Liberdade de imprensa e o pluralismo editorial
As celebrações do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa passaram a fazer parte do nosso catálogo de efemérides como consequência da opção que fizemos pelo pluralismo político. A expressão máxima do pluralismo político é a existência de vários partidos, de diferentes matizes político-ideológicas, e a realização periódica de eleições para a escolha dos legítimos representantes do povo aos órgãos de soberania do país.
Na sua esteira estão a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e, como corolário, o pluralismo de linhas editoriais dos meios de comunicação social. É do conjunto disso, e de muitas outras coisas que aqui não cabem agora, que vive a democracia.
O pluralismo de linhas editoriais pressupõe a existência de órgãos de comunicação social com diferentes orientações editoriais e diversidade na oferta de informação ao público, o que permite a este várias opções em termos de fontes/veículos de informação.
O respeito que se deve aos partidos políticos e às suas orientações é o mesmo que se deve observar em relação à variedade de matizes editoriais que identificam os órgãos de comunicação social. É um princípio consentâneo com os valores da democracia e com a economia de mercado que perfilhamos.
O respeito pela Constituição e demais leis que regem o sector, bem como pelo código de ética e deontologia que norteia o exercício da profissão de jornalista, constituem as balizas que devem orientar a actuação dos diferentes operadores e representam, ao mesmo tempo, a garantia de um exercício saudável da actividade.
Ao longo destes anos em que abraçamos e nos empenhamos em construir e melhorar a nossa democracia os órgãos de comunicação social angolanos mais representativos, em particular os de carácter generalista e com presença diária junto do público, registaram uma evolução positiva, quer do ponto de vista profissional, quer do ponto de vista da qualidade do produto informativo.
Em matéria de cobertura noticiosa de factos políticos, é ponto assente que o tratamento jornalístico obedece aos padrões universalmente aceites. A Lei Eleitoral contempla a igualdade de tratamento dos partidos políticos no âmbito dos tempos de antena, dentro do período de campanha eleitoral. Fora disso, é o critério editorial do órgão que prevalece.
Este é um ano de eleições em Angola, e, por isso mesmo, um ano de características especiais. O MPLA tratou de lhe imprimir um cunho muito particular. Fevereiro foi o mês escolhido para dar a conhecer publicamente como vai atacar as eleições e com quem vai atacar.
Mal foi anunciado como candidato do MPLA a Presidente da República nas eleições deste ano, João Lourenço pôs-se à estrada e tem vindo a desbravar caminho.
É um facto político - quer a decisão do Presidente José Eduardo dos Santos não se recandidatar, quer a escolha de João Lourenço como candidato do MPLA e a consequente campanha política de divulgação da sua candidatura -, ao qual obviamente os “media” não podiam estar indiferentes. Nem resumir a cobertura jornalística a simples apontamentos de reportagem, insuficientes para dar conta pública de mudanças que, operadas na maior formação partidária do país, anunciam um novo momento político para Angola.
E foi esse enquadramento que, de um modo geral e no âmbito da sua estratégia editorial, os “media” angolanos privilegiaram na abordagem dos factos políticos produzidos pelo Presidente José Eduardo dos Santos, pelo MPLA e pelo seu candidato a Presidente da República.
Porém, e muito por defeito de leituras enviesadas, por parte de alguns sectores políticos e da dita sociedade civil, não foi assim que foi entendido este exercício, tendo a UNITA e, em particular, o seu presidente, Isaías Samakuva, criticado a comunicação social pública pelo destaque dado aos acontecimentos. Em entrevista à TV Zimbo, Samakuva investiu também contra essa estação televisiva alegando tratamento desigual.
Houve mesmo quem tenha chegado a considerar “imoral” o esforço que os “media” empenharam para dar nota pública dos desenvolvimentos que a maior força política angolana está a protagonizar.
Não surpreendeu a evidente pretensão de inverter os termos.
Imoral é procurar cercear a liberdade de expressão dos “media”; é, por razões de favorecimento político, querer impedi-los de comunicar, de exercer a sua função clássica de mediação entre os factos/acontecimentos e a sociedade. Seria um erro crasso a comunicação social colocar-se à margem do momento histórico irrepetível que o país está a viver.
Os órgãos de comunicação social que souberam avaliar a dimensão deste momento posicionaram-se de forma correcta.
Não é minha tarefa dizer o que deveriam, os partidos da oposição, fazer como contraponto à dinâmica introduzida pelo MPLA. Uma coisa, porém, é certa: os “media” não são responsáveis pela incompetência absoluta que tomou conta dessas formações políticas quando o partido concorrente decidiu, fora do tempo de campanha eleitoral, desenvolver um amplo trabalho político de divulgação absolutamente normal.
A ideia primitiva de que os órgãos de comunicação social públicos tinham de, nessas circunstâncias, abster-se de dar destaque, ou tinham de, sempre que houvesse um pronunciamento do MPLA, ir ouvir a oposição, é tão absurda e ridícula quanto é o desconhecimento (e o desrespeito) do princípio do pluralismo de linhas editoriais e as bases em que ele assenta.
A comunicação social não pode substituir-se aos partidos políticos e os órgãos públicos têm tanta legitimidade como os privados. É essa a consciência que a sociedade deve ter em relação ao desempenho da comunicação social. De respeito pela diferença, porque é isso que alimenta a concorrência nas economias de mercado.
Por incrível que pareça, é da parte daqueles que se reclamam mais democratas que o MPLA que vemos surgirem as investidas para limitar a liberdade de comunicação dos órgãos.