Como Dilma pagou a factura
Omundo em que vivemos é uma construção social. Temos o tipo de sociedade que queremos. A intervenção do homem nas relações sociais e na natureza atingiu níveis nunca sonhados. A criatividade, a ciência e a arte desafiam as teorias do determinismo e produzem na realidade dos nossos dias o suficiente para satisfazer as imensas necessidades da Humanidade. Mas a mesma brilhante mente humana que cria soluções para os problemas carrega também a cegueira da estupidez quando se trata de as aplicar.
Dois grandes acontecimentos marcam a sociedade angolana actual. O ambiente de paz e reconciliação e a recuperação acelerada que se vive desde 2002 abriram perspectivas para uma era de grande desenvolvimento. Mas o país passa agora por uma fase de abrandamento económico, que não é a primeira nem será a última. As razões para o abrandamento vêm das ondas de choque da grande crise de 2008 nos Estados Unidos, do agravamento das dívidas soberanas na Europa em 2010 e da queda brusca em 2014 do preço das matérias-primas, entre elas o petróleo. Nada tem a ver, na sua essência, com o rumo político adoptado pelo poder político, que tem sabido mitigar os efeitos do choque externo. Em tempo certo o Executivo respondeu com medidas de ajustamento. Essas medidas serão, certamente, aprofundadas, a partir de agora, com as reformas apropriadas para levar o país a voltar ao ciclo de crescimento sem depender das amarras que puxaram para a presente situação. Assim se faz a aprendizagem e a superação na abordagem económica corrente. Um fenómeno idêntico ocorreu no Brasil. Quando em 2011 Dilma Rousseff tomou posse como a primeira mulher Presidente do Brasil, os estragos da crise de Wall Street faziam o seu pleno. Já se sabia, nessa altura, que a crise exigiria da “Presidenta” muita coragem para enfrentar a previsível subida da inflação, a desvalorização do real e a erosão dos fundos orçamentais. Seria difícil para ela continuar a financiar os programas sociais destinados a erradicar a fome e a pobreza, a dar habitação condigna e a combater as desigualdades lançados por “Lula” da Silva. Qualquer um que estivesse no lugar de Dilma teria feito o que teve de ser feito. O resto é retórica de combate político. Daí o tamanho da injustiça que foi cometida contra Dilma Rousseff. Os políticos brasileiros no seu todo deixaram cobardemente uma mulher arder no fogo da ignomínia, fazendo-a pagar por todos os defeitos e vícios de que enferma o sistema brasileiro e que, no descuido, um senador anti-Dilma teve a lata de dizer que se “inspira” nos Estados Unidos.
Caso idêntico ao do Brasil aconteceu com José Sócrates em Portugal, com a diferença de ter sido primeiro forçado a ir a eleições e só depois o castigarem com a humilhação na justiça.
A crise económica mundial estará para durar enquanto nenhuma das maiores economias do planeta der sinal de crescimento que arraste o conjunto do universo para o optimismo e o regresso à sustentabilidade. Só um forte crescimento económico da China, Índia, Rússia, Brasil, Europa e EUA e um tecto na produção da OPEP farão estabilizar o preço do petróleo. Como as previsões apontam para o contrário, resta apenas apostar na produção interna. A indústria nacional tem de evoluir para satisfazer o consumo interno. O abrandamento económico revela uma economia demasiado amarrada à exportação petrolífera e à importação de produtos acabados. Este é o desafio que temos pela frente. Há condições para corrigir esta distorção se se levar adiante a tarefa de diversificação com a intensidade que o atraso exige. Deixar expandir desreguladamente a economia informal, com a desculpa de que é algo próprio de África, gera a promiscuidade que o gigante brasileiro tem hoje.
O esforço já começa a dar resultados. A prova de que a aposta na produção nacional, pilar da diversificação económica, já estava em curso desde há alguns anos, foi reforçada nos últimos dias com a notícia proveniente da Administração Tributária de que as receitas fiscais do sector não petrolífero da economia vão registar este ano um aumento de 25 por cento relativamente ao desempenho do ano passado. Não seria possível obter estes resultados se a economia não petrolífera não estivesse a crescer já antes do abrandamento. Angola tem, de facto, uma importante economia a funcionar sem estar dependente ou condicionada ao sector petrolífero.
O futuro está nas mãos dos homens. O sucesso ou insucesso da diversificação económica, com menor ou maior inclusão dos cidadãos, com mais ou menos desemprego, vai formatar o tipo de sociedade angolana. Por causa da enorme abertura de espírito e disponibilidade dos seus cidadãos, é possível em Angola evitar os pecados do Brasil, hoje comandado por uma elite política a contas com a justiça, e criar uma sociedade mais igual e justa.