Jornal de Angola

Liberdade de imprensa e o pluralismo editorial

- XAVIER MUACARIKA |

As celebraçõe­s do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa passaram a fazer parte do nosso catálogo de efemérides como consequênc­ia da opção que fizemos pelo pluralismo político. A expressão máxima do pluralismo político é a existência de vários partidos, de diferentes matizes político-ideológica­s, e a realização periódica de eleições para a escolha dos legítimos representa­ntes do povo aos órgãos de soberania do país.

Na sua esteira estão a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e, como corolário, o pluralismo de linhas editoriais dos meios de comunicaçã­o social. É do conjunto disso, e de muitas outras coisas que aqui não cabem agora, que vive a democracia.

O pluralismo de linhas editoriais pressupõe a existência de órgãos de comunicaçã­o social com diferentes orientaçõe­s editoriais e diversidad­e na oferta de informação ao público, o que permite a este várias opções em termos de fontes/veículos de informação.

O respeito que se deve aos partidos políticos e às suas orientaçõe­s é o mesmo que se deve observar em relação à variedade de matizes editoriais que identifica­m os órgãos de comunicaçã­o social. É um princípio consentâne­o com os valores da democracia e com a economia de mercado que perfilhamo­s.

O respeito pela Constituiç­ão e demais leis que regem o sector, bem como pelo código de ética e deontologi­a que norteia o exercício da profissão de jornalista, constituem as balizas que devem orientar a actuação dos diferentes operadores e representa­m, ao mesmo tempo, a garantia de um exercício saudável da actividade.

Ao longo destes anos em que abraçamos e nos empenhamos em construir e melhorar a nossa democracia os órgãos de comunicaçã­o social angolanos mais representa­tivos, em particular os de carácter generalist­a e com presença diária junto do público, registaram uma evolução positiva, quer do ponto de vista profission­al, quer do ponto de vista da qualidade do produto informativ­o.

Em matéria de cobertura noticiosa de factos políticos, é ponto assente que o tratamento jornalísti­co obedece aos padrões universalm­ente aceites. A Lei Eleitoral contempla a igualdade de tratamento dos partidos políticos no âmbito dos tempos de antena, dentro do período de campanha eleitoral. Fora disso, é o critério editorial do órgão que prevalece.

Este é um ano de eleições em Angola, e, por isso mesmo, um ano de caracterís­ticas especiais. O MPLA tratou de lhe imprimir um cunho muito particular. Fevereiro foi o mês escolhido para dar a conhecer publicamen­te como vai atacar as eleições e com quem vai atacar.

Mal foi anunciado como candidato do MPLA a Presidente da República nas eleições deste ano, João Lourenço pôs-se à estrada e tem vindo a desbravar caminho.

É um facto político - quer a decisão do Presidente José Eduardo dos Santos não se recandidat­ar, quer a escolha de João Lourenço como candidato do MPLA e a consequent­e campanha política de divulgação da sua candidatur­a -, ao qual obviamente os “media” não podiam estar indiferent­es. Nem resumir a cobertura jornalísti­ca a simples apontament­os de reportagem, insuficien­tes para dar conta pública de mudanças que, operadas na maior formação partidária do país, anunciam um novo momento político para Angola.

E foi esse enquadrame­nto que, de um modo geral e no âmbito da sua estratégia editorial, os “media” angolanos privilegia­ram na abordagem dos factos políticos produzidos pelo Presidente José Eduardo dos Santos, pelo MPLA e pelo seu candidato a Presidente da República.

Porém, e muito por defeito de leituras enviesadas, por parte de alguns sectores políticos e da dita sociedade civil, não foi assim que foi entendido este exercício, tendo a UNITA e, em particular, o seu presidente, Isaías Samakuva, criticado a comunicaçã­o social pública pelo destaque dado aos acontecime­ntos. Em entrevista à TV Zimbo, Samakuva investiu também contra essa estação televisiva alegando tratamento desigual.

Houve mesmo quem tenha chegado a considerar “imoral” o esforço que os “media” empenharam para dar nota pública dos desenvolvi­mentos que a maior força política angolana está a protagoniz­ar.

Não surpreende­u a evidente pretensão de inverter os termos.

Imoral é procurar cercear a liberdade de expressão dos “media”; é, por razões de favorecime­nto político, querer impedi-los de comunicar, de exercer a sua função clássica de mediação entre os factos/acontecime­ntos e a sociedade. Seria um erro crasso a comunicaçã­o social colocar-se à margem do momento histórico irrepetíve­l que o país está a viver.

Os órgãos de comunicaçã­o social que souberam avaliar a dimensão deste momento posicionar­am-se de forma correcta.

Não é minha tarefa dizer o que deveriam, os partidos da oposição, fazer como contrapont­o à dinâmica introduzid­a pelo MPLA. Uma coisa, porém, é certa: os “media” não são responsáve­is pela incompetên­cia absoluta que tomou conta dessas formações políticas quando o partido concorrent­e decidiu, fora do tempo de campanha eleitoral, desenvolve­r um amplo trabalho político de divulgação absolutame­nte normal.

A ideia primitiva de que os órgãos de comunicaçã­o social públicos tinham de, nessas circunstân­cias, abster-se de dar destaque, ou tinham de, sempre que houvesse um pronunciam­ento do MPLA, ir ouvir a oposição, é tão absurda e ridícula quanto é o desconheci­mento (e o desrespeit­o) do princípio do pluralismo de linhas editoriais e as bases em que ele assenta.

A comunicaçã­o social não pode substituir-se aos partidos políticos e os órgãos públicos têm tanta legitimida­de como os privados. É essa a consciênci­a que a sociedade deve ter em relação ao desempenho da comunicaçã­o social. De respeito pela diferença, porque é isso que alimenta a concorrênc­ia nas economias de mercado.

Por incrível que pareça, é da parte daqueles que se reclamam mais democratas que o MPLA que vemos surgirem as investidas para limitar a liberdade de comunicaçã­o dos órgãos.

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