“Show do Mês” com Aline Frazão
Promotora Nova Energia assume a defesa da dignidade dos músicos angolanos
O Show do Mês da Nova Energia entra hoje na quarta temporada. Aline Frazão, a voz doce de Angola que viaja pelo Mundo, foi a escolha da promotora para as duas noites de concerto intimista no Royal Plaza Hotel, em Talatona. No balanço de três anos da programação de espectáculos musicais que mensalmente preenche a agenda cultural de Luanda, o empresário Yuri Simão explica o conceito distinguido com o prémio Show do Ano pela festa dos 40 anos de carreira de Eduardo Paim, no Centro de Conferências de Belas (CCB), na última gala da Rádio Luanda.
Jornal de Angola - Que balanço faz da terceira temporada do Show do Mês?
Yuri Simão - O balanço da terceira temporada é positivo. Achamos que conseguimos consolidar o projecto, para ser hoje a agenda cultural de vários públicos e a transformação do público em “showistas”. Em três anos de existência, o Show do Mês é febre de cultura, para satisfação do público entusiasta, que pela frequência começa a passar de fã para sócio do projecto, tendo por trás uma máquina de colaboradores comprometidos com pontualidade, eficiência e qualidade.
Jornal de Angola - Como explica o facto do Show do Mês ter completado três anos de grande sucesso, quando esteve à beira do fim na transição da primeira para a segunda temporada?
Yuri Simão - Penso que o facto de se ter mantido fiel, o Show do Mês é garantia da empatia com o seu público. Esta terceira temporada permitiu demonstrar novamente que o show não é o nome do artista, nem o cartaz, mas sim a concepção do espectáculo. Nisso conseguimos trabalhar bem.
Jornal de Angola - O sucesso em projectos do género é associado à riqueza. A marca de 22 concertos pode representar aumento das receitas?
Yuri Simão - O sucesso das produções nem sempre se traduz em lucros. Um show como o Show do Mês, que prima pela qualidade dos músicos, com conceito de luz e som, onde o artista apenas vai cantar e os instrumentistas são contratados pela produção, fez com que as produções ali criadas (Angola 70, Eduardo Paim ou Show Piô) pudessem sair do Hotel Plaza e crescer. Isso, sim, nos faz crer num bom trabalho de continuidade e rigor. Fazer com a qualidade de ser o único show periódico, onde o cartaz é tratado com dignidade. É hoje o maior espólio de música de Angola ao vivo em HD na Internet, fruto das transmissões em directo dos concertos. Os custos são grandes e, dificilmente, constituem receitas, pois ainda continuamos a fazer produtos culturais.
Jornal de Angola - De que forma se consegue retorno num mercado de produtos culturais, quando a variedade da oferta é algo limitada em comparação com a procura?
Yuri Simão - Sem cultura, a liberdade relativa que ela pressupõe, a sociedade, por mais perfeita que seja, não passa de uma selva. É por isso, disse Albert Camus, que toda a criação autêntica é um dom para o futuro. Não se pode ter receitas e nem contar com elas. O Show do Mês sobrevive em 60 por cento dos patrocinadores e apoios de amigos;
o restante provêm da bilheteira. Na terceira temporada, fizemos a nossa primeira viagem, trazendo Boy Ge Mendes. Os custos foram altos, mas possíveis, pois era preciso, de angolanos para angolanos, fazer um show internacional.
Jornal de Angola - Quais os critérios utilizados para a escolha dos músicos?
Yuri Simão - Um dos principais critérios é o músico ter uma obra consolidada. Mas também damos espaço a talentos como Irina Vasconcelos, Gari Sinedima, os Lirikus ou Kyaku Kyadaff. Navegamos por gerações marcantes da música angolana.
Jornal de Angola - O Show do Mês tem-se evidenciado como uma família. Pode ser, por isso, considerado um projecto elitista?
Yuri Simão - O Show do Mês é de angolanos para angolanos, com angolanos, cubanos e portugueses a tocar e cantar com músicos de várias latitudes, sem zonas “vipíssimas”. É uma família que se junta no final do mês para ser “showista”, com ingressos acessíveis. Não consideramos elitista.
Jornal de Angola - A Nova Energia actua como empresa que visa o lucro ou apenas como mecenas cultural?
Yuri Simão - A Nova Energia é uma empresa comprometida com os seus parceiros e funcionários, bem como o Estado no que toca aos impostos. Claro que queremos ter lucros, mas temos paciência. Não nos cingimos ao Show do Mês. Temos outros produtos e clientes. Mas, em relação ao Show do Mês, somos uma produtora e não um mecenas da cultura. Apenas damos o nosso modesto contributo.
Jornal de Angola - Quanto custa em média fazer uma noite intimista no Royal Plaza?
Yuri Simão - Nunca tivemos medo de falar em números. Custa perto de 14 milhões de kwanzas produzir o Show do Mês.
