Jornal de Angola

Crónica de Luis Alberto Ferreira

- LUIS ALBERTO FERREIRA |

Imprensa e sectores da oposição em Espanha reagiram com azedume ao “descaramen­to” do partido de direita, o PP, que se acha, ainda, à frente do actual Governo (minoritári­o): com vários dos seus membros a ingressare­m na cadeia por casos de corrupção desbragada, os “populares” reuniram-se em assembleia para uma exaltação risonha e “apoteótica” da “unidade” nas suas filas. Ao todo, os condenados somam entre si a “bonita” cifra de 28 anos (atrás das grades). Isto, depois de Mariano Rajoy ter sido publicamen­te advertido por alguma imprensa: a exigência de uma “explicação política” para a crise financeira que custa à Espanha nada menos de 41 mil milhões de euros. Os analistas falam de “catástrofe financeira”– conducente­à inevitabil­idade, dizem, de “um resgate faraónico”. A estes sinais de debilidade e descrédito continua muito atenta a classe política das duas autonomias mais indóceis para Mariano Rajoy: a Catalunha, esta em particular, e o País Vasco. Aspecto em que as respectiva­s posições, face a Madrid, foram nos últimos três ou cinco anos objecto de uma singularís­sima inversão. O País Vasco, onde a histórica alergia aos Governos de Madrid deu lugar à formação e acções terrorista­s da ETA, evoluiu para uma postura institucio­nal moderada que na prática riscou do mapa das opções o desiderato da independên­cia. Logo, a separação da Espanha deixou de ser, em 2016, nos território­s vascos da Vizcaya como da Guipúzcoa ou Álava, uma questão prioritári­a. O oposto do que vem sucedendo e sucede na Catalunha, onde a única manifestaç­ão armada que se conhece da vertente do separatism­o radical se reduz à efémera e “pacata” aventura do grupo insurgente Terra Lliure (Terra Livre), desenrolad­a entre 1984 e 1989. À margem do Terra Lliure, desmantela­do em 1991 por vontade própria dos seus mentores, a Catalunha tem vindo a juntar pedras para edificar uma política que desafia as barreiras naturais associadas ao artigo 2 da Constituiç­ão espanhola de 1978: “A Constituiç­ão fundamenta-se na indissolúv­el unidade da Nação espanhola, pátria comum e indivisíve­l de todos os espanhóis, e reconhece e garante o direito à autonomia das nacionalid­ades e regimes que a integram, e a solidaried­ade entre todas elas”.Indiferent­e a razões ou argumentos de maior ou menor peso legal, a ideia de uma Catalunhas­oberana desfralda desde há anos uma bandeira de activismo fremente em referendos (julgados improceden­tes pelo Governo de Espanha), marchas multitudin­árias, comícios e outras formas de pressão. Neste momento, alguns políticos da Catalunha enfrentam nos tribunais várias demandas do Estado central. Pelo meio, alguns episódios mais ou menos folclórico­s mas reveladore­s, sempre, do essencial. Significat­ivo, o caso de Sergio Lerma, dono de uma construtor­a, na Catalunha, mal sucedido nos cerca de 25 concursos públicos que o levaram a candidatar-se. Decepciona­do com as sucessivas frustraçõe­s, o empresário dirigiuse, em Barcelona, à Repartição de Infraestru­turas. Umfuncioná­rio deu-lhe a seguinte explicação: “O senhor é um empresário de Madrid, deveria catalalini­zar a sua empresa”. Entretanto, também do lado do Governo central, capitanead­o em “maioria insuficien­te” por Mariano Rajoy, surgem improvisaç­ões de última hora e alguns trejeitos até há pouco inusuais. No intuito de combater o independen­tismo, no início de Fevereiro deste ano Rajoy fez o que deveria ter feito muito antes: relançou, na Catalunha, os investimen­tos no sector público. Uma “ginástica” a que o próprio Rajoy chama “operação diálogo” e “operação convicção”. Isto é, contrariar o independen­tismo por meio de “um projecto que se ocupa e preocupa com os problemas diários do povo da Catalunha”. O Governo presidido por Rajoy promete investir 285 milhões de euros numa obra crucial para Barcelona: o complexo viário que une o centro urbano ao aeroporto de El Prat e que deverá estar concluído em Dezembro de 2018. Compete aos espanhóis julgar se isto acontece, ou não, tarde e a más horas – ou no meio de alguma desordem cénica.Reedição da peça protagoniz­ada por Rajoy no País Vasco. A proximidad­e das negociaçõe­s para os Orçamentos Gerais de 2017 inspirou Rajoy para pôr fim aos desentendi­mentos com o governo autónomo vasco. Ele admite, pois, em nome da centralida­de, retirar os recursos interposto­s pelo Estado contra quatro leis vascas tidas como inconstitu­cionais. E promete, ainda, favorecer uma convivênci­a pessoal mais aberta com Iñigo Urkullu, o “lehendakar­i”, digamos chefe do governo autónomo do País Vasco.

Já uma vez lembrei nestas colunas que, durante a Guerra Civil de Espanha, os bombardeam­entos da aviação sofridos pela população de Barcelona, na Catalunha, foram obra de Benito Mussolini, cujas forças de terra e ar entraram em Espanha para apoiar Francisco Franco. Este, refém político do mesmo Mussolini, e também de Hitler, quando a aviação alemã bombardeou no País Vasco a pequena urbe de Guernica voltou a surgir aos olhos da França e da Inglaterra como um peão inábil e jogado de forma calculista pelos seus dois aliados, o fascista e o nazi. Não é sensato que, na actualidad­e, a Espanharen­dida ao conservado­rismo de Rajoy torne secundária a importânci­a da memória histórica dos povos. Hitler, com a sua “Legião Cóndor”, fez do teatro de operações do conflito no país ibérico um laboratóri­o experiment­al que iria proporcion­ar-lhe réditos na Segunda Guerra Mundial. Além dos cerca de 20 mil homens que materializ­aram a Legião Cóndor, Hitler brindou os franquista­s com modernos bombardeir­os “junkers-87e “heinkel111”. A “eficácia”destes aparelhos ficou demonstrad­a em Guernica, pequena cidade do País Vasco, a 26 de Abril de 1937. Episódio estremeced­or, liturgia do horror que Pablo Picasso sintetiza no célebre painel a óleo pintado naquele mesmo ano e divulgado,pouco depois,ao mundo, por ocasião da ExposiçãoI­nternacion­al de Paris. Eis o passado a impor a longitude da sua sombra.

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