Crónica de Luis Alberto Ferreira
“Monsieur” Nicolas Sarkozy, o esperadíssimo candidato a ocupar de novo a Presidência de França, decidiu assumir-se como nova ameaça planetária e substituir, na função predadora e cataclísmica, os tsunamis. (Peço aos leitores que façam o maior investimento possível na vigilância interpretativa de quanto for exposto nesta crónica. Merece-o a actualidade e transcendência do tema: as mudanças climáticas e o futuro da Humanidade). Já em plena campanha – para destronar o “socialista” François Hollande – “monsieur” Sarkozy, numa fuga para o sonho ou o delírio, teve este portentoso arrebatamento: “O Homem não é o único culpado das mudanças climáticas”. Isto é, numa simulação de não querer desrespeitar os limites do admissível, mas cortejando o requinte palaciano do simbólico, “monsieur” Sarkozy evitou dizer, mais rotundo, “O Homem não é o culpado das mudanças climáticas”. (Teoria que pode ser vendida, em época de saldos intelectuais, a quem acredita que os culpados de tsunamis e mudanças climáticas só poderão ser as andorinhas ou as lagartixas). Nos lábios de “monsieur” Sarkozy, o baton ideológico de centro-direita brilha pelo “mau aspecto”. Ora, do serralheiro mecânico ao “senhor doutor” todos sabemos que tem “mau aspecto” tudo aquilo de que duvidamos. Na Europa, o “centro-direita” enquanto definição ou orientação ideológica é uma casaca larguíssima à qual se acolhem, segundo as “temperaturas”, sonegadores e malvados de vários extremos, os de extrema-direita em particular. Os centros, nas várias farsas de discurso e prática em países do “Ocidente”, dão guarida a um turbilhão de subterfúgios, falácias e contradições. No discurso de “monsieur” Nicolas Sarkozy, o Homem não aparece como sujeito de Humanidade ou Humanismo mas, de facto, como instrumento de musculução absolutista do homem – enquanto género proprietário dos diversos tempos e termos de decisão das coisas e das ocorrências.
Os estragos e devastações ambientais – fonte das evidentíssimas alterações do clima em numerosos países – exigem reflexão metódica sobre interacções históricas que nos levam às nascentes da substituição do feudalismo pelo capitalismo. E também aos efeitos do colonialismo e do racismo em África, na Ásia, nas Américas e na Austrália. A melhor explicação para a longa metragem da corrente mundial de sistemas produtivos. O capitalismo sorveu bastante do canecão do feudalismo. Tanto assim que a Revolução Industrial, em Inglaterra, e os investimentos que a propiciaram, são de facto associáveis ao então chamado imposto corrente (“currentincome”), cómodo para os futuros barões de indústria da época: os Darbys, Dales, Wilkinsons, Wedgwoods e Radcliffes. O enriquecimento anterior da burguesia feudal empanturrou-se na exploração de quem trabalhava. Na actualidade, os jornais europeus reverenciam o crescimento das vendas da Ikea “graças à China”, da Ikea que em 2017 “chegará também à Índia”. A produção e o “mercado” expansionista e selectivo não oferecem tréguas.
Contudo, o sensível cavalo da vida relincha e avisa. Dona Carla Gilberta Bruni Tedeschi Sarkozy, de origem italiana, esposa de “monsieur” Nicolas Paul Sarkozy de Nagy-Bocsa, de sangue húngaro, e ex-primeira-dama da França, galvaniza com a sua policromia curricular estas transversais conclusivas. Conhecemo-la todos como Carla Bruni, ex-modelo, cantora, compositora. Entre as suas amizades anteriores ao consórcio com “monsieur” Sarkozy contamse o “rockstar” Mick Jagger, dos Rolling Stones, e o “desconhecido” multimilionário norte-americano Donald Trump. Mais relevante para as não-convicções ecologistas do casal Sarkozy, é, porém, uma recordação datada de 2008: o encontro de Dona Carla Bruni Tedeschi Sarkozy, em representação do marido, com o Dalai Lama, expoente superlativo de uma linhagem de líderes religiosos da “escola Gelug” – e antítese imensurável do “desconhecido” Donald Trump. Poucos saberão qual haja sido o teor da eventual “troca de impressões” entre Carla Bruni Tedeschi Sarkozy e o Dalai Lama. Uma coisa se insinua: choque de “interesses” de certeza houve. A separar os interlocutores, várias coisas intransponíveis: a poluição, as formas de vida condenadas pelo naturalista norteamericano Henry David Thoureau e pelo Papa Francisco. Ou seja, tudo o que é “fast-food”, comidas à sorte, o que fere e ultraja a Natureza e dá cabo do ambiente e das nossas vidas.
Henry Thoureau, como a brasileira e sua pupila Neusa Rocha Teles, terapeuta ecologista, defendia: “Estar no mundo em coerência com o que somos e o que acreditamos, na verdade, é sempre um desafio. E tal desafio não é diferente quando reflectimos na busca espiritual dos nossos valores mais profundos”. Já vimos como a busca de “monsieur” Sarkozy consiste em isentar o Homem de culpas graúdas na mudança climática e na deterioração do que respiramos. Na madrugada de 12 de Maio deste ano, na povoação de Seseña, província de Toledo (Espanha), incendiou-se o maior cemitério de pneus da Europa. Depressa o fogo consumiu mais de 80 por cento dos 11,4 hectares ocupados pela lixeira, além de 15.000 das 80 mil toneladas de pneus ali amontoados. A tremenda nuvem tóxica obrigou à evacuação dos habitantes.
O Dalai Lama (ou o Grande Protector) cultiva o budismo, fundadoem plena conexão com a Natureza na sagrada floresta de Boddhi Gaia, lá nas alturas tibetanas. E madame Bruni Sarkozy, natural da cidade industrial de Turim, descende precisamente de família ligada à fábrica italiana de pneus CEAT. Uma casualidade... tóxica, por certo.
Na imprensa, leio: “Maurício Macri, em Buenos Aires, no mesmo recinto onde Obama dançou o tango, recebeu de 1.900 empresários de 67 países apoio entusiasta das multinacionais”. Ele que acusa o desgaste inerente às medidas impopulares. E o Papa Francisco, insensível ao tango das multinacionais, contrapõe: “Contra a escravidão do consumismo– outro modelo produtivo. Salvar o planeta, a Terra, a casa comum”.