Tragédia do Uíge deixa lições de vida
LUTO NO INÍCIO DO GIRABOLA Atacar as causas para evitar a repetição de efeitos devastadores
Logo no arranque da primeira jornada, o Girabola ZAP mereceu destaque em todo o universo futebolístico, infelizmente pelos piores motivos. A morte de 17 pessoas no Estádio Municipal 4 de Janeiro, no Uíge, durante o jogo entre o Santa Rita de Cássia e o Recreativo do Libolo, despertou a solidariedade das mais diversas entidades do futebol e não só.
O efeito devastador de uma tragédia dessas proporções toca fundo na alma de um povo que revive ainda as agruras da guerra, com feridas ainda por sarar.
De mais a mais, a morte assomou o estádio, local destinado à festa do futebol e onde os cidadãos buscam a alegria e o entretenimento.
Nesta hora de chorar os mortos, dar a melhor assistência aos feridos e recuperar psicologicamente os que sobreviveram, a dor não se deve sobrepor à razão. Insensato seria estarmos em demasia, fixados no efeito da tragédia e permitir que a perda tolde os espíritos, deixando de lado a razão.
Pela lei natural da vida, urge seguir adiante. E, fazê-lo, implica invariavelmente reflectir e analisar de forma séria, as causas do infortúnio. No passado recente, encontramos outros eventos ligados ao entretenimento ou a cultos religiosos, em estádios, que terminaram com elevado número de perdas humanas.
A 31 de Dezembro de 2012, numa vigília organizada pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), na Cidadela Desportiva, em Luanda, 13 pessoas morreram e mais de cem ficaram feridas. O acto religioso denominado o “Dia do Fim” representou o derradeiro sopro de vida, para mais de uma dezena de cidadãos e deixou a nu o perigo à espreita, quando o assunto é segurança nos estádios.
Outubro de 2016 testemunhou, uma vez mais, a perda de vidas em circunstâncias semelhantes, desta vez em Benguela. Oito pessoas morreram e 40 ficaram feridas, no estádio de S. Filipe, no primeiro festival Afro Music Channel. O recinto tem capacidade para oito mil pessoas mas, segundo informações postas a circular, foram vendidos perto de 15 mil bilhetes. Em qualquer dos casos, tal como na tragédia do Uíge, a gestão dos acessos trouxe problemas acrescidos, com desfecho fatídico. Seguramente, os inspectores indicados pela Federação Angolana de Futebol têm noção da adesão do público aos jogos do Girabola ZAP. Financiado pela Sonangol, o estádio 4 de Janeiro foi construído pela empresa ZITAC e tem capacidade para 12 mil espectadores. Um número reduzido, tendo em conta a demanda habitual dos jogos desta competição. Esses e outros aspectos deveriam ter sido acautelados muito antes do arranque da prova.
Uma medida preventiva importante seria a venda atempada dos bilhetes e o rigor absoluto na hora de permitir o acesso do público ao estádio. Mesmo que as entradas sejam gratuitas, deve haver bilhetes, cuja contabilidade fornece dados indispensáveis, sobre o número de pessoas presentes no recinto. Portanto, em espectáculos desta dimensão, os ingressos não são instrumentos facultativos, mas sim ferramentas essenciais. Embora necessários, os inquéritos em curso, tal como aconteceu nas outras tragédias, podem significar apenas “chuva em terreno molhado”, caso o foco seja apenas aquilo que sucedeu na província mais a norte do país, no primeiro jogo do Girabola. Os efeitos da falta de segurança estão à vista e são devastadores.
A solução que representa ao mesmo tempo a preservação de vidas humanas, está também à mão de semear. Consiste em atacar as causas, de forma pragmática, sem facilitismos de espécie alguma, pois o preço a pagar é, sem mais nem menos, o mais alto que existe: a vida humana.