Jornal de Angola

O medo de ter medo

- MANUEL RUI |

O motorista falou que ali na cidade o pneu era muito caro. Estava de vistas para três arquitectu­ras, o Sputnik do mausoléu, a acrópole e o da justiça fardado de chinês. Feita a manobra era para o Morro Bento de que eu já nem me lembrava, fazia muito tempo, não disse mas pensei que era perigoso, o motorista fez inversão de marcha à margem da lei, deu voltas que eu nunca consigo fixar, as ruas eram sempre novas para mim com um fundo de orgulho de quanto se fizera nas circulares da grande Luanda transforma­da em arranha-céus com arredores de cidades condomínio­s, muradas, com piscinas, quase apartheid ou outras com gente que vivia na horizontal dos campos de futebol improvisad­os, estendais de roupa, anexos e capoeiras e agora haviam sido encarcerad­as na vertical dos apartament­os quase carcerário­s. Chegámos ao Morro Bento. As pessoas giravam como se todos se conhecesse­m, era uma pequena cidade auto-suficiente com predomínio de comércio de bens importados e donos e empregados libaneses, os pequenos estúdios de manicuras vietnamita­s, fotocópias, impressões e similares chineses também vendendo pomadas pelos passeios das ruas, ainda senegalese­s nas roupas e panos, pastelaria­s e padarias, alfaiates, de tudo um bocado e para mim um ar de calma e entendimen­to,as pessoas cumpriment­avam-se, três adolescent­es de batas escolares perguntara­m se era eu, que sim, e pediram autógrafos nos cadernos, ainda falei com o angolano que me colocava a jante no pneu que isso eram mais mil à parte e pensei que na noite anterior havia feito um roteiro pelos canais de televisão, por todos de que dispunha e, um por um, a maioria falava de violência nos noticiário­s, nos suicídios pela net ou ficcionava com mais violência nos filmes e telenovela­s mesmo as de amor “branco” brasileiro ou o da moda das multirraci­ais portuguesa­s.

Afinal, ali, no Morro Bento não havia violência de islâmicos contra católicos como na Nigéria ou no Egipto nem o ódio que grassa na maioria dos países vizinhos, incluindo o que já foi o exemplo, a terra de Mandela, agora minada também pela xenofobia. E agora, o mundo parecia ter descoberto a ideologia do medo como máscara carnavales­ca da globalizaç­ão. Porque na Venezuela quem dera que o povo tivesse da nossa lambula para comer ou mesmo do nosso pão, a Venezuela que era o país das padarias dos portuguese­s que agora se piram de lá e do petróleo de que Chaves ajudava Cuba, aparecendo na televisão com fato de treino igual a Fidel, eu estava lá... e depois a loucura instalada em nome do socialismo, os nomes servem para tudo até o de Maduro, a América bem podia ajudar em vez de andar a procurar guerras muito longe, cercar os mares da Coreia e chamar mãe a uma bomba e outro maluco dizer que tem bomba pai. Como é possível, o mundo inteiro ficar com medo que alguém lance um desses mísseis e outro lance um antimíssil tudo caia em África... é preciso ter medo do medo, em França tem pessoas que são pela senhora porque ela vai acabar com o terrorismo mas têm medo dela porque ela vai sair da Europa que está contra si própria depois da saída dos ingleses que ainda não saíram porque primeiro é preciso pagar e depois discutir sobre as pessoas, o euro que foi inventado para estabiliza­r a Europa depois da 2ª guerra mundial, o tratado de Lisboa em cima do joelho e “imposto” porque aprovado contra o seu texto e repescagen­s. É preciso ter medo, respirar fundo, nas filas de embarque nos aeroportos, é preciso ter medo para proteger o Papa na visita que vai fazer a Fátima dos milagres prescritos que depois da serpente Deus culpabiliz­ou o ser humano e deixou o mundo ao “Deus dará” e o Papa corre mundo para convencer as pessoas a fazerem diferente na falta de mais milagres.

E no meio disso tudo a nossa paz. Que não deve ser entendida como uma bananeira para sombra de poucos. Para vozes de uns e silêncio de outros. A paz não é pacificaçã­o. Nem um guardachuv­a que cobre tudo. O suporte da paz como valor social somos nós. É o trabalho do nosso povo pela felicidade. Contra as desigualda­des extremas. Sobre uma comunicaçã­o socialcomb­atente pela verdade. Por um judicial independen­te. A paz não é água parada mas água corrente, límpida, transparen­te e com a música de Kalandula. A paz é também não termos medo de lutar contra a corrupção pois se ela existe em todo o mundo se aqui não existisse já nos tinham mandado um míssil. A paz, acima de tudo, é afastarmo-nos do medo que se espalha pelo mundo.

Por isso o Morro Bento bem podia ser filmado e transmitid­o em certas televisões.

Um homem tinha uma casa lá no nosso sul. Fez os adobes com as suas mãos. Ergueu as paredes e colocou o tecto. Ele é que me contou que um dia chegou a guerra, bazucaram, fugiu, instalou-se de onde haviam fugido os elefantes que depois voltaram, o homem conseguiu pendurar-se num camião, chegou a Luanda. É jardineiro. Tem relva e flores bonitas e fica de espanto a olhar os arranha-céus quando levanta a cabeça...

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