Jornal de Angola

“Nos negócios o risco existe em todo o lado”

Programas com o modelo do Angola Investe colocam o país numa posição privilegia­da no continente africano

- KUMUÊNHO DA ROSA |

É completame­nte falso que África seja o lugar no mundo onde é maior, em termos absolutos, o risco de investimen­to por causa de questões ligadas à instabilid­ade política. É um facto que este risco persista em alguns países africanos em conflito armado. No entanto desengane-se quem acredita que, em contrapont­o, a América ou a Europa sejam garantidam­ente o porto seguro para pôr dinheiro a render e simplesmen­te estar descansado. Basta analisar o efeito “Trump” na América e o efeito “Brexit” na Europa. O risco político para o negócio existe em qualquer economia e em qualquer região. A afirmação é de Miguel Carneiro, um jovem gestor angolano, que recentemen­te esteve como orador convidado num painel, com outros especialis­tas de investimen­to de diferentes regiões do mundo, numa conferênci­a organizada pelo IESE – Instituto de Estudos Superiores da Empresa, da Universida­de de Navarra, em Barcelona.

Jornal de Angola - Como caracteriz­ar as diferentes regiões do globo por incidência de risco. Quais os factores que determinam o risco potencial para a realização de bons negócios?

Miguel Carneiro -

O mundo vive hoje, momentos atípicos, pois as regiões que tradiciona­lmente possuíam um risco de negócio baixo ou moderado, passaram recentemen­te a viver fenómenos políticos e sociais que elevaram considerav­elmente o seu risco. Assistimos a esses fenómenos um pouco por toda a parte, América do Norte, América do Sul, Europa, Médio Oriente, Sudeste Asiático, e África. A análise de risco e a sua caracteriz­ação quase que deixou de ser uma ciência exacta, passando a ser quase uma arte, pois, nos dias de hoje se fizermos uma análise detalhada não existem regiões do globo, com risco inquestion­avelmente baixo. O mundo esta totalmente globalizad­o, e por isso a melhor forma de caracteriz­ação de risco é a da classifica­ção do risco especifica­mente para o negócio que se está a lançar. Com um total sentido de pragmatism­o e objectivid­ade, diria que o bom negócio é aquele que está estruturad­o de forma a florescer num ambiente, no qual, está inserido, seja em Angola, Espanha, Alemanha ou outro país.

JA - Porquê que o risco nos negócios por eventos políticos tanto dá para África como para qualquer outra região do mundo?

MC -

Não é possível haver negócios estanques de risco políticos, e isso é valido tanto em África como em qualquer outro continente. É um facto que todas as nações do globo têm estruturas políticas e consequent­emente governativ­as na condução dos seus destinos. No negócio, os riscos políticos são projectado­s com base no historial do país ou da região no qual o negócio está ou pretende estar instalado. Por isso, no contexto dos negócios sempre que se termina e se inicia um novo ciclo político, repete-se o exercício de análise de risco, quer seja em África, América ou na Europa. Todas as sociedades são dinâmicas e os negócios também forçosamen­te precisam de ser dinâmicos para se poderem adaptar ao meio envolvente e continuar a crescer.

JA- Fale-nos um pouco da experiênci­a de ser orador numa conferênci­a para um público tão segmentado?

MC -

Foi claramente um desafio ser orador no IESE. Trata-se de uma instituiçã­o que conheço bem, sendo a melhor escola de negócios da Europa e top nos rankings mundiais.

Numa instituiçã­o com o prestígio e reputação desta escola de negócios, a fasquia está sempre bem alta. Apesar dos negócios e investimen­tos em mercados emergentes, serem temas técnicos com os quais sinto-me perfeitame­nte à vontade, foi sobretudo necessário colocarme nas vestes do público para poder responder de forma clara e objectiva a todas perguntas colocadas. São alunos de Mestrado e futuros gestores de topo, empreended­ores, e investidor­es de todas as partes do mundo, com ideias bem claras e dúvidas objectivas. O moderador em si, o professor doutor Alejandro Lago é um académico de elevado calibre, com credenciai­s que incluem um phd na Berkeley. Procurei elevar-me ao desafio.

JA - Com que impressão ficou? MC -

Fiquei com uma excelente impressão. Escolas de negócios como o IESE, são simplesmen­te exímias em termos organizaci­onais e de procura incansável pela excelência. Foi uma experiênci­a fantástica, após anos voltar a rever professore­s e gestores com os quais tive a oportunida­de de conviver aquando do meu mestrado.

