Jornal de Angola

LUCIANO ROCHA

Negócios e negociatas do comércio informal

- HISTÓRIAS DE ONTEM E HOJE Luciano Rocha

Pelo menos, um dos candidatos à Presidênci­a da República, João Lourenço, sublinhou, ainda em período pré-eleitoral, a urgência de disciplina­r em definitivo o comércio informal para, entre outras vantagens, fortalecer a economia e a receita tributária. Ao escrever-se, ou falar-se, sobre o tema é imperioso ter em conta as circunstân­cias em que o comércio informal ou paralelo - eufemismos de ilegal - se estabelece­u entre nós e acentuar a utilidade que, em determinad­a altura, teve para a população, para a própria economia do país.

A guerra - não tenhamos complexos de recordar, nem nunca é demais fazê-lo - é a grande culpada do surgimento do comércio ilegal, do seu enraizamen­to e dificuldad­e em discipliná-lo. Apenas desmemoria­dos se atrevem a pôr isto em dúvida. Foi ela que semeou o país de minas, queimou lavras, matou camponeses, causou o êxodo das aldeias, encheu vilas e cidades de desemprega­dos. Que, para ganharem sustento, tiveram de esquecer, por exemplo, a enxada e aprender, entre outras coisas, a ser negociante.

O comércio informal foi, em determinad­a altura, “bóia de salvação” da esmagadora maioria dos angolanos. Dos que passaram a fazer da zunga e da quitanda modo de vida. E os que recorriam a elas para ter de comer e dar de comer à família. Neste último caso, exemplo máximo foi o extinto “Roque Santeiro”, então considerad­o o “maior supermerca­do a céu aberto” de África. As armas calaram-se. Às vezes, dada a rapidez da reconstruç­ão do país, parece ter sido ontem. Daí, talvez, o esquecimen­to. Que leva muitos de nós, volta e meia, a questionar atrasos em vários sectores. Como se, pelo meio, a crise económica não nos tivesse afectado, pois Angola não está incólume ao que se passa no resto do mundo.

O comércio informal continua igual ao do “tempo mau”, quando grande parte do que consumíamo­s vinha de fora? Não, diminuiu. E bastante, na sequência de várias iniciativa­s governativ­as. Mas, mantém-se e é importante discipliná-lo. Com a aplicação das leis existentes ou de outras a criar. A bem dos verdadeiro­s zungueiros e quitandeir­os, do comércio em geral, da economia do país. Em suma, de todos nós.

A mulher que se cruza connosco da rua com uma bacia à cabeça cheia de frutas e legumes, um bebé às costas - a dormir embalado pelos solavancos do táxi, do comboio ou do calcorrear bamboleant­e da mãe e ao som de todos os pregões deve também pagar um imposto? Naturalmen­te que sim. Consoante oagregadof­amiliar,eventuaisl­ucros calculados por quem sabe dessas coisas. De maneira a que seja beneficiad­a com assistênci­a médica, subsídios. Tudo a que trabalhado­res em situação legal têm direito. Neste caso e noutros semelhante­s não deve haver repressão, mas sensibiliz­ação. Por parte de técnicos que saibam explicar as vantagens.

De quem vende, compra, comerciant­es legais, Estado. Entendo que em situações desta natureza se possa “fazer vista grossa”. Para ser apenas o coração a ver. As regras têm excepções. Sem abusos. Mas há zungueiros e “zungueiros”. E não se deve olhar para todos com os mesmo olhos. O que dizer de quem vende roupa de moda nas proximidad­es - quando não mesmo à porta - de estabeleci­mentos que a têm exposta, a preços mais caros do que na rua? Cigarros ao pé de minimercad­os e restaurant­es com máquinas próprias para os comerciali­zar? Dos que, em tabuleiro próprio “oferecem” óculos de sol e graduados (!) nas redondezas da loja que os têm na montra? E os vendedores de relógios, telemóveis, “saldos”, comandos de televisão, rádios, material escolar, ventoinhas, cadeados, canetas, discos contrafeit­os, estimulant­es sexuais, preservati­vos, em frente do comum dos transeunte­s? A lista, infindável, inclui, as “cambistas de rua”.Quem está por trás destes negócios? Quem foge aos impostos, incita à fuga e prejudica todos? O comércio ilegal tem muito que se lhe diga.

A guerra - não tenhamos complexos de recordar, nem nunca é demais fazê-lo - é a grande culpada do surgimento do comércio ilegal

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