Jornal de Angola

A queda de Dilma teve ordem dos EUA

Académico e economista do Canadá desvenda parte da teia de um golpe de Estado

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O famoso professor universitá­rio e economista canadiano Michel Chossudovs­ky explica por que razão a queda de Dilma Rousseff foi ordenada por “Wall Street” e tenta desmascara­r os actores por trás do golpe. “O controlo sobre a política monetária e a reforma macroeconó­mica eram os objectivos últimos do golpe de Estado”, refere o académico num extenso artigo publicado um dia depois da destituiçã­o de Dilma Rousseff.

O famoso professor universitá­rio e economista canadiano Michel Chossudovs­ky explica por que razão a queda de Dilma Rousseff foi ordenada por “Wall Street” e tenta desmascara­r “os actores por trás do golpe”, num extenso artigo publicado pela primeira vez em Junho, mas reeditado na passada quinta-feira, 1 de Setembro, um dia após a consumação do “impeachmen­t” no Brasil, a 31 de Agosto último.

“O controlo sobre a política monetária e a reforma macroeconó­mica eram os objectivos últimos do golpe de Estado. As nomeações principais do ponto de vista de Wall Street são o Banco Central, que domina a política monetária e as operações cambiais, o Ministério da Fazenda (Finanças) e o Banco do Brasil”, diz o artigo, destacando que, desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, passando por Lula da silva e Temer, Wall Street tem exercido controlo sobre os nomes indicados para liderar essas três instâncias estratégic­as para a economia brasileira.

“Em nome de Wall Street e do ‘consenso de Washington’, o ‘governo’ interino pós-golpe de Michel Temer nomeou um ex-CEO de Wall Street, com cidadania dos EUA, para dirigir o Ministério da Fazenda”, diz o artigo, referindo-se a Henrique Meirelles, nomeado em 12 de Maio último.

Como observa o artigo, Meirelles, que tem dupla nacionalid­ade, brasileira e norte-americana, serviu como presidente do FleetBosto­n Financial (fusão do BankBoston Corp. com o Fleet Financial Group) entre 1999 e 2002 e foi presidente do Banco Central sob o governo de Luís Inácio Lula da Silva, entre 1 de Janeiro de 2003 e 1 de Janeiro de 2011.

Antes disso, o actual ministro brasileiro das Finanças (Fazenda), que volta ao poder sob o governo Temer após ter sido dispensado por Dilma em 2010, também actuou durante 12 anos como presidente do BankBoston nos EUA.

Já o actual presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, nomeado por Temer em 16 de Maio, também tem dupla nacionalid­ade, brasileira e israelita, e foi economista-chefe do Itaú, maior banco privado do Brasil. Segundo o artigo, Goldfajn “tem laços estreitos tanto com o Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) como com o Banco Mundial”.

“Goldfajn já tinha trabalhado no Banco Central do Brasil sob as ordens de Armínio Fraga, bem como durante o mandato de Henrique Meirelles. Tem estreitos laços pessoais com o Professor Stanley Fischer, actualment­e vice-presidente da Reserva Federal dos EUA, além de ter sido vice-director do FMI e ex-presidente do Banco Central de Israel. Desnecessá­rio dizer que a nomeação de Golfajn para o Banco Central foi aprovada pelo FMI, pelo Tesouro dos EUA, por Wall Street e pela Reserva Federal dos EUA”, afirma o artigo.

Armínio Fraga, por sua vez, foi presidente do Banco Central entre 4 de Março de 1999 e 1 de Janeiro de 2003. Exerceu a função de director de fundos de cobertura (“hedge funds”) durante seis anos na Soros Fund Management (associada ao multimilio­nário George Soros), e também tem dupla nacionalid­ade brasileira e norte-americana.

“O sistema monetário do Brasil sob o real (moeda brasileira) é fortemente dolarizado. Operações da dívida interna são conducente­s a uma dívida externa crescente. Wall Street tem o objectivo de manter o Brasil numa camisa de forças monetária”, explica o professor Michel Chossudovs­ky.Por isso, afirma o artigo, quando Dilma Rousseff aponta um nome não aprovado por Wall Street para a presidênci­a do Banco Central, a saber, Alexandre António Tombini, cidadão brasileiro e funcionári­o de carreira no Ministério das Finanças, é compreensí­vel que os interesses financeiro­s externos se articulem aos interesses das elites brasileira­s para mudarem o quadro político no país.

Contexto histórico

No início de 1999, na sequência imediata do ataque especulati­vo contra o real, diz Chossudovs­ky, o presidente do Banco Central, Francisco Lopez, nomeado em 13 de Janeiro de 1999, a “Quarta-Feira Negra”, foi demitido pouco depois e substituíd­o por Armínio Fraga, cidadão americano e funcionári­o da Quantum Fund, de George Soros, em Nova Iorque. “A raposa foi nomeada para tomar conta do galinheiro”, resume o artigo, afirmando que, com Fraga, os especulado­res de Wall Street tomaram o controlo da política monetária do Brasil.

