União Africana anuncia plano para o fim da guerra na Líbia
Defendidas negociações e um novo acordo político para pôr fim ao caos e à instabilidade
O Presidente em exercício da União Africana e Chefe do Estado chadiano, Idriss Deby Itno, anunciou esta semana, em Addis Abeba, uma ambiciosa iniciativa da organização continental, em parceria com as Nações Unidas e a Liga Árabe, destinada a alcançar “uma reconciliação nacional global inclusiva” na Líbia.
A iniciativa integra os países vizinhos da Líbia e rejeita a exclusão de qualquer parte no processo político em curso no país, e baseia-se no acordo político assinado no ano passado, em Marrocos, sob os bons ofícios da ONU, afirmou Idriss Deby Itno na reunião do Comité de Alto Nível da União Africana sobre aquele país da África do Norte, realizada na capital etíope.
Na reunião, que contou com a presença de Chefes de Estado e de Governo do continente, e na qual foi abordada a crise na Líbia e os esforços para a resolver, Idriss Deby Itno disse ser intenção da União Africana reunir “todas as partes no processo político sobre a Líbia” e pediu “um novo impulso às negociações para a saída da crise institucional”.
A situação na Líbia, defendeu, “é muito complicada devido à ausência de acordo entre as partes, divisões e conflitos de interesses que dominam a conjuntura política no país”.
Relançar as negociações
A União Africana está em dívida com a Líbia. O Gabão, a Nigéria e a África do Sul, os três países do continente que integravam em 2011 o Conselho de Segurança da ONU, aprovaram a resolução 1973, que devia impor uma zona de exclusão aérea na Líbia, mas foi usada por potências ocidentais e a OTAN para justificar a invasão da Líbia e o derrube e assassinato do Presidente Muammar Kadhafi. A passividade e a inacção da União Africana na altura é até hoje motivo de vergonha para o continente.
Esta iniciativa africana é anunciada após um relatório do “thinktank” de prevenção de conflitos Internacional Crisis Group (ICG) concluir que, ou a Líbia acaba com as divisões políticas, inicia um novo processo político e novas conversações de paz, ou arrisca ver eclodir um conflito interno maior no país.
No estudo, o “think-tank” sedeado em Bruxelas defende que “poucos progressos vão ser alcançado sem envolver no diálogo os mais importantes actores armados”, ser “imperativo” reiniciar o processo de paz e conclui que o acordo de Skhirat, promovido pela ONU e as potencias ocidentais para resolver as divisões do país, “mais do que ter contribuído para solucionar conflitos internos, reconfigurou-os”.
Este acordo “não é mais aplicável nos termos em que está”, considera o IGC, que recomenda “novas negociações entre os principais actores”.
Concessões para segurança
O International Crisis Group receia a eclosão de um conflito entre as forças do marechal Khalifa Haftar, que nos últimos meses tomou os principais terminais de petróleo do leste do país, e as forças do governo líbio de unidade nacional, que a qualquer momento podem reconquistar a cidade de Sirte das mãos do Estado Islâmico.
O relatório não exclui a possibilidade de as forças do Governo líbio de unidade nacional avançar para leste para enfrentar as forças do General Khalifa Haftar, e de estas últimas avançarem para oeste, em direcção a Tripoli.
“As tentativas de aplicar o acordo sem o aval das autoridades de Tobruk e de excluir o general Khalifa Haftar devem parar. O general deve fazer parte das negociações”, defende o ICG, que sublinha a necessidade “de os dois campos fazerem concessões, sobretudo no que diz respeito à segurança”.
Fracasso de Skhirat
Antes de assinarem o acordo de Skhirat, depois de fortes pressões da comunidade internacional, representantes dos dois Parlamentos rivais da Líbia, de Tobruk, pró OTAN, e de Tripoli, tinham chegado, na Tunísia, “sem qualquer ingerência externa e pré-condições”, a um acordo político para colocar fim ao conflito que assola o país.
O “Acordo de Tunis” previa a formação de um governo de unidade nacional, a criação de uma comissão de dez membros encarregue de encontrar um primeiro-ministro consensual nacional e dois vice-primeiros-ministros, um da Câmara dos Representantes (baseada em Tobruk) e outro do Congresso Nacional Geral (em Tripoli), o retorno à antiga Constituição e a preparação de um clima propício à realização, nos próximos dois anos, de eleições legislativas.
Também previa a criação de uma comissão de dez membros (cinco da Câmara dos Representantes, de Tobruk) e cinco do Congresso Nacional Geral líbio encarregada de rever a Constituição “em conformidade com as particularidades e os interesses actuais da Líbia.
Com medo de perder influência na Líbia, a ONU e as potências ocidentais preferiram boicotar o Acordo de Tunis - rejeitaram o acordo “assinado sem mediação estrangeira” por considerar que “qualquer processo deve ser global e reconhecer o papel positivo da vizinhança, das organizações regionais e da comunidade internacional” - e deram primazia ao acordo de Skhirat, que acabou por “reconfigurar os conflitos no país”, refere o ICG.
Como resultado, a Líbia continua mergulhada na violência e no caos e sob a ameaça do Estado Islâmico e de outros grupos cinco anos após a queda e morte do Presidente Muammar Kadhafi, na sequência da chamada “primavera árabe”, apoiada pela OTAN e por potências ocidentais. O país está dividido em três grandes áreas, governadas por diferentes actores. No leste, controlado pelo general Khalifa Haftar, reina o exército nacional líbio e a tribo toubou. O antigo general de Muammar Kadhafi impõe-se na ofensiva contra o Estado Islâmico e as tropas de Tripoli, mas também no plano diplomático. O oeste é controlado pela milícia Farj Lybia, constituída pelos tuaregues e braço armado do governo de Tripoli.
Fayez Al Sarraj, primeiro-ministro do Governo de União Nacional, apoiado pela Organização das Nações Unidas, Aliança militar Atlântica e potências ocidentais, governa a parte ocidental do país, incluindo Tripoli, mas emerge um novo líder, Khalifa al Ghwei, que se instalou na sede do Governo, em Tripoli. O norte é controlado pelo Estado Islâmico.