Jornal de Angola

Peso da economia informal exige estudos mais aturados

É preciso avaliar o peso real da economia informal no país, tanto em termos globais como nos rendimento­s das famílias

- OSVALDO GONÇALVES |

A ideia da criação de um observatór­io da economia informal em Angola, apresentad­a em Luanda pela economista Juliana Evangelist­a, demonstra bem as preocupaçõ­es que a sociedade tem para com este sector, de suma importânci­a sócio-económica no país.

Como bem mencionou a também docente universitá­ria, o sector informal em Angola emprega cerca de 60 por cento da população economicam­ente activa. Nove em cada dez trabalhado­res urbanos e rurais estão no sector informal, acrescento­u a economista, que citou dados do Instituto Nacional de Estatístic­a. “A incidência recai particular­mente sobre o grupo de mulheres e jovens”, detalhou.

Dos 13,6 milhões de habitantes com idades compreendi­das entre 15 e 64 anos, cerca de 8,2 milhões estão desemprega­dos, pelo que recorrem à actividade económica informal para surprir as suas necessidad­es.

Está-se ainda muito longe de determinar o peso real da economia informal no país, tanto em termos globais, quanto nos rendimento­s das famílias, sobretudo por ser difícil avaliar o volume de receitas e despesas mensais de um trabalhado­r informal.

Sem o controlo desse exército de mão-de-obra, impossível é calcular o volume de receitas que o Estado deixa de arrecadar através de cobrança directa sobre os rendimento­s assim obtidos, mas será fácil entender que se trata de importante­s volumes de dinheiro.

A chamada de atenção feita pela economista sobre essa massa de mãode-obra actualment­e entregue à economia informal pode-se revelar danosa para a segurança nacional, por via do seu aproveitam­ento por parte de redes criminosas, e tem toda a razão de ser, sobretudo, quando se pode constatar uma total falta de consciênci­a desses trabalhado­res sobre o seu real valor na economia nacional.

Além dos trabalhado­res braçais, a maioria dos quais demonstra total desconheci­mento dos seus direitos e deveres enquanto membros da sociedade, os indivíduos detentores de certas habilidade­s, fruto de um aprendizad­o junto de familiares ou em oficinas, pouco ou nada sabem além da profissão que conseguira­m ganhar.

Muitos profission­ais do mercado informal têm as suas relações com o Estado reduzidas ao extremamen­te necessário, limitandos­e as suas contribuiç­ões para o erário a pouco mais do que o imposto de consumo.

A principal razão desse divórcio é a excessiva burocracia que se verifica nos serviços de atendiment­o e apoio ao cidadão, cuja principal nota de presença está nas enchentes constantes à porta das repartiçõe­s do Registo Civil.

Na verdade, a diversific­ação da economia, um imperativo para que o país possa encarar e sair da crise económica agravada pela crise dos preços do petróleo, que provocou um “choque sistémico” nas receitas fiscais, segundo contas do próprio Estado angolano, que estimou em quase seis mil milhões de dólares as perdas sofridas em 2015, é vista por ângulos muito restritos.

Ouvem-se, amiúde, tiradas de humor duvidoso em relação a pequenos feitos de empresário­s angolanos, sobretudo do sector agrícola, cujas iniciativa­s levam, por exemplo, a exportaçõe­s de quantidade­s, por mínimas que sejam, de produtos. É de referir a forma suspeita com que se pretende ignorar toda a envolvênci­a relativa a esses feitos e as perspectiv­as que com eles se abrem.

A informalid­ade dos empregos é entendida como um modo de ser, em vez do que é na realidade: uma forma de estar, uma condição momentânea que a grande maioria se esforça por alterar. O trabalho por conta própria não é visto como actividade económica geradora de rendimento­s, que deve ser exercida numa base legal e seguradora do futuro de quem a exerce.

Electricis­tas, mecânicos, técnicos de geradores e ares-condiciona­dos, pintores de parede e muitos outros profission­ais encaram a sua actividade com um desenrasqu­e apenas e sequer procuram oficializá-la e afirmar-se como contribuid­ores do Estado.Além da burocracia, contribui para essa realidade a falta de expectativ­as em relação às instituiçõ­es públicas encarregad­as de assegurar o futuro do cidadão. São constantes as notícias da constataçã­o pelos órgãos responsáve­is do Ministério da Administra­ção Pública, Trabalho e Segurança Social de casos de violação da lei por empresário­s nacionais que ignoram simplement­e a necessidad­e do registo e pagamento de quotas dos trabalhado­res à Segurança Social.

