Obra de Lucílio Manjate revela muita inteligência
O escritor Mia Couto, que presidiu ao júri da primeira edição do Prémio Literário Eduardo Costley-White, realçou segunda-feira o “cunho mais ousado” e a “inteligência” do romance “Rabhia”, de Lucílio Manjate, que o levou a arrecadar o galardão.
“Há aqui um cunho mais ousado, e o uso de uma inteligência neste livro, que faz de uma história aparentemente policial, a natureza da escrita sugere uma história policial, mas o que ele faz é percorrer aquilo que são as entranhas de uma sociedade como é a moçambicana, mas que podia ser do mundo inteiro”, afirmou Mia Couto.
Referindo-se ao livro, Mia Couto afirmou: “Há ali uma história que é profundamente humana, que é contada de uma maneira muito, muito original, a originalidade e aquilo que é uma escrita de carácter único, foi o que nos ajudou a distinguir” a obra.
Para o escritor, o grande destaque é esta obra apresentar “uma escrita de ruptura, uma forma nova”.
Mia Couto afirmou que a “poesia é absolutamente dominante em Moçambique e a nova geração prossegue essa tradição, mas este livro é diferente”.
“Foi surpreende um jovem com esta qualidade, por via da prosa, já não fala dos temas que são constantes e mais saturados da literatura moçambicana”, declarou Mia Couto.
Na entrega do galardão, segundafeira na Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), a professora catedrática Ana Oliveira, que fez parte do júri, em representação das Edições Esgotadas, que vão publicar “Rabhia”, referiu-se a Lucílio Manjate, de 32 anos, como “um poeta obcecado pela palavra ao detalhe” e disse que “Moçambique está todo reflectido” nesta obra.
Lucílio Manjate, de 36 anos, nasceu em Maputo e estudou linguística e literatura na Universidade Eduardo Mondlane, onde hoje ensina literatura. O escritor venceu este prémio com a obra “Rabhia”, que descreve como “uma história de amor e de morte”. “Uma história de guerra e de heróis; uma história de conspirações e do crime organizado; de tradições que chocam com a modernidade; de confronto de gerações.”
A cerimónia de entrega do prémio realizou-se segunda-feira à tarde, no auditório da FLAD, em Lisboa, com a presença de Vasco Rato, presidente da fundação, e do escritor Mia Couto, também ele moçambicano, presidente do júri do prémio.
Manjate diz que “a obra e o percurso” de Mia Couto “são testemunhos de um compromisso inadiável com a literatura, com a arte em geral, enfim, com a cultura” e que receber o prémio das suas mãos o orgulha, porque aprendeu “a arte de escrever através dos seus textos.”
“Chego a ver-me engalanado em depositário de um legado, o legado da literatura moçambicana, que Mia Couto representa. É, portanto, a sensação de ser responsável, não apenas por um percurso individual, o meu, mas também colectivo, ou seja, partilhado, humildemente, não só com outros escritores moçambicanos, mas com os moçambicanos de forma geral”, disse. Manjate lamenta, no entanto, que “em contextos como o moçambicano”, as editoras escasseiem e as poucas que existem, deixem o seu trabalho a meio.
“Não temos editores capazes de apostar em escritores, capazes de contribuir para a sua formação como escritores, alguém que seja capaz, por exemplo, de discutir e opinar sobre o texto, de modo a que o autor se supere”, explica.
Casado e pai de dois filhos, Manjate tem publicadas várias obras de ficção, entre as quais “Manifesto” (2006), “Os Silêncios do Narrador” (2010), “O Contador de Palavras” (2012), “A Legítima Dor da Dona Sebastião” (2013) e “O Jovem Caçador e a Velha Dentuça” (2016), inéditas na edição livreira portuguesa.
O autor diz fazer parte de “uma geração a quem lhe foi negada a possibilidade de falar em língua bantu” e que, exactamente por isso, “procura, hoje, resgatar algo que nunca teve, mas que faz parte do seu imaginário: as línguas bantu e toda a sabedoria que elas encerram.