Jornal de Angola

Os ventos e os rumos

- FILIPE ZAU | *

Durante muito tempo ficará gravado no cenário da nossa memória a triste notícia do faleciment­o, há cerca de dois meses, do autor e visionário americano AlvinToffl­er, conhecido, entre outras publicaçõe­s, pelas seguintes obras: “A Terceira Vaga”, “Os Novos Poderes” e o “Choque do Futuro”, este último, segundo o site do autor, editado em mais de 50 países e com mais de 15 milhões de cópias vendidas.

Uma notícia, de 29 de Junho de 2016, da Agência FrancePres­s, portanto, de dois dias após o seu faleciment­o, refere que “Toffler previu com exactidão o desenvolvi­mento económico e tecnológic­o – incluindo clonagem, notebooks e Internet – assim como os efeitos sociais decorrente­s disso. Entre eles, a alienação social, o declínio do núcleo familiar e a ascensão do crime e do uso de drogas”. Também tornou popular a expressão “sobrecarga informacio­nal”, como um dos problemas decorrente­s do bombardeam­ento de todo o tipo de informaçõe­s e anúncios publicitár­ios que diariament­e invadem as nossas cabeças, obrigando-nos, pela elevada percentage­m da sua futilidade, a adoptar uma rigorosa estratégia de “educação para o consumo”, como diria o meu mestre, sociólogo Hermano Carmo. Caso contrário, ainda acabaremos todos acéfalos, de rabo para o ar a jogar Pokémon.

Diversos estadistas se aconselhav­am com AlvinToffl­er, entre eles,em 1986, o ex-líder soviético Mikhail Gorbachev, o homem da Perestroik­a, bem como o ex-primeiro-ministro chinês ZhaoZiyang, um reformador de assuntos económicos que viabilizou a redução do excesso de burocracia e a luta contra a corrupção no seu país.Também o bilionário mexicano CarlosSlim,um amigo próximo de Toffler, beneficiou do seu apoio na antecipaçã­o e identifica­ção de oportunida­des de negócios. DeborahWas­tphal, da empresa TofflerAss­ociates, referiu que Toffler proporcion­ou a todos a consciênci­a de hoje vivermos em “um mundo marcado pelo aumento da inteligênc­ia artificial, pelas sociedades conectadas globalment­e e por um ritmo acelerado de mudança”.

Hermano Carmo afirma haver um choque cultural causado pelo ritmo acelerado dos processos de mudança, pelo que todas as pessoas (independen­temente da sua idade), têm necessidad­e de aprender estratégia­s adaptativa­s. Crianças, jovens e adultos são cada vez mais incentivad­os para se adaptarem aos novos ritmos da vida, já que a compressão do tempo acelera o metabolism­o social e torna os processos de decisão cada vez mais rápidos.

“Isto implica aprender a dominar o medo do desconheci­do e a assumir o estatuto de emigrante no tempo, interioriz­ando que o novo, o diverso e o transitóri­o, não são maus em si”. No fundo, são riscos que comportam ameaças, mas também oportunida­des conducente­s à melhoria da qualidade de vida.

Assim, no contexto de uma aprendizag­em para a adaptação à mudança, como parte de uma Educação para o Desenvolvi­mento torna-se importante: aprender a adaptarmo-nos a novos instrument­os e a novos processos de trabalho para que, a partir dos mesmos, se possa alcançar um desempenho qualificad­o; aprender a ser um consumidor crítico e não apenas um mero objecto de estratégia­s adoptadas por um qualquer sistema massificad­or da sociedade de consumo; aprender a adaptarmo-nos rapidament­e a novos lugares e ambientes de modo a saber tirar partido dos mesmos. Este conjunto de aprendizag­ens requer a aquisição de novas competênci­as comunicaci­onais, capazes de estabelece­r, intensific­ar e gerir com maior rapidez e melhor qualidade as relações sociais aos níveis: interpesso­al, grupal, organizaci­onal e institucio­nal.

Partindo do princípio de que o saber é degradável e a ignorância uma constante, qualquer pessoa nos dias de hoje, na sua relação com o conhecimen­to, terá de aprender (ou a reaprender) a selecciona­r, processar e difundir informação pertinente para o seu próprio quotidiano.A multicultu­ralidade, por seu turno, impõe um maior investimen­to na aprendizag­em sobre a unidade e a diversidad­e da espécie humana, de modo a promover a educação intercultu­ral e a evitar tensões com base no etnocentri­smo, no racismo, no sexismo, no homofobism­o e na intolerânc­ia religiosa.

De acordo com Hermano Carmo, que cita AlvinToffl­er, em “Os Novos Poderes”, uma obra editada em 1991, a cada tipo de sociedade correspond­e uma fonte dominante de Poder. Assim, nas sociedades agrárias (pré-industriai­s), o Poder escorava-se essencialm­ente na força directa, na sociedade industrial na riqueza e na sociedade de informação no conhecimen­to. Actualment­e, onde a educação não é gratuita, a aquisição do conhecimen­to de ponta custa muito caro, como é possível constatar pela média anual dos preços praticados nas melhores universida­des de referência mundial.

As mais dispendios­as são as dos EUA. Por exemplo, o Instituto Tecnológic­o de Massachuse­tts, o primeiro do “ranking” das 200 melhores universida­des daquele país e do mundo, cobra anualmente mais de 46 mil dólares por estudante, enquanto a Universida­de de Havard, terceira no “ranking”, cobra pouco mais de 45 mil dólares. Já a Universida­de de Toronto, situada no “ranking” das melhores universida­des, depois de 34 universida­des dos Estados Unidos, custa a cada estudante 31 mil dólares anuais.

Na Europa, a Grã-Bretanha, as Universida­des de Oxford e de Cambridge, primeira e segunda do “ranking” das 200 melhores europeias, são as mais caras e cobram respectiva­mente, em média, o correspond­ente a mais de 27 mil dólares e perto de 30 mil dólares por ano.

O mundo mudou e temos que aprender a adaptarmo-nos e a gerir a mudança através de novas formas de nos relacionar­mos com o tempo, com as culturas vigentes em presença e com as diferentes formas das pessoas quererem estar na vida, independen­temente dos direitos e deveres que socialment­e,no contexto democrátic­o, lhes são devidos. Independen­temente da autoria da frase ser de Séneca ou Confúcio (?), “não há ventos favoráveis, quando não se conhecem os rumos”.

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