Privatização e serviços públicos
Seja qual for o regime de propriedade ou exploração escolhido deve imperar a transparência e a salvaguarda de bens e serviços que sejam conquistas da população
Os constantes incumprimentos na prestação de serviços básicos à população provocam demasiados questionamentos sobre o regime de propriedade a que estão submetidos, com a privatização a ser apontada como saída para todos os problemas. Pelo Mundo inteiro espalhase a polémica, que toma sempre conta dos assuntos seja antes ou depois, sobre a alienação de determinados sectores em que as falhas de atendimento são mais gritantes. Em Angola, fruto da herança política, a transição do regime público para o privado detém uma legião de defensores. As perguntas aumentam, mas muitas delas permanecem sem resposta.
Em muitos casos, o que por cá se verifica é o preenchimento de serviços antes inexistentes, porque o Estado se revelou, ao longo dos anos, incapaz de suportá-los. Difícil será para muitos hoje imaginar o Estado como gestor de unidades hoteleiras de pequeno porte, de locais de restauração, inclusive panificação e pastelaria, distribuição de gás de cozinha, mas até a venda de peixe esteve sob a alçada estatal, sobretudo, através do cooperativismo e associativismo, vistos como expressões do regime estabelecido.
Necessário é recordar que, em muitos casos, a transição anterior da propriedade privada para o sistema estatal, ocorreu de forma dramática e até dolorosa para os antigos proprietários, com a perda dos bens a ser vista apenas como uma mudança natural do regime de propriedade, descurando-se aspectos de cariz humano, como a afeição ao tipo de negócio.
É com algum sarcasmo que olhamos para a estatização, por via do confisco, na maioria dos casos, de unidades ligadas à indústria alimentar, hoteleira ou de restauração, com as unidades a viver uma paulativa depauperação até se tornarem de todo incapazes de manter as portas abertas.
É com uma sensação mista de nostalgia e humor que se recorda que o abastecimento de bebidas e doces a casamentos, baptizados/registos de nascimento e até festas de aniversário era feito pela via mais burocrática possível. A cerveja e os bolos para os casamentos saíam segundo requisições com os devidos comprovativos anexados.
Com as primeiras aberturas ao sistema privado, determinados serviços básicos que se tinham tornado inoperantes, como a distribuição de pão, por exemplo, começaram a ser repostos paulativamente. Nichos de mercado abriramse e foram logo ocupados para gáudio do simples consumidor, embora se lamente o cometimento de um sem número de injustiças, sobretudo, nas situações em que foram postos de parte antigos proprietários ou seus herdeiros legítimos.
E foi o consumidor que, em última análise, obrigou a um aumento da qualidade. Injusta é qualquer análise que deixe de fora a espírito empreendedor de muitos empresários angolanos e também alguns estrangeiros, espalhados por todo o país, que ao divisarem as oportunidades de negócio, muitas vezes ténues, souberam abraçá-las para levar conforto ao cidadão consumidor.
Melhorias nos serviços
Com o surgimento ou ressurreição de determinados sectores económicos, criaram-se milhares de postos de trabalho e o cidadão vaise adaptando cada vez mais a bens e serviços que antes lhe estavam vedados, fosse pelo aparato legal, fosse pela conjuntura económica. É importante frisar que existem situações em que a oferta de bens e serviços se antecipou à demanda, tendo esta vindo depois a reboque do apelo feito pela qualidade dos serviços prestados por essa via.
Diante dos resultados obtidos nos sectores em que se verificaram as privatizações até ao momento, a tendência agora é a de reclamar que mais serviços passem por inteiro para o sector privado. As pressões nesse sentido tanto se apresentam na forma de textos ou simples comentários respaldados por argumentos baseados no liberalismo e no neoliberalismo, quanto em desabafos de cidadãos simplesmente insatisfeitos com os serviços prestados pelo sector público.
Função pública presente
Em Angola a maioria defende uma afirmação cada vez maior do sector privado, sobretudo, porque reconhecidamente o Estado não pode chegar a todos os locais e ter todos os serviços, e por existirem actividades em que só um espírito verdadeiramente empresarial é capaz de desenvolver com a quantidade e qualidade requeridas pelo público. Em sentido contrário ao que muitos defendem, um estudo realizado pelo Instituto Transnacional (TNI, na sigla em inglês) registou 267 casos de “remunicipalização”, ou “reestatização”, de sistemas de água e esgotos neste milénio, quando no ano 2000 só se conheciam três casos.
Os resultados dessa pesquisa, contrárias às tendências globais que assaltam muitas mentes em Angola, reforçam a ideia de que o processo de privatização deve ter em atenção os sectores a abranger com vista salvaguardar os verdadeiros interesses da população.
Além dos sistemas de água e esgotos, devem ser mencionados sectores como o fornecimento de electricidade, transportes públicos, saúde e educação. Nos três últimos, a presença do sector privado está implantada em Angola. Os transportes públicos foram um dos primeiros ramos a serem tomados pelo sector privado, muito por força da falência do Estado em matéria de transporte de passageiros
Injusta é qualquer análise que deixe de fora o espírito empreendedor de muitos empresários angolanos e também alguns estrangeiros espalhados por todo o território nacional