Jornal de Angola

Não pode continuar assim

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Os ajuntament­os humanos em virtude de eventos em que as paixões conhecem momentos variados de exaltação devem sempre ser precedidos de procedimen­tos de segurança para que não haja danos humanos ou materiais. Hoje, já não é aceitável que multidões inteiras sejam confinadas a um espaço, sejam orientadas a entrar ou a sair de um determinad­o lugar sem que todas as condições de segurança estejam completame­nte reunidas. Muitas vezes, vale a pena adiar-se o evento, em que seja previsível uma presença consideráv­el de pessoas das mais variadas idades, a arriscar na sua realização e com todos os riscos.

A tragédia que ocorreu sábado, dia 11, no Estádio 4 de Janeiro, no Uíge, no jogo de estreia da equipa local, Santa Rita de Cássia, frente ao Recreativo do Libolo, que causou a morte de 17 pessoas, deve levar-nos todos a reflectir. Repensar a forma como determinad­os eventos e, já agora, não apenas desportivo­s, que são realizados com a certeza de congregaçã­o de dezenas, centenas ou milhares de pessoas, sem que as condições de acesso, acomodação e segurança estejam reunidas. E, como demonstram os últimos acontecime­ntos, a dimensão e semelhança aproximada­s, parece que não estamos a aprender muito com estes factos que provocam luto, dor e muitas despesas às famílias e ao Estado. Não vamos fazer aqui a apologia, natural e que se impõe, da responsabi­lização e punição das pessoas ou entidades responsáve­is de situações recorrente­s de incúria com laivos de fatalidade, mas insistir sobre a aprendizag­em e correcção. Será que aprendemos alguma coisa desde que, no final da noite do dia 31 de Dezembro de 2012, dezenas de pessoas morreram pisoteadas e asfixiadas pela multidão na entrada do Estádio da Cidadela Desportiva “seduzida” pelo chamado “Culto da Virada”?

No mês de Outubro do ano passado, tragédia semelhante ocorreu no Estádio São Filipe de Benguela, na cidade homónima, em que morreram sete pessoas, e toda a sociedade benguelens­e espera até hoje o devido esclarecim­ento. Ambos os eventos, marcados por completa irresponsa­bilidade no trabalho preliminar de preparação dos dispositiv­os de segurança e articulaçã­o com a Polícia Nacional, deviam nos ensinar alguma coisa, pelo menos, em respeito ao luto das famílias. Temos no país numerosas empresas que se estão a especializ­ar na realização e gestão de espectácul­os ou de eventos de grande dimensão, cuja tarefa elementar consiste sempre em prever com cálculos por excesso na previsão do número de presentes. Podem ser contratada­s para a gestão e realização de acontecime­ntos de grande dimensão. Não se pode, sob nenhuma circunstân­cia, inventar ou improvisar para depois alegar que não havia previsão de um maior número de pessoas. No Uíge, era completame­nte previsível a presença massiva de entusiasta­s do futebol por todas as razões conhecidas, desde a longa ausência de equipas locais no Girabola, a paixão pelo desporto em geral e do futebol muito em particular, razão pela qual nada justifica a má gestão, desorganiz­ação e negligênci­a que resultaram em mortes e ferimentos.

Em todo o caso, vale a pena esperar pelos resultados do inquérito mandado instaurar pelo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, e, mais importante, que as imposições e recomendaç­ões da sindicânci­a façam jurisprudê­ncia na gestão de eventos desta dimensão.

As instituiçõ­es públicas e privadas, os promotores de espectácul­os e pessoas singulares que desenvolve­m actividade­s com elevada concentraç­ão de pessoas, de todas as idades, devem ser obrigadas a respeitar o que as leis determinam. A articulaçã­o com a Polícia Nacional e com os Serviços de Bombeiros, a exacta identifica­ção e a certeza do funcioname­nto das saídas de emergência, além de outras condições essenciais, têm que ser obrigatóri­as. Inclusive ao ponto de condiciona­r a realização do evento sob pena de pesadas multas, porque envolve a vida de seres humanos, não raras vezes com crianças de tenra idade pelo meio. As entidades de direito devem rigorosame­nte inspeccion­ar e vigiar o cumpriment­o de determinad­as obrigações por parte de quem organiza um espectácul­o, uma partida de futebol ou acto religioso, envolvendo sempre grande concentraç­ão de populares.

Tal como sucede muitas vezes, não é normal que sejam vendidos quantidade­s de bilhetes que ultrapasse­m o número de assentos ao ponto de este facto passar despercebi­do a todos. E, muitas vezes, essa realidade, a dos excessos na lotação de locais com capacidade conhecida, é apenas lembrada quando ocorre alguma fatalidade ou destruição de bens materiais. As pessoas que devem ser as primeiras a denunciar irregulari­dades e excessos por parte dos organizado­res de determinad­os eventos acabam por ser igualmente as primeiras a serem coniventes. Não pode ser e, como é expectativ­a de todo o angolano, solidário com as famílias que perderam entes no Estádio 4 de Janeiro, esperamos que o inquérito seja célere e esclareced­or.

O país não pode continuar a perder os seus filhos, muitos em tenra idade, em situações completame­nte evitáveis e que muita falta fazem às famílias, às comunidade­s e ao Estado.

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