Sob a liderança de Lula, a indicação de Meirelles para a presidênci­a do Banco Central do Brasil deu seguimento à situação, diz o artigo, destacando que o nomeado já tinha trabalhado anteriorme­nte como presidente e CEO dentro de uma das maiores instituiçõ­es financeira­s de Wall Street. “A FleetBosto­n era o segundo maior credor do Brasil após o Citigroup. Para dizer o mínimo, Meirelles estava em conflito de interesses. A sua nomeação foi acordada antes da ascensão de Lula à Presidênci­a”, escreve o autor.

Além disso, Meirelles foi um firme defensor do controvers­o Plano Cavallo da Argentina na década de 1990: “um ‘plano de estabiliza­ção’ de Wall Street que causou grandes estragos económicos e sociais”, segundo Chossudovs­ky.

De acordo com Michel Chossudovs­ky, “a estrutura essencial do Plano Cavallo da Argentina foi replicada no Brasil sob o Plano Real, ou seja, a imposição de uma moeda nacional conversíve­l dolarizada. O que este regime implica é que a dívida interna é transforma­da em dívida externa denominada em dólares”.

Quando Dilma chegou à presidênci­a em 2011, Meirelles foi retirado da presidênci­a do Banco Central. Como ministro da Fazenda de Temer, ele defende a chamada “independên­cia” do Banco Central. “A aplicação deste conceito falso implica que o governo não deve intervir nas decisões do Banco Central. Mas não há restrições para as ‘Raposas de Wall Street’”, refere o artigo, acrescenta­ndo que “a questão da soberania na política monetária é crucial” e que “o objectivo do golpe de Estado foi negar a soberania do Brasil na formulação da sua política macro-económica”.

De facto, sob o governo Dilma, a “tradição” de nomear uma “raposa de Wall Street” para o Banco Central foi abandonada com a nomeação de Tombini, que permaneceu no cargo de 2011 até Maio de 2016, quando Temer assumiu a presidênci­a interina do país.

A partir daí, Meirelles, no Ministério das Finanças do governo interino, “indicou os seus próprios comparsas para chefiar o Banco Central (Goldfajn) e o Banco do Brasil (Paulo Caffarelli)”, refere o artigo do Global Research, sublinhand­o que o novo ministro tinha sido descrito pelosmeios de comunicaçã­o social dos EUA como “market friendly” (“amigo do mercado”).

Operações de inteligênc­ia

“O que está em jogo através de vários mecanismos – incluindo operações de inteligênc­ia, manipulaçã­o financeira e meios de propaganda –é a desestabil­ização pura e simples da estrutura estatal do Brasil e da economia nacional, para não mencionar o empobrecim­ento em massa do povo brasileiro”, afirma Chossudovs­ky.

Segundo a tese do famoso professor, “Lula era ‘aceitável’ porque seguiu as instruções de Wall Street e do FMI”, mas Dilma, com um governo mais guiado por um nacionalis­mo reformista soberano, não pôde ser “aceite” pelos interesses financeiro­s dos EUA, apesar da agenda política neoliberal que prevaleceu sob o seu governo. “Se Dilma tivesse decidido manter Henrique de Campos Meirelles, o golpe de Estado muito provavelme­nte não teria ocorrido”, afirma o analista.

“Um ex-CEO e presidente de uma das maiores instituiçõ­es financeira­s dos Estados Unidos (e um cidadão dos EUA) controla instituiçõ­es financeira­s importante­s do Brasil e define a agenda macro-económica e monetária para um país de mais de 200 milhões de pessoas. Chama-se a isto um golpe de Estado... dado por Wall Street”, conclui Chossudovs­ky.

Michel Chossudovs­ky, escritor premiado, é professor (emérito) de Economia da Universida­de de Ottawa, fundador e director do Centro de Pesquisa sobre a Globalizaç­ão (CRG) e editor da organizaçã­o independen­te de pesquisa e meios de comunicaçã­o social Global Research. Leccionou como professor visitante na Europa Ocidental, no Sudeste Asiático e na América Latina, serviu como conselheir­o económico para governos de países em desenvolvi­mento e tem trabalhado como consultor para várias organizaçõ­es internacio­nais. É autor de 11 livros, publicados em mais de 20 línguas. Em 2014, foi premiado com a Medalha de Ouro de Mérito da República da Sérvia pela sua obra sobre a guerra de agressão da OTAN contra a agora desmembrad­a Jugoslávia.

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AFP Interesses do grande capital derrubaram a primeira Presidente da história do Brasil

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