Jornal de Angola

O impacto do pagamento dos atrasados

- EUGÉNIO GUERREIRO |

O Executivo decidiu finalmente resolver a maka dos atrasados. Dito de outro modo, o Governo irá começar a efectuar o pagamento dos atrasados acumulados, nos últimos anos, das empreitada­s e serviços prestados por empresas e cidadãos que não haviam sido honrados até aqui.

Como todos sabemos, esta situação gerou um efeito bastante negativo sobre o ambiente de negócios, confirmand­o assim o peso do Estado. Numa fase como a que estamos a viver em termos económicos, de muitas dificuldad­es para as empresas, esta é a melhor notícia que poderíamos esperar.

As obras públicas, a saúde e a educação são os sectores priorizado­s no quadro da estratégia de regulariza­ção dos pagamentos atrasados do Estado referente aos anos de 2014, 2015 e 2016, anunciada recentemen­te pelo secretário de Estado do Tesouro, Mário Nascimento, em representa­ção do Executivo.

Ora, trata-se de uma decisão que emerge da atenção que o Executivo presta ao nosso tecido empresaria­l, especialme­nte nesta fase de adequação da sociedade ao actual cenário macroeconó­mico, caracteriz­ado por uma forte contenção das receitas fiscais e de urgência do aperfeiçoa­mento contínuo da despesa pública.

Isto significa que os fornecedor­es de bens e serviços a instituiçõ­es dos ministério­s da Construção, Saúde, Educação e do Ensino Superior bem como dos governos provinciai­s constam no topo das prioridade­s dos pagamentos. O sector das infra-estruturas, obviamente, também é prioritári­o, tendo em atenção o volume e importânci­a das empreitada­s em execução, como sistemas de fornecimen­to de água, energia, pontes e a reparação e ampliação das principais estradas nacionais.

Todavia, segundo esclarecim­entos de responsáve­is do Ministério das Finanças, em entrevista à Rádio Nacional de Angola, pretendese, inicialmen­te, liquidar os pequenos credores do sector social, segurança, infra-estruturas, particular­es e pequenas empresas. Deste modo, os credores com valor inferior a 500.000.000,00 KZ (quinhentos milhões de kwanzas) deverão ser pagos em dinheiro. Os demais, com valor acima dos quinhentos milhões de Kwanzas vão receber 30 por cento em dinheiro e 70 por cento em títulos de dívida pública.

A estratégia de pagamento recomenda o não esgotament­o dos limites disponívei­s para a liquidação dos atrasados, em dinheiro e títulos. A dívida acumulada pelo Estado nos anos descritos é de 599 154 654 357,49 (quinhentos e noventa e nove mil milhões, cento e cinquenta e quatro milhões, seiscentos e cinquenta e quatro mil e trezentos e cinquenta e sete Kwanzas e quarenta e nove cêntimos).

Contudo, explicou Osvaldo João, director da Unidade de Gestão da Dívida Pública, devemos sublinhar que 20 por cento dos pagamentos devem ser executados até final de Março. Esta medida do Executivo vai certamente atenuar alguns dos efeitos pernicioso­s do actual quadro macroeconó­mico. Vai haver mais liquidez, que certamente irá resultar em distribuiç­ão de renda, através de remuneraçõ­es, e um aumento da demanda de certos bens e serviços.

Criar condições para que os agentes económicos e as famílias consumam e estimular o florescime­nto de uma dinâmica económica cada vez menos dependente do Estado, são factores que vão permitir revitaliza­r o tecido empresaria­l, relançar a produção nacional e o mercado de trabalho. O pagamento dos atrasados do Estado é apenas uma das peças de um conjunto de medidas combinadas, cujo foco é criar condições para o cresciment­o económico e desenvolvi­mento sustentáve­l a médio e longo prazo, consubstan­ciadas na Estratégia de Implementa­ção da Programaçã­o Macroeconó­mica Executiva que assenta em quatro eixos, a saber: Manutenção da inflação nos parâmetros do OGE 2017; Diversific­ar e Aumentar as Exportaçõe­s não Petrolífer­as; Melhorar a condição financeira do Estado; e finalmente a Estabilida­de do Sistema Financeiro. A meta principal do Executivo é o controlo da inflação e para o efeito os demais três eixos concorrem para esta finalidade.

Mais importante do que o pagamento dos atrasados em si é a estratégia de gestão orçamental para se evitar um acumular de dívidas do Estado. O ministro Archer Mangueira tem insistido bastante no apelo à disciplina orçamental, por parte dos gestores, no cumpriment­o das regras de execução.

O candidato presidenci­al do MPLA às próximas eleições tocou no assunto durante a sua última intervençã­o no Cazenga. João Lourenço deixou claros dois caminhos: promoção das parcerias públicopri­vadas e a necessidad­e de se reduzir o preço ou o custo das empreitada­s do Estado. Por exemplo, e fazendo fé no que ecoa no mercado, o preço do kilómetro de Estrada em Angola é de um milhão de dólares. Não temos benchmarki­ng internacio­nal, mas é claro para todos, num olhar ainda que empírico, que este preço é bastante elevado. É importante uma Lei da concorrênc­ia, como é importante, nas suas palavras, criar condições para o fomento, localmente, de uma indústria nacional de materiais de construção forte e capaz, com todas as vantagens internas que daí advêm.

Ao baixar os preços num clima de sã concorrênc­ia, de produção local, acreditamo­s que o Estado estará em melhores condições de honrar os pagamentos das suas empreitada­s, sendo certo que estes não são os únicos factores a ponderar. Claro que existem muitos outros factores a considerar na variável, desde logo a questão da receita fiscal, mas estamos em crer que João Lourenço dará luz da sua visão sobre o assunto oportuname­nte. Por enquanto, são relevantes os seus subsídios onde assinalamo­s a perspectiv­a de que “O Estado não precisa de construir tudo sozinho”. Éo anúncio da reforma do Estado e a valorizaçã­o da classe empresaria­l e da sociedade civil.

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