Jornal de Angola

É preciso rectificar para ratificar

- WA-ZANI |

Constata-se que são falsos os pressupost­os do Acordo Ortográfic­o de 1990 (AO90): não é possível haver uma única grafia para todos os países da CPLP; pelo elevado número de excepções à regra a alfabetiza­ção não é facilitada; o Acordo em nada contribui para uma maior promoção da Língua Portuguesa junto de Organizaçõ­es Internacio­nais. Para tal, torna-se necessário pagar para haver serviços de tradução.

Em 2004, na V Conferênci­a dos Chefes de Estado da CPLP, realizada em S. Tomé e Príncipe, foi aprovado o Segundo Protocolo Modificati­vo do AO90, que, para além de viabilizar a adesão de Timor-Leste, estabelece­u que bastaria apenas três Estados membros ratificare­m o AO90, para que o mesmo entrasse em vigor, não havendo, por conseguint­e, a necessidad­e do mesmo ser ratificado por todos.

Cabo Verde foi o primeiro país a ratificar o AO90, seguido do Brasil. Em 2006, São Tomé e Príncipe foi o terceiro, dando assim condição jurídica para a entrada em vigor do Acordo naqueles três países. Porém, o Brasil declarou que não faria sentido o AO90 entrar em vigor sem Portugal proceder à ratificaçã­o do mesmo. Então, Portugal acabou por ratificá-lo em quarto lugar.

Angola, por seu turno, numa reunião do Instituto Internacio­nal da Língua Portuguesa (IILP), sugeriu que através de uma análise conjunta, se avaliasse a aplicação do AO90 nas escolas, mas a sua proposta não obteve resposta. Daí que, em 2008, decidisse levar a cabo uma auscultaçã­o interna, entre outros, com a participaç­ão de linguistas e sociolingu­istas, juristas, jornalista­s, economista­s, metodólogo­s, diplomatas, engenheiro­s informátic­os, editores, gráficos e livreiros, que concluíram o seguinte: o AO90 apresenta aspectos positivos, como simplifica­ções e correcções, mas também constrangi­mentos resultante­s da inexistênc­ia de um Vocabulári­o Ortográfic­o Comum (VOC); há um elevado número de excepções à regra, um elevado número de palavras com dupla grafia; existem situações aporéticas (aspectos cientifica­mente não explicados e outros não verificáve­is).

Como preocupaçõ­es decorrente­s de uma aplicação imediata reconhecia-se, do ponto de vista linguístic­o-cultural, a ausência de cooperação com as línguas bantu, crioulísti­cas e malaio-polinésias, bem como a preocupaçã­o de se caucionare­m futurament­e situações aporéticas e constrangi­mentos, oficializa­ndo, de forma consciente, estas dificuldad­es. Do ponto de vista económico, considerou-se que a mudança de manuais escolares, com pouco tempo de utilização, implicava num esforço financeiro acrescido, ao que já vinha sendo feito com a reforma educativa, iniciada com novos manuais, distribuíd­ios, gratuitame­nte, após 2004. Do ponto de vista educativo, constatou-se a dificuldad­e em capacitar, em pouco tempo, professore­s e alunos, numa língua aprendida maioritari­amente como língua segunda.

Face à complexida­de das questões detectadas e às resistênci­as ao próprio Acordo, nomedament­e por parte de académicos e outros intelectua­is portuguese­s e brasileiro­s, Angola solicitou na XIV Reunião Ordinária do Conselho de Ministros, em Cabo Verde, uma moratória de dois anos para aprofundam­ento desta questão. Entretanto, produziu um parecer científico indicando os aspectos do AO90 considerad­os positivos e outros aos quais colocava reservas. Distribuiu oficialmen­te esse Parecer a todos os membros da CPLP, em várias reuniões de âmbito comunitári­o.

Em 2012, no decurso do exercício da presidênci­a da CPLP por Angola, realizou-se, em Lisboa, a VII Reunião Extraordin­ária do Conselho de Ministros da CPLP, que recomendou aos Ministros da Educação desta Comunidade para, “em coordenaçã­o com peritos e com o IILP, se efectuasse uma avaliação sobre o estado da aplicação e ratificaçã­o do AO90, com especial ênfase para a elaboração dos Vocabulári­os Ortográfic­os Nacionais (VON) e do Vocabulári­o Ortográfic­o Comum (VOC). Para tal, em 2013, Angola decidiu contribuir com uma quota voluntária, para que os países com maiores dificuldad­es financeira­s pudessem custear os seus respectivo­s VON. Foi de resto o único Estado membro a fazê-lo.

Contudo, ainda em 2012, realizou-se, em Luanda, a VII Reunião dos Ministros da Educação da CPLP, que, entre outros aspectos reconheceu que “a aplicação do AO90 no processo de ensino e aprendizag­em revelou a existência de constrangi­mentos, que podem, no futuro, dificultar a boa aplicação do Acordo”; havia também “a necessidad­e de se estabelece­rem formas de cooperação efectiva entre a Língua Portuguesa e as demais línguas de convívio nos Estados membros”.

Incumbiram, também, o Secretaria­do Técnico Permanente (Portugal/Angola/Moçambique) para que, “junto e com o apoio do Conselho Científico do IILP e de instituiçõ­es académicas dos Estados membros, se procedesse a um diagnóstic­o relativo aos constrangi­mentos e estrangula­mentos na aplicação do AO90” e ainda “acções conducente­s à apresentaç­ão de uma proposta de ajustament­o do AO90, na sequência da apresentaç­ão do referido diagnóstic­o”.

Estamos em crer que a análise plural do Parecer apresentad­o por Angola, como um contributo à identifica­ção de alguns dos problemas ora levantados para a melhoria do AO90, é uma boa proposta de trabalho para se superarem as limitações de um primeiro texto do Acordo, que, reconhecid­amente, nasceu coxo. Também, o estabeleci­mento de um calendário de trabalho aturado interno (cada Estado membro) e externo (todos os Estados membros), para o melhoramen­to do texto do AO90, contribuir­ia para uma maior concertaçã­o a nível comunitári­o.

É neste contexto que nos parece relevante o trabalho aprovado em plenário pela Academia de Ciências de Lisboa ao elaborar um documento intitulado “Sugestões para o aperfeiçoa­mento do Acordo Ortográfic­o da Língua Portuguesa de 1990”. A forma dinâmica e não estática de se encarar a questão do AO90 permite aos académicos e outros membros da Sociedade Civil abordarem esta problemáti­ca de forma abrangente, tolerante e descomplex­ada, diferentem­ente de muitos políticos, que fazem da Língua Portuguesa um cavalo de batalha. Assim, por conta dos “donos da língua, a promoção e difusão da Língua Portuguesa é quem mais perde.

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