As palavras dos poetas
Novembro, este mês que vivemos, que, “quando a chuva cai, as flores oferecem as pétalas às gotas de água”, como recordou José Luís Mendonça, em crónica recente nesta página, há-de ficar para sempre na memória angolana.
Novembro foi o mês em que Agostinho Neto anunciou “a África e ao Mundo” o nosso nascimento como país livre do jugo colonial. O mesmo que nos permitiu ouvir pela primeira vez o Hino Nacional, com letra de Manuel Rui Monteiro, outro confrade desta página, que ontem, em mais uma estória de “O Cágado e as Palavras do Silêncio”, lembrou a importância da semente e da terra, bem como a dos camponeses, também eles “combatentes para a liberdade”. Foi dos mais brilhantes e sublimes textos publicados nesta secção de opiniões, sentires, vivências.
Qualquer daquelas crónicas - a de José Luís Mendonça mais centrada em Luanda, a de Manuel Rui Monteiro no todo nacional - encerram realidades do dia-a-dia do nosso povo, que continua, no anonimato, a escrever - muitas vezes com lágrimas engolidas, quase sempre com o sorriso de quem acredita num amanhã mais justo e fraterno - capítulos com letras feitas de coragem da História de um país novo, que se pretende constantemente renovado.
A crise económica mundial, surgida na altura em que Angola registava os maiores índices de progresso, desacelerou o desenvolvimento do país, atingiu todos os sectores, mas não conseguiu travá-lo completamente. A fase crítica que vivemos não se deve, como os habituais “entendidos em tudo” querem fazer crer, ao termos ficado deitados “à sombra da bananeira” a saborear as benesses do “deus petróleo” sem procurarmos alternativa a outras fontes de receita.
Antes da crise, cuja responsabilidade jamais pode ser atribuída a Angola - ganhamos poder no mundo, mas não fazemos parte do clube dos países que o decidem a bel-prazer, sempre na defesa egoísta dos seus interesses -, já tínhamos iniciado o processo de diversificação económica, como atestam resultados de programas que se seguiram à reedificação - e construção - de infra-estruturas vitais.
Este momento de crise que vivemos prejudicou - e de que maneira - o nosso desenvolvimento enquanto país e obriga-nos a todos, sem excepção, a reflectir sobre algumas situações que ela despoletou. Para que nunca mais se possa dizer, como escreveu, com propriedade, Manuel Rui “muitos ganharam muito. Com que trabalho não sei”, mesmo que, como ele sublinhou, “meus filhos vão à escola e aprendem coisas novas, com eles inventam outras como se fossem sementes dos calos das minhas mãos”. Que José Luís Mendonça ao visitar o viveiro do Kinaxixe se encha de esperança ao ver “muitas das árvores de que Luanda tem e precisa para se renovar”, mas triste e decepcionado por o local lhe parecer um acampamento de espécies “deslocadas da guerra”, pois a devastação dos “espaços circundantes foi de tal magnitude que apenas sobrou um minúsculo gueto de flora”.
A crise económica atrasou o nosso desenvolvimento económico, mas não conseguiu tirar a força e a determinação de um povo habituado a enfrentar, e vencer, dificuldades de toda a espécie. Sem perder nunca, até em circunstâncias aparentemente intransponíveis, o sorriso de esperança que o caracteriza, mesmo quando têm de engolir raivas e lágrimas.
Neste mês de Novembro, em que comemoramos a data em que anunciámos “a África e ao Mundo” o nascimento de Angola como país liberto das amarras do colonialismo, juntemos nossas raivas, mágoas, decepções, lágrimas e transformemo-las em esperança e certezas. Para que todos nós ao sairmos de casa nos sintamos felizes, como sucede com o José Luís Mendonça ao caminhar sobre “o tapete vermelho de flores de acácia”. Ou de quaisquer outras, tenham a cor que tiverem. E continuarmos a sentir, como Manuel Rui Monteiro, que, apesar de todas as contrariedades, “afinal, mesmo assim, valeu a pena”. Uma vez mais, as palavras dos poetas convidam-nos à reflexão.