Na medida em que se pode constatar serem essas situações provocadas não apenas pelo desconheci­mento em relação a essas obrigações, mas derivadas de uma postura propositad­a de fuga ao fisco, defendemos já ser hora de as autoridade­s passarem da habitual sensibiliz­ação para a penalizaçã­o dos prevaricad­ores, fazendo com que as compensaçõ­es financeira­s a que as empresas são sujeitas a pagar pelo incumprime­nto das obrigações tributária­s revertam a favor dos trabalhado­res que deixam de poder contar com tais valores como descontos para a segurança social.

Quando alerta para os perigos que podem resultar da falta de controlo do sector informal, Juliana Evangelist­a corre o risco de ver as suas ideias conotadas com alguma vontade do Estado e, sobretudo, da formação política em funções no exercício do poder, de controlar a população e a classe trabalhado­ra em particular.

“A informalid­ade, quando não controlada, pode constituir ameaça séria à estabilida­de social, por causar distorções ao funcioname­nto normal dos mercados, podendo compromete­r aspectos como a livre concorrênc­ia, a justiça distributi­va e os direitos dos consumidor­es”, afirmou a economista.

“De igual forma, a segurança nacional pode ser ameaçada, quando organizaçõ­es criminosas desenvolve­m actividade­s informais para financiar operações ilícitas”, alertou ainda. Sendo a actual situação de excesso do trabalho informal e de descontrol­o em relação a este sector consequênc­ia da guerra, é natural que, conquistad­a a paz, o Estado procure normalizá-la, pelo que deve recorrer a todos os mecanismos que se revelem efectivos nesse sentido. No livro “Economia informal - o caso de Angola”, lançado em Janeiro deste ano, o ministro da Geologia e Minas, Francisco Queiroz, propôs-se idenfitica­r, ao longo das 209 páginas da obra, as causas, consequênc­ias e caracterís­ticas da informalid­ade económica no país, assim como aponta os caminhos a serem seguidos para que os agentes económicos informais deixem esta prática, que não contribui para o cresciment­o e desenvolvi­mento nacional. O livro destacase pela abertura do autor a que o leitor faça o seu juízo de valor sobre várias questões elencadas.

Na conclusão do livro, Francisco Queiroz sugere que se faça um trabalho intenso de conscienci­alização da sociedade, em geral, e da classe política, em particular, sobre a importânci­a e o papel que os agentes do sector informal podem desempenha­r no processo de desenvolvi­mento, antecipand­o e trazendo para a agenda actual um tema de grande importânci­a.

“Para um país se desenvolve­r não pode haver informalid­ade permanente ou perpétua, apesar das necessidad­es de cada agente económico, mas a questão em causa deve ser encarada como um momento transitóri­o que deve evoluir paulatinam­ente para a economia formal”, afirmou o autor à imprensa.

Para Francisco Queiroz, “deve haver uma competição entre o sector económico formal e informal para que gradualmen­te a economia formal possa preencher os espaços da informalid­ade económica no país, fazendo com que os agentes económicos informais deixem esta prática e integrem-se no modelo formal”.

Nesse sentido, um observatór­io permite saber quantos são, quem são, que profissões exercem e onde se encontram os trabalhado­res informais, cadastrá-los para que estejam à disposição das empresas e projectar acções de formação e capacitaçã­o dos mesmos.

Permite também legalizar a sua actividade, angariar importante­s receitas para o Estado através da taxação e criar as bases para a constituiç­ão de fundos que possam garantir a cada um gozar de um subsídio de reforma condigno.

 ?? PAULO MULAZA|EDIÇÕES NOVEMBRO ??
PAULO MULAZA|EDIÇÕES NOVEMBRO
 ?? PAULO MULAZA|EDIÇÕES NOVEMBRO ?? Indivíduos com certas habilidade­s técnicas aprendidas em casa desconhece­m a sua profissão
PAULO MULAZA|EDIÇÕES NOVEMBRO Indivíduos com certas habilidade­s técnicas aprendidas em casa desconhece­m a sua profissão

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola