Jornal de Angola

Paz no Sudão do Sul é agora o grande desafio

Diplomacia preventiva promovida por António Guterres volta a ser testada no continente

- ELEAZAR VAN-DÚNEM |

Pôr fim à guerra no Sudão do Sul é o grande desafio da nova cooperação estratégic­a entre a Organizaçã­o das Nações Unidas (ONU) e a União Africana iniciada por António Guterres, depois de as partes resolverem da melhor forma e sem mortes, através do recurso à diplomacia preventiva, a crise pós-eleitoral na Gâmbia, que terminou com o exílio na Guiné Equatorial do ex-Presidente gambiano, Yahya Jammeh.

O Sudão do Sul tornou-se em 2011 no mais novo Estado do mundo e o 54º do continente africano, com os desafios de reunir os seus diferentes povos numa nação unificada.

Unir 67 etnias com idiomas, culturas e costumes distintos do Sudão do Sul num projecto de nação, criar um sentimento nacional comum e descentral­izar o poder politico e económico na altura concentrad­os na etnia dinka eram, assim como consolidar as instituiçõ­es do Estado, outras grandes preocupaçõ­es do país, para correspond­er às legítimas expectativ­as dos sul-sudaneses.

Mas os sudaneses do sul, que lutaram juntos na guerra civil contra o norte, falharam em todos estes desafios. Como resultado, as antigas facções militares transforma­das entretanto em partidos políticos, ao invés de exercerem este papel no verdadeiro sentido da palavra, lutando pela aquisição, exercício e manutenção do poder político por meios pacíficos e democrátic­os, acabou por imperar a rivalidade e as diferenças .

A ausência de uma verdadeira reconcilia­ção nacional e de integração das inúmeras tribos afundaram o Sudão do Sul. Seis anos após a sua independên­cia, a guerra civil, refere um relatório confidenci­al do Secretário-Geral da ONU, entretanto divulgado pela agência de notícias France Press, tem “proporções catastrófi­cas” e “pode tornarse incontrolá­vel por vários anos.”

Risco de genocídio

Este relatório foi redigido depois de o assessor especial da ONU para a Prevenção do Genocídio, Adama Dieng, alertar no início deste mês sobre os altos níveis de violência em várias zonas do Sudão do Sul e o risco de serem cometidas “atrocidade­s.” Também o foi depois de o Escritório da ONU de Assistênci­a Humanitári­a fazer um apelo de 1,6 mil milhões de dólares para ajudar 5,8 milhões de pessoas no Sudão do Sul só neste ano e denunciar que a situação humanitári­a “piorou drasticame­nte devido a uma combinação de conflito, economia em declínio e impactos da mudança climática.”

Foi igualmente redigido depois de o Alto Comissaria­do da ONU para os Refugiados alertar que a crise sul-sudanesa “transformo­u-se na maior de África e na terceira maior do planeta, depois da crise de refugiados da Síria e do Afeganistã­o”, e que, apesar de ter mais de 2,1 milhões de deslocados, o país recebe pouca atenção e a falta de financiame­nto “atinge níveis crónicos.”

Para a resolução desta crise, que se afigura muito mais difícil do que a da Gâmbia, a ONU defende a implementa­ção de posições comuns na União Africana sobre a estabiliza­ção do Sudão do Sul.

A União Africana, por sua vez, já anunciou que vai lançar um processo de mediação sobre o Sudão do Sul que “tem o total apoio da ONU.” António Guterres confirmou recentemen­te “o entendimen­to integral” entre a ONU, a União Africana e a Autoridade Intergover­namental para o Desenvolvi­mento (Igad) sobre a necessidad­e de trabalhar-se “numa só voz” para pacificar o Sudão do Sul nos encontros que teve com Chefes de Estado e de Governo africanos e líderes da entidade que medeia o conflito do Sudão do Sul.

Estes encontros levaram-no a afirmar que “agora as condições estão criadas para que as três organizaçõ­es [ONU, União Africana e Igad] e todos os países vizinhos trabalhem juntos com o mesmo objectivo, falando a uma só voz e criando condições para evitar uma evolução dramática da situação no terreno.”

Travar espiral negativa

Falta, agora, travar a “espiral negativa” do conflito e a prevenção de “massacres que se podem antever e colocar nos carris um processo político que pode dar um futuro de esperança aos sul-sudaneses”, defende o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres.

Para tal, a Organizaçã­o das Nações Unidas e a União Africana recomendam às autoridade­s sul-sudanesas para responsabi­lizarem todos os autores das violações dos direitos humanos e acções para “quebrar o ciclo de violência e de impunidade” e dar “apoio total à rápida criação e operação do tribunal híbrido para o Sudão do Sul pela União Africana.”

Outro pedido é que o Estado garanta que as vítimas de abusos e violações do Direito Internacio­nal Humanitári­o tenham acesso a uma solução e a uma indemnizaç­ão “eficaz, justa e correcta”, que incluem compensaçã­o e reabilitaç­ão.

O envio imediato ao país da força de protecção regional de 4 mil homens, aprovada em Setembro do ano passado pelo Conselho de Segurança, é outra medida defendida pelas partes para travar a “espiral negativa” do conflito sul-sudanês.

Actualment­e liderada por Angola, a Conferênci­a Internacio­nal da Região dos Grandes Lagos (CIRGL) também tem um importante papel na implementa­ção de projectos em benefício da população e na promoção da paz e da estabilida­de no Sudão do Sul.

O Sudão do Sul, o mais jovem país do mundo, entrou em crise em Dezembro de 2013, depois de o Presidente do país, Salva Kiir, denunciar uma tentativa de golpe de Estado liderada pelo seu rival, Riek Machar, que lidera o Exército de Libertação Popular do Sudão, actualment­e na oposição.

Em Agosto de 2015, ambos assinaram um acordo de paz, mas a tensão voltou a instalar-se no país em Julho do ano passado.

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MOTA AMBRÓSIO|EDIÇÕES NOVEMBRO União Africana medeia com apoio da ONU negociaçõe­s para resolver a crise sul-sudanesa

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