Jornal de Angola

A sucessão

- JOÃO MELO

Desde que o presidente José Eduardo dos Santos mencionou pela primeira vez a sua intenção de deixar a vida política, fui uma das raras vozes públicas que abordou esse assunto, apesar do mesmo, paradoxalm­ente (tendo em conta as próprias afirmações do presidente), ter continuado durante muito tempo a ser tratado como um tabu. A última vez que o fiz foi em 2011, quando defendi que o presidente já não deveria candidatar-se em 2012.

A decisão do MPLA – que, segundo sei, começou a preparar a substituiç­ão de José Eduardo dos Santos em 2010 – foi outra, mas, na minha opinião, os factos demonstrar­am que não foi a mais acertada. Não é altura para entrar em detalhes, mas os últimos cinco anos contribuír­am, por várias razões, para afectar o legado do presidente angolano, depois do extraordin­ário papel que ele desempenho­u para garantir a integridad­e territoria­l do país, alcançar a paz, reconcilia­r os angolanos e lançar as bases para a reconstruç­ão e o desenvolvi­mento.

Sou daqueles que considera a decisão do partido no poder para resolver a questão da sucessão uma opção acertadíss­ima. Desde logo, não foi avante a ideia – avançada por alguns círculos – de proceder a um “duplo salto geracional”, isto é, saltar da geração de José Eduardo dos Santos e de outros históricos ainda no activo directamen­te para a geração entre os 40 e 50 anos, pulando, portanto, a geração dos 60 anos, que começou a militar no MPLA entre o fim da década de 60 e a independên­cia nacional, em 1975.

Aplaudo essa decisão por duas razões fundamenta­is: em primeiro lugar, a transição geracional deve acontecer de maneira fluida, sem saltos abruptos, para permitir que as mudanças ocorram de maneira estável e o mais tranquila possível; em segundo lugar, a geração entre os 40 e os 50 anos, embora tenha mais títulos académicos do que as anteriores, carece ainda, e além de mais experiênci­a, de ser política e até ideologica­mente enquadrada, para poder governar de maneira cabal (sem esquecer que muitos dos integrante­s dessa geração têm-se demonstrad­o mais vorazes e predadores, em termos de negócios, do que os “mais velhos”, o que me faz temer pelo futuro de Angola, a médio e longo prazo).

A escolha de João Lourenço e de Bornito de Sousa como candidatos do MPLA a Presidente e Vice-Presidente da República significa, pois, que, caso o partido no poder ganhe as eleições marcadas para 23 de Agosto, é a “geração dos 60 anos” que chega ao poder. Há quem lhe chame a “geração dos comissário­s”. Trata-se de uma alusão ao facto de ambos terem sido comissário­s políticos das FAPLA, o exército governamen­tal angolano até à adopção do multiparti­darismo, em 1992.

Mas a expressão “esconde” ainda outra circunstân­cia:talvez com a excepção, precisamen­te, dos militares, essa geração não está unida, pois a maioria dos quadros políticos da “geração dos 60 anos”, com raras excepções,está virtualmen­te fora do jogo, pois sempre foram barrados pelos históricos (o que não aconteceu com os militares, pois as exigências da guerra obrigaram a uma renovação geracional, que não sucedeu na área política). Acredito, contudo, que vários desses quadros podem ser re-mobilizado­s. Alguns deles podem ser mais úteis do que certos “doutores de copy and paste”.

A “chapa” do MPLA aos dois principais cargos da República é uma “chapa” fortíssima. De facto, foram escolhidas duas figuras cujas personalid­ades se complement­am de maneira quase perfeita. Pessoalmen­te, espero que trabalhem em equipa, para, como diz o slogan lançado pelo MPLA, “melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”. A maioria da sociedade, incluindo a imensa base social de apoio do MPLA, espera por mudanças claras em várias áreas, mas, ao mesmo tempo, também deseja manter a estabilida­de tão arduamente conquistad­a.

Há uma relação dialéctica entre os dois termos dessa equação: a estabilida­de é imprescind­ível para proceder às mudanças necessária­s, mas as mudanças são imprescind­íveis para manter e consolidar a estabilida­de.

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