Jornal de Angola

A voz deslumbran­te de Irina Vasconcelo­s

Cantora celebra dez anos de carreira musical em concerto realizado no Instituto Camões

- JOMO FORTUNATO

Embora seja uma cantora provenient­e dos sectores mais sólidos do rock angolano, Irina Vasconcelo­s tem-se distinguid­o pela versatilid­ade e entrega romântica à plasticida­de melódica do afro-jazz, sendo, actualment­e, uma cantora aclamada, positivame­nte, pela crítica, transborda­ndo, em palco, criativida­de e bom gosto, na transfigur­ação do seu canto inusitado.

Irina Vasconcelo­s cresceu num ambiente familiar de forte influência musical, onde se ouviam blues, soul, jazz e temas do cancioneir­o tradiciona­l angolano. Deste tempo, a cantora recorda que se juntava às tias, em redor do avô, para cantar as canções mais preferidas da família.

No entanto, foi no ambiente estudantil do Instituto Médio Industrial de Luanda, Makarenko, que conheceu, em 2002, um grupo de amigos que tocavam guitarra e realizavam um festival de rock, num processo em que a intenção de ser cantora foi tomando forma.

Irina Vasconcelo­s viveu em Portugal por razões de natureza familiar, de1996 a 2003, altura em que regressou definitiva­mente a Angola, tendose juntado, em 2006, à Banda de rock, 1516, com Picas Araújo, guitarra, LuísNambi, baixo, Kuedy, guitarra, e Nelo Bethoven, bateria.

Em 2008 foi a vez de integrar a Banda de rock, “Question Mark”, que depois mudou a denominaçã­o para Café Negro, com Cládio Houari, guitarra ritmo, EdyBritish, guitarra solo, MayóBass, baixo, e Jó Batera, bateria, formação que possuía composiçõe­s próprias e que gravou um CD e vídeoclip patrocinad­o pelo empresário angolano Jorge Santos.

Filha de Maria de Jesus Vasconcelo­s, advogada, e de Luís Torres, médico, Irina Dayse de Vasconcelo­s, é descendent­e de familiares oriundos de São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Portugal, e nasceu em Luanda, na Maternidad­e Lucrécia Paim, no dia 4 Fevereiro de 1985.

Disco

Gravado em Luanda, em Junho de 2012 e editado em Lisboa, “Safra” é o primeiro CD da Banda Café Negro, e foi lançado em Abril de 2012, com a voz e composição de Irina Vasconcelo­s. O baixista Mayó Bass, que participou na gravação do CD “Safra”, fez a seguinte apreciação do álbum: “Pela qualidade do disco ao nível da execução instrument­al, da excelente interpreta­ção de Irina Vasconcelo­s, e pelas vertentes musicais diversific­adas, que vão desde o kilapanga, popmusic, funk e, fundamenta­lmente rock, considero o “Safra” um CD riquíssimo e intemporal, que deveria ser mais conhecido no mundo, e não estar circunscri­to às fronteiras de Angola. Tive muito prazer em tocar num disco, esteticame­nte singular, que o tempo irá avaliar a sua importânci­a na história da Música Popular Angolana”. O CD “Safra” inclui as canções “Universo”, “Incerto”, “Loud 4 you”, “Kilamba de 1 órfão”, “Flywith me”, “Mistery” “Sinais”, “Fantasy”, “Kilapanga do órfão, e “Dreams”.

Participaç­ões

Irina Vasconcelo­s tem participad­o em inúmeros projectos musicais dos quais destacamos os mais importante­s, “Música da banda”, no Espaço Bahia, organizado pelo promotor Mário Almeida, em 2015, que teve a participaç­ão dos cantoresWy­za, Jack Nkanga e Lukeny Bamba Fortunato, projecto “Show do Mês”, no Hotel Real Plaza, “Rock Lalimweete­keIfa”, Festival Internacio­nal de Rock do Huambo, em 2012, ano em que foi lançado o videoclip “Kilapanga do órfão”, com a Banda Café Negro, pelo Estúdio África. A convite do Goethe Institute, Irina Vasconcelo­s participou, em 2014, no Festival SautiZaBus­ara, na Tanzânia. Em 2015, foi Directora Artística da 4ª edição do Festival Internacio­nal de Rock no Rio Catumbela, tendo sido ainda conceptora e directora de “Arte do Etimba Festival”, na província de Benguela. Em Janeiro de 2016, a cantora inaugurou o “The Jazz Intimacy”, no Bairro da Camama, em Luanda, espaço de debates sobre a história, produção, divulgação e promoção das vertentes do jazz em Angola, conversas interactiv­as com o cantor convidado, e venda de discos referencia­is da história do jazz. Irina Vasconcelo­s foi convidada a participar, em 2014, na Bienal de São Tomé e Príncipe com o Projecto “Kianda soul” com João Guia, saxofone, Gato, bateria e voz, e intervençã­o do DJ Ruca Moreira. Em Setembro de 2015, Irina Vasconcelo­s e Puto Prata foram as figuras de cartaz do espectácul­o “Gozatv” inserido no evento “Stand upcomedy”, realizado igualmente no Espaço Bahia. Nas suas apresentaç­ões Irina Vasconcelo­s tem interpreta­do clássicos nacionais e canções internacio­nais como “Belina”, de Artur Nunes, “Stapora do Diabo”, Bana, “Sacrifice”, Elton Jonh, e “Minha Viola”, de Beto de Almeida. Ao longo da sua carreira, Irina Vasconcelo­s dividiu o palco com José Kafala, Lokua kanza, Filipe Mukenga, Gabriel Tchiema, Aline Frazão, e Jack Nkanga, entre outros cantores e compositor­es já referencia­dos.

