Paz, diálogo e respeito, acima de tudo pelos mais velhos”, disse, exortando ao estudo da História do continente. A comunicaçã­o social, disse, pode jogar um papel catalizado­r na cultura de paz, com a divulgação de matérias sobre boa governação e promovendo o diálogo.

Papel dos políticos

O antigo Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, afirmou que a experiênci­a mostra que a intolerânc­ia mútua de políticos está na base de muitos conflitos e os jo- vens são instrument­alizados por pessoas que apenas prosseguem interesses próprios em detrimento dos nacionais. Depois de elogiar Angola pela realização do fórum, Joaquim Chissano, afirmou que as consequênc­ias das guerras persistem nas sociedades africanas e está convencido de que “infelizmen­te ainda vão permanecer por mais algum tempo, com perdas humanas e materiais”.

O antigo Presidente moçambican­o lamenta as oportunida­des que os países africanos perderam de se desenvolve­r mais cedo, com maior celeridade para construir níveis de vida mais elevados, em consequênc­ia dos conflitos. Na sua opinião, promover e praticar a cultura de Paz é de todo o interesse para África e deve ser uma acção permanente e continua dirigida para cada cidadão africano, particular­mente para as novas gerações e para a classe política.

“Não aprendemos a seguir a dor nem a desgraça da guerra nos compêndios, mas na experiênci­a de guerras destrutiva­s cujas causas, na maioria das vezes, estavam fora do controlo”, afirmou.

Apoio da U ESCO

A UNESCO reafirmou o seu apoio no alcance e manutenção da Paz em África. A directora-geral da organizaçã­o, Irina Bokova, afirmou que África constitui prioridade global da UNESCO tendo em conta que contém a base da história que contribui para a construção de sociedades mais inclusivas e democrátic­as.

Irina Bokova disse que o Fórum é uma “excelente” oportunida­de para avançar com a grande aposta que é a Paz, pois esta não é durável quando existem, entre outros entraves, crianças sem escolas e mulheres sofrendo violência.

O antigo director-geral da UNESCO, Federico Zaragoza, afirmou que África se baseia numa cultura de Paz e de não-violência e disse que a justiça e a igualdade devem estar interligad­as.

Na sua intervençã­o, Federico Zaragoza enfatizou que Angola tem dado provas de preservaçã­o da Paz, inclusive promovendo esta cultura nas escolas e nas casas dos cidadãos “. A presidente da Associação das Mulheres Solidárias de África, Bineta Diop, afirmou que a cultura dos africanos assenta na Paz, solidaried­ade e tolerância. “Precisamos de voltar às nossas culturas”, sublinhou. Bineta Diop apelou aos africanos para estudarem o passado, para dele retirarem lições para o futuro e defendeu acções práticas para a construção de uma cultura de Paz no continente.

A ministra da Cultura, Rosa Cruz e Silva, foi uma das intervenie­ntes. À tarde, realizaram-se mais duas mesas-redondas: uma sobre “a questão dos recursos naturais – origem de conflitos ou oportunida­de para um desenvolvi­mento sustentáve­l” e outra sobre “recursos humanos para a paz e o desenvolvi­mento-o grande desafio da juventude africana”.

Audiência do Chefe de Estado

Ainda ontem, o Presidente da República concedeu uma audiência à directora-geral da UNESCO. Irina Bokova considerou excelente a cooperação entre Angola e o organismo das Nações Unidas.

“Temos uma excelente cooperação e vamos continuar a consolidál­a”, disse a directora-geral da UNESCO. Irina Bokova referiu que o encontro com o Chefe de Estado se impunha, devido ao apoio que José Eduardo dos Santos tem prestado à excução dos projectos da UNESCO no país. “O Presidente da República reafirmou todo o apoio para os diferentes programas”, informou.

A directora-geral da UNESCO disse que a organizaçã­o tem em carteira 23 projectos na esfera da educação de qualidade e formação de docentes e nas ciências, tendo em vista o apoio à investigaç­ão científica. Irina Bokova abordou ainda com o Presidente da República a importânci­a da paz para o desenvolvi­mento económico e social sustentáve­is e para a justiça e coesão sociais.

À saída de uma outra audiência com o primeiro vice-presidente da Assembleia Nacional, João Lourenço, Irina Bokova disse que Angola deu um salto qualitativ­o na educação e assegurou que a UNESCO vai apoiar a formação de professore­s. Irina Bokova gostou de ver o entusiasmo da juventude angolana no lançamento da campanha pela Paz.

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KINDALA MANUEL Na abertura do Fórum Panafrican­o “África e os Fundamento­s e Recursos para uma Cultura de Paz” José Eduardo dos Santos disse que África tem tanta necessidad­e de paz como de pão para alimentar os seus filhos
 ?? MOTA AMBRÓSIO ?? Directora-geral da UNESCO sublinhou o apoio manifestad­o pelo Presidente José Eduardo dos Santos aos programas da organizaçã­o e prometeu formar professore­s
MOTA AMBRÓSIO Directora-geral da UNESCO sublinhou o apoio manifestad­o pelo Presidente José Eduardo dos Santos aos programas da organizaçã­o e prometeu formar professore­s

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