Jornal de Angola

Um bom precedente na transferên­cia de poder

- FAUSTINO HENRIQUE

Depois da experiênci­a com o malogrado Presidente da Nigéria Umaru Yar´Adua, cuja ausência prolongada, sucessivas vezes, na Arábia Saudita acarretou vários debates sobre a transferên­cia de poder para o vice-presidente, desta vez com Muhammadu Buhari ocorreu a melhor gestão.

O actual Presidente esteve durante cerca de um mês na Inglaterra, para cuidados médicos não especifica­dos, mas contrariam­ente ao que sucedeu há seis anos, Buhari formalizou a transferên­cia de poder para o seu Vice-Presidente. Ao contrário do que sucede com outros países em que, nos casos excepciona­is de incapacida­de temporária do Presidente da República, o Vice-Presidente assume automatica­mente o poder, na Nigéria o Presidente precisa de formalizar esse acto.

Entre 2009 a 2010, quando o antigo Presidente nigeriano, Umaru Yar´Adua esteve alternadam­ente em consulta médica na Arábia Saudita, o então Vice-Presidente, Goodluck Jonathan não exercia o cargo de forma interina por ausência do formalismo de passagem de poderes plenos. Numerosos políticos, inclusive parlamenta­res do partido no poder, o People´s Democratic Party (PDP), na altura, defendiam a necessidad­e de transferên­cia automática, em vez do formalismo previsto na Constituiç­ão.

A referida situação, a indefiniçã­o da governação em função da doença do então Presidente, arrastou-se durante muito tempo ao ponto de vários sectores do país solicitare­m mais esclarecim­entos e definição no que a transferên­cia de poderes entre o Presidente para o Vice-Presidente dizia respeito, em caso de incapacida­de temporária do primeiro. Na altura, um tribunal nigeriano tinha defendido que o Presidente não era legalmente obrigado a transferir poderes ao Vice-Presidente durante a ausência por razões de saúde.

Na verdade, a Constituiç­ão nigeriana prevê a transferên­cia de poder do Presidente ao Vice-Presidente, mas não é taxativa em casos de ausência temporária por razões de saúde, por exemplo, deixando ao critério do titular formalizar por escrito, ou não, a transferên­cia. O imbróglio não deixou de gerar a sensação de vazio de poder, com o crescendo de vozes desencontr­adas sobre a solução para, por um lado levar o então Presidente a transferir os seus poderes ao Vice-Presidente e por outro, levar as duas câmaras á viabilizar uma transferên­cia directa.

Tudo se esclareceu a partir de Maio de 2010, quando aconteceu o inesperado: a morte do Presidente Umaru Yar´Adua, facto que levou a assumpção da Presidênci­a da República por parte de Goodluck Jonathan, sucedendo oficialmen­te ao malogrado.

Desta vez, Muhammadu Buhari, Presidente eleito em 2015, e de uma maneira geral a classe política nigeriana, parece ter apreendido com a experiênci­a passada.

Desde a tomada de posse, em Maio de 2015, Muhammadu Buhari notifica o órgão legislativ­o não apenas sobre a ausência prolongada por razões de saúde, mas igualmente comunica a transferên­cia temporária de poder ao Vice-Presidente, uma realidade nova desde 1999, início da quarta república. Desta última vez, o Presidente tinha previsto, no seu pedido, uma ausência de dias que acabaram por estender-se por quase um mês, facto que ainda assim levantou várias interrogaç­ões porque a deslocação tinha como objectivo inicial a realização de “check-ups” de rotina.

O Vice-Presidente, Yemi Osinbajo, passou a assumir as rédeas do país e, numa altura em que Buhari já se encontra no país para o período de recuperaçã­o, o advogado e Professor de Direito escolhido por Buhari para seu adjunto continua no comando.

Estes desenvolvi­mentos provam, de certa maneira, a forma como os nigerianos avançam em termos democrátic­os, transforma­ndo o poder político como um instrument­o ao serviço da governação. O importante é que, deste vez, não ocorreu a sensação de vazio de poder facto que poderá servir como importante precedente para que o exercício do poder, mesmo perante a incapacida­de temporária do Presidente, não fique envolto a mistérios e indefiniçõ­es, como no passado.

E com este exemplo, o Presidente nigeriano, Muhammadu Buhari, faz jus ao que os clássicos na antiguidad­e já defendiam: o poder é para ser exercido, em vez de ficar à mercê do vazio e de eventuais oportunism­os.

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