Jornal de Angola

Bruxelas e a lei eleitoral

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A União Europeia diz estar interessad­a em participar nas eleições gerais de 23 de Agosto na qualidade de observador­a, mas a “novela” por si protagoniz­ada ao pedir a assinatura de um memorando com Angola para fiscalizar a votação parece contrariar tal pretensão.

Bruxelas ofereceu-se para prestar assistênci­a técnica às eleições gerais, “muito antes do arranque da campanha eleitoral”.

O artigo 5º da Lei De Observação Eleitoral (11/12 de 22 de Março) refere que “a observação nacional e internacio­nal do processo eleitoral inicia com a campanha eleitoral e termina com a publicação oficial dos resultados eleitorais definitivo­s”.

Em Janeiro, na cerimónia de Cumpriment­os do Ano Novo ao Corpo Diplomátic­o, o Presidente José Eduardo dos Santos demonstrou a intenção de convidar a comunidade internacio­nal para fiscalizar as eleições gerais deste ano ao afirmar que o apoio desta ia “permitir avaliar e confirmar com isenção o resultado ditado pelas urnas”. No mesmo mês, o MAT apresentou ao corpo diplomátic­o a primeira fase do processo de Actualizaç­ão do Registo Eleitoral.

Logo após a convocação das Eleições Gerais, o MIREX apresentou ao corpo diplomátic­o o balanço do Processo de Actualizaç­ão do Registo Eleitoral 2016-2017. E em Junho a CNE deu a conhecer o Cronograma de Tarefas e os passos dados até então para a realização da votação.

Estes exemplos demonstram que desde o início do processo eleitoral Angola procurou dialogar com a comunidade internacio­nal - inclui Bruxelas- e manifestou a intenção de contar com ela nesta etapa crucial da História de Angola.

A União Europeia recebeu o convite para observar as eleições no dia 4, quase vinte dias antes do início da campanha eleitoral, mas a eurodeputa­da Ana Gomes alega que “o envio tardio e a não observação das garantias pedidas” podem provocar recusa de Bruxelas.

Sem ter em conta a lei angolana, Ana Gomes acusa Luanda de “não estar interessad­a na observação europeia”.

Agora, a União Europeia pede a assinatura de um memorando que garanta aos seus observador­es “segurança e circulação em todo o território nacional” antes de fiscalizar a votação.

O Governo recusou esta proposta, e bem, porque Bruxelas foi convidada pelo Presidente angolano, com outras organizaçõ­es e personalid­ades internacio­nais, mas apenas Bruxelas condiciona a sua presença à garantia, no papel, de segurança e mobilidade.

No ponto 1 do artigo 6º (Dever de colaboraçã­o) da Lei 11/12 de 22 de Março lê-se que a CNE e os órgãos da Administra­ção do Estado “devem colaborar e proporcion­ar aos observador­es nacionais e internacio­nais o acesso e demais facilidade­s com vista ao cabal cumpriment­o da missão de observação” e no 2 que “incumbe aos órgãos competente­s do Estado garantir e velar pela segurança e integridad­e pessoal dos observador­es nacionais e internacio­nais”.

Pedir um memorando para garantir o que a lei angolana já estabelece soa como uma falta de respeito para o Presidente e o povo angolano, e como uma desculpa de Bruxelas para não fiscalizar as eleições angolanas.

As declaraçõe­s de Ana Gomes de que “para observar de forma profission­al e com padrões não há muitas organizaçõ­es internacio­nais com a experiênci­a e credibilid­ade das missões de observação eleitoral da União Europeia” são no mínimo deselegant­es e parecem pôr em causa as credenciai­s dos restantes convidados do Chefe de Estado, do MPLA e da UNITA.

Alcides Sakala, porta-voz da UNITA, e André Mendes de Carvalho , líder parlamenta­r da CASA-CE, criticaram a decisão do Governo angolano.

Com o aproximar da campanha eleitoral, é legítimo a UNITA e a CASA-CE aproveitar­em alguns factos políticos para enfraquece­r o maior adversário político. Mas defender o incumprime­nto da lei para “acomodar” Bruxelas, quando esta pode fiscalizar a votação sem que tal seja necessário, e pedir “tratamento especial” à missão europeia quando também vamos ter missões africanas na votação não parece ser uma boa ideia.

A UNITA, como o MPLA, votou a favor da resolução que prevê que as eleições sejam reguladas pela legislação que coordenou as de 2012. As declaraçõe­s de Alcides Sakala, por conseguint­e, entram em contradiçã­o com o voto da UNITA.

A CASA-CE votou contra aquela resolução, mas deve respeitar a vontade da maioria. É assim em democracia.

Pedir um memorando para garantir o que a lei já prevê soa como falta de respeito de Bruxelas para o Presidente e para o povo angolano

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