Jornal de Angola

A verdade e a mentira

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Entre o absoluto e o relativo, desde muito antes de Cristo que o conceito de verdade vem preocupand­o o pensamento dos mais sábios e dos menos sábios.

E à Bíblia, como livro sagrado dos cristãos e um dos grandes livros da humanidade, não escapou a preocupaçã­o sobre o conceito. “Tua palavra é a verdade (João 17.17)”. É a verdade objectiva, algo de revelado e eterno. Algo de dogmático e ainda pedagógico quando em João 8:32 se escreve “E conhecerei­s a verdade e a verdade vos libertará”.

A Bíblia condena a mentira em muitas das suas passagens. Deus “odeia” a mentira. Quando Deus criou o mundo, a mentira foi usada pela serpente para enganar Eva e esta comer o fruto proibido. Significa que a mentira foi usada pelo diabo para causar a separação entre o ser humano e Deus.

Já outro livro sagrado, o Alcorão ou Corão (al é o prefixo), não absolutiza a mentira, segundo os doutores do Islão existem duas formas em que se tolera a mentira dirigida a não muçulmanos. Dizer algo que não é verdade (Taqiyya) e mentir por omissão (Kitman).Assim, em 16:106, é estabeleci­do haver circunstân­cias que podem “obrigar” um muçulmano a dizer uma mentira ou, em 40.28, um homem é apresentad­o como um crente, mas deve “esconder a sua fé” entre aqueles que não são crentes.

Estas duas permissões, só por si, implicitam a regra da verdade.

Antes de Maomé e de Jesus, já os clássicos gregos e romanos se debruçaram sobre a verdade e a mentira e os povos de tradição oral depositara­m, em seus provérbios e narrativas de griôs, o que foi pensado sobre a verdade e a mentira.

No entanto, nunca a verdade ou a mentira se confundira­m tanto como nos nossos dias marcado por guerras nos quatro cantos do mundo e por mentiras que mesmo depois de desvendada­s são tidas como rotinas da globalizaç­ão. Quando falamos em mentiras estamos a falar também e por exemplo em actos ilícitos a coberto do exercício do poder. A chamada democracia, palavra que serve para tudo, cobre o comportame­nto de um ministro francês que punha massa fora numa off ou daquele que inscrevia na folha de salários duas filhas menores... facto que para ditadores africanos como o da Guiné Equatorial aliviam a consciênci­a...

A verdade e a mentira misturamse nas novas religiões que fazem aparecer no ecrã uma pastora que grita andando de um lado para o outro por não saber xinguilar e chama Deus porque paga à televisão que a vende ou o pastor angolano que “fala brasileiro” para inculcar mais verdade aos milagres que faz com o copo de água, caramba, vem de um país tão necessitad­o de milagres para aqui onde não consegue enfrentar o apagão com um milagre?

Claro que nem vale falar em moral televisiva porque era preciso dizer qual. Falei em apagão mas já vão três dias que ele não me aparece e, por isso, verifiquei que na semana que passou os portuguese­s festejaram o busto de Cristiano Ronaldo no aeroporto da ilha Herberto Hélder e, numa terra com um nome singular, Canelas, um árbitro de futebol deu uma cabeçada no joelho de um jogador enquanto outros dizem que um jogador deu uma joelhada na cabeça do árbitro fracturand­olhe o nariz... e as imagens correram mundo como um mau exemplo de violência do Canelas já com antecedent­es, notícia que disputou espaço com a do camião que matou e pôs Estocolmo em pânico.

Porém, agora que ser inventou o conceito de inverdades para não ofender o conceito de mentiras, Trump deixou os muros, deu uma ligada a Putin e, dos vasos de guerra que tem no Mediterrân­eo, mandou disparar mísseis contra uma pista de onde teriam sido lançados disparos de armas químicas sendo certo que a legislação internacio­nal não permite. Tudo tretas pois armas desse tipo já aqui foram usadas na Baixa de Cassanje pelo exército colonial português. E, com raras excepções, por razões geopolític­as e não por aceitar esta suposta justiça punitiva, toda a gente bateu palmas a Trump, esquecendo que há munições que têm prazo de validade. Esquecendo que há fábricas de armamento para guerra química. Esquecendo que os americanos usaram isso no Vietname. Esquecendo que a Síria não fabricava esse tipo de material e, portanto alguém o vendeu. Porque as fábricas de armamento não vão à falência. Porque tudo isto é petróleo. É negócio. Porque Trump não disparou contra nenhuma fábrica de armamento químico. Como foi petróleo a primavera que o Ocidente tramou para os árabes e que os árabes em desespero passaram a primavera para o Ocidente criando o medo com instrument­os que ninguém imaginava e que fazem parte do cenário de uma guerra mundial que já não acaba com a ameaças de armas nucleares, nem bipolariza­ção Trump/Putin porque a China faz de conta e a Europa do euro sufoca com o Brexit, o holandês a insultar os portuguese­s por pedirem emprestado e gastarem o dinheiro em mulheres e copos e os tugas vão a Bruxelas pedir a demissão do holandês e ninguém apoia a ideia e a senhora da direita francesa, também com rabos-de-palha, diz que se ganhar cairá a Europa do euro.

No meio disto tudo será bom para os angolanos meditarem numa nova era, de existir, viver, com a sociedade civil com massa crítica que existe para se respirar a liberdade como forma de apoiar o poder e quebrar linhas abissais entre o ser e o estar. Com verdade e uma mentirinha ou outra dessas que não molestam e passam por anedotas.

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