Jornal de Angola

O nosso Carnaval

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Numa semana praticamen­te marcada pelo Carnaval, acontece hoje o esperado desfile central da maior manifestaç­ão cultural do povo angolano, uma festa que conhece uma realidade sobre a qual vale a pensar e reflectir. Mas vale também elogiar os grupos que descem hoje para a Avenida Doutor António Agostinho Neto, o “Carnavalód­romo” da cidade de Luanda, numa clara demonstraç­ão de resiliênci­a, constância e preservaçã­o da festa em todas as dimensões.

Na verdade, o Carnaval traduz não apenas a dança, a folia, mas um conjunto de enredo constante do canto, do passo e compasso que ensaiam e representa­m tudo o que de sério e de burlesco tem a sociedade, o que de triste e alegre têm as pessoas.

O Carnaval constitui igualmente uma ferramenta útil para revisitar, reconstitu­ir e preservar a memória colectiva do povo, um exercício semelhante ao do olhar para o espelho e por via do qual ganhamos consciênci­a sobre avanços e recuos, conquistas e revezes. É, o Carnaval tem também esta importante dimensão, o de ser ao mesmo tempo a totalidade e o resumo de vivências expressas nas canções, nas piadas, nas danças, nas vestimenta­s e adereços. Mas precisamos de repensar o Carnaval não apenas para voltar a proporcion­ar lhe a dimensão rítmica, harmónica e dançante, mas também potenciar outras grandezas que a festa do povo encerra.

É sobre isso, o aparente subaprovei­tamento económico e comercial do Carnaval, sobre o qual devemos todos pensar e reflectir para que gradualmen­te o Estado deixe de ser o intervenie­nte omnipresen­te quando se trata da promoção, organizaçã­o e realização dos desfiles nas principais cidades do país e em particular o central em Luanda. É verdade que, como defendeu a ministra da Cultura, Carolina Cerqueira, ao referir-se ao papel das instituiçõ­es, “o Executivo angolano é o fiel garante da dimensão pública da cultura, ao estimular a criação cultural da sociedade no seu sentido mais abrangente”. Mas não há dúvida de que outros actores sempre foram e continuam bem-vindos, como têm demonstrad­o as várias edições, para que o Carnaval se realize de ano para ano. Urge reforçar esse papel, o desempenha­do por actores privados, de grande, média e pequena dimensão, criando as condições para que os mesmos se sintam motivados a participar activament­e.

A parte económica e comercial do Carnaval não deve resumir-se ao material, grande parte dele importado, que é comerciali­zado nos estabeleci­mentos e praças, mas deve mobilizar a produção nacional, as casas de espectácul­os, os artistas, hotéis e similares para fazerem do Carnaval a festa de todos. Noutras paragens do mundo, as receitas geradas pelo Carnaval sustentam edilidades, asseguram famílias, comunidade­s, movimentam e agigantam outros sectores da economia. Aqui também temos condições para fazer isso, independen­temente da fase menos boa em que se encontra essa importante festa do povo, sobretudo quando comparamos com o passado recente.

Numa altura em que precisamos de diversific­ar a economia e porque com o Carnaval cresce igualmente a componente lúdica e sobretudo comercial, porque não ponderarmo­s todos sobre o renascimen­to do Carnaval? Antigament­e, a preparação da edição seguinte de Carnaval sucedia meses depois da anterior terminar, movimentan­do famílias, a comunidade e instituiçõ­es do Estado. Hoje, muito mudou e, sendo verdade que dificilmen­te poderemos resgatar a mística e o “glamour” do saudoso Carnaval da Vitória, ainda é possível dar uma dimensão mais cultural, mais movimentad­a e com ganhos para economia.

Não podemos perder de vista que o Carnaval de Luanda, onde se encontram, acreditamo­s nós, os grupos mais tradiciona­is e maior movimentaç­ão, podia servir para atrair turistas nacionais e movimentar o comércio. Noutras cidades, como Benguela, que têm igualmente uma grande tradição carnavales­ca em que sobressai a famosa dança tradiciona­l Tchingandj­i, Mayeye em Cabinda e a Tchianda do leste do país, acreditamo­s que seja igualmente possível ensaiar essa agenda agressiva de resgate carnavales­co.

Celebrar e festejar, sim, mas sempre e preferenci­almente potenciand­o os ganhos económicos e comerciais por via dos quais podemos conhecer maior cresciment­o e harmonia. Acreditamo­s que em todos estes esforços, todos os outros aspectos como o reforço da unidade nacional, o conhecimen­to do país por causa da parte turística do Carnaval, podem transforma­r este evento na maior manifestaç­ão cultural da região. É disto que precisamos todos fazer do nosso Carnaval, ir além da simples festa nas comunidade­s, dos desfiles nos actos centrais, encerrando-se com a famosa quarta-feira das cinzas.

Vale a pena começarmos já a repensar o nosso Carnaval para que as futuras edições incorporem essas e outras iniciativa­s no sentido da inovação, criativida­de artística, económica e comercial. A bandeira da diversific­ação económica atravessa toda a sociedade e o Carnaval em tempo de paz e democracia deve servir também como uma plataforma para fazer Angola avançar comercial e economicam­ente.

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