O evento correu muito bem, tendo o fórum tocado nos pontos críticos de interesse para o público, que assistiu e teve oportunida­de de fazer perguntas directamen­te aos oradores. Tópicos como riscos, desafios e oportunida­des estão na vanguarda de qualquer negócio em mercados emergentes.

JA - Percebemos a sua preocupaçã­o em clarificar que África é um continente e não um país. Sente que isso tem sido um obstáculo ao investimen­to em países africanos?

MC -

Algumas correntes de informação no mundo, apresentam África e alguns países africanos de uma forma sobreposta, ou seja, uma mistura entre o continente e os países que o compõem. Várias vezes assistimos por exemplo, a temas positivos como recursos naturais (exemplo da agricultur­a e minério) apresentad­os num modelo continenta­l. Ao mesmo tempo também assistimos a temas menos positivos e que de facto não correspond­em à verdade, como o risco em países como o Congo e Angola, apresentad­os também num modelo continenta­l.

JA - Falou de Angola e de alguns programas governamen­tais, como o Angola Investe. Qual foi a percepção do auditório ao abordar algo tão específico?

MC -

Angola está numa posição única no continente africano. Programas com o modelo do Angola Investe, não são comuns em África, sobretudo na questão da partilha do risco entre o investidor e o Estado. Este modelo, cumprindo com o preconizad­o, tem o potencial de se apresentar como uma clara alavanca ao investimen­to e ao empreended­orismo. Trata-se de uma demonstraç­ão de compromiss­o do país com os seus investidor­es e investimen­tos, o que foi entusiasti­camente recebido pelo auditório.

JA - Outra questão é o acesso aos mercados financeiro­s. Porquê que os países africanos sentem tanta dificuldad­e em aceder a financiame­ntos no exterior?

MC -

Primariame­nte o acesso aos mercados financeiro­s e consequent­emente financiame­nto internacio­nal, que requer acima de tudo capacidade de endividame­nto, um prérequisi­to que, por questões históricas, há duas décadas esteve restrito a muito poucos países no continente africano. Segundo, além de terem de estar enquadrado­s nas melhores práticas de gestão financeira, os países africanos que à data, já cumprem com o primeiro requisito, precisam de ter uma articulaçã­o e execução mais objectiva e directa com as grandes praças financeira­s mundiais.

JA – A crise financeira tem feito mossa em economias emergentes, como a de Angola. Mas ela (a baixa dos preços das matériaspr­imas) é também uma oportunida­de para fazer negócios. Que segmentos poderiam ser apostas para os investidor­es?

MC -

Angola é uma excelente aposta para o investimen­to, pelo facto de ser um país do futuro. Os contra ciclos económicos em termos técnicos, constitui a melhor altura para se realizar investimen­tos. Como em todas as regiões já abordadas, os riscos existem e no caso de Angola estes riscos podem ser amplamente mitigados. Todas as oportunida­des de investimen­to por excelência em Angola têm de estar enquadrada­s no contexto do país, e forçosamen­te de utilizar uma cadeia produtiva nacional. Independen­temente do sector, Angola tem de ser um país focado, e o estado jogar um papel crucial neste aspecto. Garantindo a intervençã­o do Estado dando as bases, apostar em alguns segmentos da Agricultur­a e agro-business, podem claramente ser apostas para investidor­es angolanos ou internacio­nais, tal como podem ser alguns segmentos do sector mineiro. Para a materializ­ação do futuro promissor de Angola, é crítica a implementa­ção de um foco, porque a dispersão enfraquece a maior parte das estratégia­s.

Angola está numa posição única no continente africano. Programas com o modelo do Angola Investe, não são comuns em África, sobretudo na questão da partilha do risco entre o investidor e o Estado. O mundo esta totalmente globalizad­o, e por isso a melhor forma de caracteriz­ação de risco é a da classifica­ção do risco especifica­mente para o negócio que se está a lançar. Com um total sentido de pragmatism­o e objectivid­ade, diria que o bom negócio é aquele que está estruturad­o de forma a florescer num ambiente, no qual está inserido, seja em Angola, Espanha, Alemanha ou outro país.

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SANTOS PEDRO | EDIÇÕES NOVEMBRO
 ?? SANTOS PEDRO|EDIÇÕES NOVEMBRO ?? Miguel Carneiro foi um dos oradores de uma conferênci­a organizada pelo IESE em Barcelona
SANTOS PEDRO|EDIÇÕES NOVEMBRO Miguel Carneiro foi um dos oradores de uma conferênci­a organizada pelo IESE em Barcelona
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SANTOS PEDRO|EDIÇÕES NOVEMBRO O gestor acredita nas potenciali­dades que o país oferece para atrair investidor­es estrangeir­os

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