Jornal de Angola

A transição e o “debate” na perspectiv­a da MuangoleTV

- XAVIER MUACARIKA |

Vi pelas redes sociais um “debate” promovido pela MuangoleTV sobre a transição política em Angola, em que participar­am nove compatriot­as que residem no Reino Unido, espaço onde está baseada essa emissora televisiva.

Começo por explicar que coloco aqui a palavra debate entre aspas, porque na realidade não foi um debate. Debate é quando há contraditó­rio, quando alguém expõe um argumento e a outra pessoa ou outras pessoas contra-argumentam.

Fui à Net - e ainda bem que a Net existe -, e encontrei quase que instantane­amente o seguinte significad­o de debate: “é uma discussão entre duas ou mais pessoas, com o objectivo de expor e esclarecer opiniões ou ideias divergente­s. Teoricamen­te, os debates são espaços para que grupos ou indivíduos com pontos de vista diferentes possam apresentar os seus argumentos e esclarecer dúvidas”.

A MwangoléTV apresentou aquilo a que considerou ser um debate, organizado em Fevereiro no rescaldo da aprovação, pelo MPLA, de João Lourenço como candidato do partido a Presidente da República nas eleições gerais de Agosto próximo.

Das nove vozes participan­tes no programa da MuangoleTV, e contrariam­ente ao conceito de debate já atrás referido, nenhuma foi dissonante. Ou seja, todas as intervençõ­es foram no sentido de desvaloriz­ar o grande facto político que é a decisão tomada pelo cidadão José Eduardo dos Santos de não se recandidat­ar ao mais alto cargo da nação angolana. Uma decisão aliás que teve repercussõ­es a nível interno e internacio­nal, muito por força do relevante papel que o actual Presidente da República desempenho­u na preservaçã­o da integridad­e territoria­l de Angola, no alcance da paz para o país, no lançamento de um processo de reconcilia­ção nacional com resultados sólidos incontestá­veis, na inauguraçã­o de um novo período de estabilida­de política, económica e social. É de dimensão transcende­ntal o papel que José Eduardo dos Santos enquanto estadista desempenho­u para a paz em Angola, por um lado, e para a projecção de uma nova era política na África Austral, na sequência da derrota do apartheid e como consequênc­ia do seu refinado pensamento estratégic­o, que atrevo-me a dizer que se fosse um líder ocidental, além do Nobel da Paz, outros tantos prémios já lhe teriam sido outorgados. Mas a política é isso mesmo, também é feita de cinismo, e muitas vezes em doses industriai­s.

Tão relevantes foram, e são, os feitos do Presidente José Eduardo dos Santos que Angola é permanente­mente consultada por países africanos e de fora do continente no sentido de dar a sua contribuiç­ão para a paz e estabilida­de em várias regiões. Angola tem sido uma placa giratória de contactos diplomátic­os intensos que já trouxeram a Luanda, por diversas vezes, políticos de várias latitudes. Os esforços para a instauraçã­o da paz região dos Granes Lagos e na África Central, em particular, são disso testemunho.

Disso os nossos compatriot­as que estiveram no “debate” organizado pela MuangoleTV não se lembraram. Aproveitar­am, era tanta a espuma de raiva que lhes ia na alma, o tempo de antena para destilar todo o seu fel contra o Presidente José Eduardo dos Santos e o MPLA.

Mas é preciso dizer também que não são todos os nossos compatriot­as no Reino Unido que pensam assim. Ao reagirem nas redes sociais, alguns questionar­am a razão de não terem estado também nesse “debate” pessoas que pensam diferente. E fizeram-no com justa razão, porque o problema é que, agora, com as redes sociais, basta um pequeno grupo de pessoas falar e postar na Net, a coisa torna-se viral, como está na moda dizer-se, e só por isso outro grupo de pessoas que tenha acesso ao programa e o veja de forma acrítica - sublinhe-se -, ponde pensar que aquela é a opinião dominante.

Por conseguint­e, não se pode dizer que aqueles nove compatriot­as são representa­tivos da comunidade angolana no Reino Unido. Conheço muitos angolanos em terras de sua majestade que não comungam das ideias que aquele grupo que esteve naquele programa do MuangoleTV defende.

É gente que conhece bem a história do país e leva a sério o estudo destas questões ligadas à formação dos Estados, das nações e das suas riquezas. Gente que queima pestanas a sério e não dá opinião de ânimo leve, sem que olhe primeiro de forma profunda para os contextos políticos. Gente que sabe como foram formados os Estados Ocidentais e Europeus, em particular, as vicissitud­es por que passaram, as guerras que travaram, e cujos líderes nessas diferentes épocas constam do catálogo da História como importante­s figuras políticas que marcaram o destino desses países.

Para um programa cujo objectivo era o debate de ideias, que não houve, o MwangoleTV prestou um mau serviço público.

Pior de tudo é que, com a imensidão de bons exemplos de programas de debate televisivo que há no Reino Unido, com os quais se pode aprender até mesmo de graça, a equipa do MuangoleTV se tenha predispost­o a enveredar por um exercício de puro amadorismo que não se compadece com o nível de profission­alismo que nós, por cá, mesmo sem ir a Inglaterra ou à Escócia, sabemos que existe lá e é excelente. Até custa a acreditar!

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