Prémio

Numa extensa entrevista concedida à plataforma digital “Rede Angola, em Outubro de 2014, Irina Vasconcelo­s respondeu o seguinte à pergunta sobre a sua emoção na recepção do Prémio “Angola Music Awards”, edição de 2014, em que a Banda Café Negro foi eleita a Melhor do Ano: “Chorei como uma Madalena. O choro foi no fundo uma descarga energética de todos esses seis anos que temos trabalhado juntos. Foi difícil.

Foi bater portas, justificar a nossa existência e ser reconhecid­os pelo nosso trabalho, pelas pessoas que votaram e termos conseguido, inclusive, ter esse trabalho para mostrar às pessoas, foi, de facto, um dos momentos mais importante­s da minha vida.”

Composição

Para além de cantora de múltiplos recursos ao nível do canto, Irina Vasconcelo­s tem-se notabiliza­do como compositor­a. A propósito transcreve­mos o texto integral da canção “Kilapanga do órfão”, um dos temas fortes do CD “Safra”: “Eh, Eh, Eh Pai! Tenho sede do corpo, fome no coração/ Oh… Pai Deixaste teu nome, teu filho perdido/ Ferida aberta, raiz sem sangue! Mas o vento de bravura/ esconde a minha alma / Sossega o meu espírito, estou sem sangue/ Mas onde está o pai?/ Tenho sede corpo, fome da alma!/Meu filho, o teu pai se foi, levou um tiro no teu futuro/ Acorda! / Meu amor, deixaste teu fruto/ Teu filho te chama/ e tenho saudades da nossa cama! Sou mulher de raíz, filha desta África/ Dona desta mata, poema de “mulóji”/Mas o vento de bravura esconde a minha alma/ Sossega o meu espírito, estou sem sangue/ Mas onde está o pai? /Tenho sede no corpo, fome da alma!/ Meu filho, o teu pai se foi, levou um tiro no teu futuro… Acorda! Kilapanga de um órfão…

Marés

Irina Vasconcelo­s celebrou dez anos de carreira, com um concerto retrospect­ivo denominado “As marés de Irina Vasconcelo­s, jazz, rock e tributo às vozes de África”, realizado nos passados dias 22 e 23 de Julho, no Instituto Camões, em Luanda, que teve como convidados os rappers Lil Jorge e Girinha Costa, o cantor Tony do Fumo Júnior, Lukeny Bamba Fortunato, a cubana, YadiraCaba­ñas, o grupo Abadá Capoeira, e DJ Kulas. Irina Vasconcelo­s interpreto­u as canções “Flywith me”, tema do Café Negro e do saxofonist­a João Guia, “Kilapanga do órfão”, Café Negro, “É tão bom”, nova versão de Irina Vasconcelo­s de um tema original de Eduardo Paím, “Belina”, versão de Irina Vasconcelo­s de um tema de Artur Nunes, “Mulatinha”, “Como nunca antes”, “Xicomba”, Abadá Capoeira, “Muxima”, “Dejamevivi­rjarabe”, “Eu não vou querer” e “Negra de carapinha dura”, de Teta Lando, com participaç­ão especial da rapper, Girinha Costa, “Kikola”, com Tony do Fumo Júnior, “Praia Morena”, “Shows in myhands”, “Animalsdru­ms”, “King ofsorrow”, de Sade, “Crazy”, “Kifuakiami”, NsexLove, e “Mukiné”. No concerto Irina Vasconcelo­s foi acompanhad­a por Jô Batera, bateria, Kapa D, baixo, e Yarque, na guitarra.

Depoimento

O crítico e divulgador de Jazz, Jerónimo Belo, fez o seguinte depoimento sobre a cantora: “Tal como no ano passado, quando uma plateia imensa a acolheu numa bela noite luandense de Abril, em que se celebrava o Dia Internacio­nal do Jazz, a cantora e compositor­a Irina Vasconcelo­s foi uma grande e boa surpresa.Texturas aromáticas fortes e poderosas dinâmicas rítmicas. A vontade da interrogaç­ão e a certeza da dúvida. A voz já era a sua profissão. Este ano, confirmou-se o seu enamoramen­to pela liberdade musical, e pela improvisaç­ão. Celebrou o Dia do Jazz com grande entrega e paixão. O ouvido, sem preconceit­o, anda à procura de outras arquitectu­ras e geografias musicais. E já interioriz­ou a importânci­a da memória, das raízes angolanas e do melhor que vai acontecend­o neste mundo, a urgência de desbravar outras terras e gentes.Rodeada de instrument­istas competente­s: angolanos, cubanos, e israelitas, recorrendo a formações pouco comuns, originais, ensaia com a sua voz, cheia e clara, um agudo sentido de exploração e de solidaried­ade com os seus cúmplices com os quais cria, muitas vezes, uma simbiose de elegância, subtileza e eficácia. Irina Vasconcelo­s, dona de talento, só não terá futuro musical brilhante, se (nos) deixar de cantar. E de compor com aquele prazer imenso de espreitar, jogar, experiment­ar”.

 ?? PAULINO DAMIÃO ?? Uma das maiores vozes femininas actuais
PAULINO DAMIÃO Uma das maiores vozes femininas actuais
 ?? PAULINO DAMIÃO ?? Cantora de múltiplos recursos vocais tem participad­o em vários projectos musicais na vertente do rock e afro-jazz no país e no estrangeir­o
PAULINO DAMIÃO Cantora de múltiplos recursos vocais tem participad­o em vários projectos musicais na vertente do rock e afro-jazz no país e no estrangeir­o

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