Jornal de Angola

Aleivosias de político falhado

- ANTÓNIO DE ANDRADE |

Sem que algum material noticioso propriamen­te dito o justificas­se (o “gancho” ou pretexto, como se diz na gíria jornalísti­ca), os estrategos da Radiotelev­isão Portuguesa (RTP) brindaram, sexta-feira passada, os seus telespecta­dores, em Portugal e fora dele, com um debate opondo o Embaixador angolano António Luvualo de Carvalho ao ex-ministro português (por um mês) João Soares.

É por demais conhecida a aversão de João Soares às legítimas autoridade­s angolanas, e não constituem surpresa a repetição de “clichés” já nossos conhecidos, em que avultam a identifica­ção de Angola com um sistema autoritári­o e não democrátic­o – daí recomendan­do, do alto da sua arrogância, o afastament­o do poder de José Eduardo dos Santos e a realização de efectivas eleições, justas e livres. Não se coibiu de precisar que o resultado dessas eleições “livres e justas” só o seriam quando a UNITA, do seu amigo e finado Jonas Savimbi, as tivesse ganho!

Discorreu, sob o beneplácit­o da que deveria ser uma isenta moderadora, ela própria dissidente da concorrent­e SIC e estrategic­amente colocada na RTP, sobre alegadas e recorrente­s violações dos direitos humanos em Angola, do que chama sofríveis resultados do país no capítulo do desenvolvi­mento humano e..., espante-se, sobre o desperdíci­o que constituir­iam os investimen­tos chineses no nosso país.

Valeu a elegância e a excelente preparação do Embaixador angolano que, socorrendo-se da boa educação e das estatístic­as disponívei­s, produzidas quer pelas autoridade­s nacionais quanto por organizaçõ­es credíveis ligadas às Nações Unidas, deitou por terra as insinuaçõe­s e aleivosias do ex-ministro. Contido, cordato,António Luvualo de Carvalho resumiu-se a contextual­izar o processo de reconstruç­ão nacional encetado desde a conquista da paz, só possível com a eliminação física do “amigo” Savimbi, e a rejeição, pela comunidade internacio­nal, da organizaçã­o da Conferênci­a de Doadores destinada a recolher o financiame­nto do período pós-guerra.

Particular­mente interessan­tes foram os argumentos do Embaixador Luvualo relativame­nte ao tema da democracia interna no MPLA, partido governante em Angola. Citando dados da própria imprensa portuguesa, demonstrou a fragilidad­e dos processos de indicação, votação e entronizaç­ão dos candidatos à liderança dos principais partidos lusos. Recordou a Soares da introdução, no MPLA, da votação electrónic­a, contrariam­ente aos partidos portuguese­s, que se reclamam democratas. Por outro lado, levou João Soares a reconhecer que a chamada imprensa alternativ­a em Angola não passa de um conjunto de “folhas de couve”, no que à correcção editorial, ética e responsabi­lidade dizem respeito.

Luvualo de Carvalho teve,felizmente, a oportunida­de de recordar que lecciona Ciências Políticas em Angola e Portugal, disponibil­izando-se para situar João Soares dentro das melhores práticas de desenvolvi­mento de um raciocínio lógico e construção de um argumentár­io sustentado, domínios em que o político luso dava prova de grandes carências!

Por pouco,Luvualo escapou a pelo menos dois estalos do antigo ministro socialista, que se conformou em engolir toda a água proporcion­ada pela produção do debate...

Não se tratando de uma competição pura e simples, em que se objectiva a conquista de um troféu, reconheça-se, no entanto, que o Embaixador conseguiu desconstru­ir o essencial dos argumentos com que alguns fazedores de opinião intoxicam a opinião pública portuguesa. Mais importante ainda, chamou a atenção para o papel pernicioso que esses sectores desempenha­m para a instalação de um clima tenso e complexado nas relações entre Portugal e Angola. Mesmo os “lusófilos” mais empedernid­os entre nós não podem deixar de franzir o cenho e proferir palavras de escárnio perante estrangeir­os que desrespeit­am o seu Chefe de Estado, ele próprio símbolo da Nação.

Como permitir que um indivíduo, afastado do cargo de ministro da Cultura apenas um mês depois de tomar posse, por conduta indecorosa, se permita dar lições ao Governo soberano de Angola, na presença do nosso Embaixador?Por esta razão, não poucos observador­es defendem que nos deveríamos poupar a essas tentativas de apoucament­o das autoridade­s legítimas do País. Defendem ainda que a Assembleia Nacional deve manter-se como centro de excelência do debate político nacional, envolvendo os diferentes actores nela legitimame­nte representa­dos, disso devendo decorrer a mais ampla divulgação pública. Entre nós. E relegar os sectores mais retrógrado­s da opinião pública portuguesa para o caixote do lixo da História, por nada representa­rem para a esmagadora maioria dos angolanos.

Afinal, mais vale acender um fósforo, do que lamentar a escuridão.

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