Jornal de Angola - A fama do conceito dá prestígio aos organizadores e ao mesmo tempo um frio na barriga aos músicos. É assim?
Yuri Simão - Ainda é o show que abre com as cortinas fechadas e, em três anos, nunca atrasámos. Esse é o nosso prestígio e satisfação.
Jornal de Angola - Em que momento respira de satisfação e sente que o trabalho está a correr bem?
Yuri Simão - Quando as cortinas se fecham e o público parece querer mais. Aí, sim, a gente faz a festa.
Jornal de Angola - Trabalhar com a mulher também explica o sucesso do Show do Mês?
Yuri Simão - Não trabalho com a minha mulher. Trabalho com a minha sócia, uma grande profissional. É para mim a melhor directora de palco em Angola.
Jornal de Angola - Numa temporada de espectáculos, resta tempo para o casal?
Yuri Simão - Vamos gerindo, pois é complicado. Mas quando se faz o que se gosta, sobra tempo para o Yuan, o nosso filho.
Jornal de Angola - Falam de trabalho no ambiente familiar?
Yuri Simão - Sim, falamos muito. Produzir um show mensal é viver constantemente o assunto e os detalhes. Não há como fugir.
Jornal de Angola - Nas negociações com os músicos, apresenta uma proposta ou pede orçamento?
Yuri Simão - Costumo dizer que aos músicos não se fazem exigências. A gente fecha logo os contratos.
Jornal de Angola - Que músico lhe deu mais trabalho para chegar a acordo?
Yuri Simão - O Euclides da Lomba foi o mais difícil de “fechar”. A Yola Semedo apresentou muitas questões relativas aos patrocinadores que ela representa.
Jornal de Angola - Muda alguma coisa quando trabalha com os músicos consagrados em comparação com os emergentes?
Yuri Simão - Depende dos artistas. Há músicos novos que são tão velhos no pensamento e profissionalismo como a outra geração. Mas há músicos e músicos. Os mais velhos precisam de atenção e dedicação. É uma paixão trabalhar com a geração de 70. Na verdade, o importante é eles perceberem o conceito e filosofia do Show do Mês.
Jornal de Angola - A comunicação tem sido a chave do êxito do Show do Mês. Sente-se limitado quando fica sem acesso às redes sociais na semana dos concertos?
Yuri Simão - Sim, sinto. A comunicação do showbiz mudou. E mudou muito. Hoje utiliza-se muito mais as redes sociais para comunicar. O Show do Mês implementou um “modus operandi” diferente. Os ensaios são filmados e publicados; os ingressos são “postados”. Isso é bom. O Show do Mês nunca usou a televisão para publicidade.
Jornal de Angola - Fica a impressão que conhece cada “showistas” pelo nome. Receber os convivas à porta faz parte do conceito?
Yuri Simão - Conheço muitos. Outros fui conhecendo. O Show do Mês junta pessoas e faz famílias. Olha o Movimento Regressa...
Jornal de Angola - Tem segredos que esconde de outros promotores?
Yuri Simão - Todos temos o nosso toque. Não chamo segredos. A Nova Energia tem boas relações com todos.
Jornal de Angola - Recebem sem reservas a concorrência nos vossos espectáculos?
Yuri Simão - Recebemos e fazemos questão disso. Sempre convidamos as empresas e promotores a virem. Os produtores dos artistas que sobem ao palco são também convidados. Penso que, se todos pudermos padronizar os espectáculos, a cultura vai agradecer.
Jornal de Angola - Como analisa o mercado e a relação entre os músicos?
Yuri Simão - O mercado está como o país. Expectante. Mas penso que todos temos de pôr os pés no chão. Se os produtores não tiverem margem de lucro, quem vai ficar sem trabalho são os músicos. Por isso, prevejo um novo movimento migratório dos músicos. Isso será mau para o mercado. Há músicos já a residir fora de Angola por falta de trabalho aqui. Se continuarem a pensar que os produtores vão pagar ao câmbio do Mártires de Kifangondo será o fim. Os cachês têm de descer, pois nem o público tem mais do que já paga para os ver cantar.
Jornal de Angola - Nas negociações com os músicos afasta a figura do agente?
Yuri Simão - Não afastamos, mas nunca negociamos sem que o músico perceba o nosso conceito de show. De preferência, tem de ir a um Show do Mês para ver como a máquina funciona e perceber o conceito.
Jornal de Angola - A sala do Royal Plaza começa a ser pequena para a “família” do Show do Mês, que cresce a cada concerto...
Yuri Simão - O Show do Mês é no Royal Plaza. Quem vai, vai... Não há nenhuma intenção de mudar de sala. Temos a noção de que começa a ser pequena. Também sabemos que há shows que deveriam ser em lugares maiores, mas é lá que o conceito se encaixa. DR