Jornal de Angola

Bem haja a CNE pela prudência demonstrad­a

- António Andrade |* * Jurista

Nos termos da Constituiç­ão e da Lei, são considerad­os eleitores todos os cidadãos angolanos maiores de 18 anos de idade (residentes em território nacional), regularmen­te registados como eleitores, bem como todos os cidadãos angolanos que se encontrem no estrangeir­o por razões de serviço, estudo, doença ou qualquer outro factor.

O processo eleitoral, que inclui certamente a votação, é regulado por lei, actualment­e pela Lei n.º 36/11, de 21 de Dezembro,- Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais. Porém, desde os processos eleitorais iniciados em 1992, aquando das primeiras eleições multiparti­dárias, Angola conheceu três leis eleitorais, nomeadamen­te: a Lei n.º 5/92, de16 de Abril, a Lei n.º 6/05, de 10 de Agosto, a Lei n.º 36/11, de 21 de Dezembro.

Estas leis foram alteradas em muitos aspectos, por via da negociação entre os partidos políticos. Destacamse aqui as intervençõ­es dos partidos UNITA e PRS que, dentre outras questões, solicitara­m e defenderam a alteração das anteriores leis eleitorais nos seguintes aspectos: a eliminação das mesas móveis de voto e das urnas especiais, a possibilid­ade de votar fora da área em que foi registado e em mesa diferente daquela onde consta o caderno eleitoral.

Nos termos das leis anteriores, quando o cidadão eleitor votasse em local que não fosse a sua residência habitual, ou se fosse em mesa cujo caderno eleitoral não continha o seu nome, o seu voto era recebido e colocado em envelope especial e este era depositado na urna de voto e somente a Comissão Provincial Eleitoral é que podia ter acesso ou contar aquele voto.

A pedido dos partidos políticos citados, (UNITA e PRS), estas possibilid­ades foram todas retiradas da lei porque, na opinião desses partidos, esse mecanismo podia indiciar fraude no processo, apesar de se reconhecer, em abono da verdade, que as matérias cuja retirada foi sugerida por esses partidos, são comuns ou transversa­is nas leis eleitorais do espaço SADC, ou seja, a nível da região o nosso país não era o único que permitia tais medidas ou situações, que certamente flexibiliz­avam o processo eleitoral, permitindo amplamente que os cidadãos exercessem o seu direito ao voto. De acordo com a actual lei orgânica sobre as eleições gerais, um dos requisitos para o cidadão eleitor exercer o seu direito ao voto é o de que deve estar regularmen­te inscrito como eleitor no caderno eleitoral da mesa de voto em que vai exercer o seu direito ao voto (conforme artigo 100º, n.º 1, alínea a) da lei que acabamos de citar).

Em outras palavras, querse dizer que o cidadão eleitor não pode votar numa mesa em que não consta o seu nome no caderno eleitoral. Ou seja, se estiver registado numa das mesas do município de Cacuaco não pode votar no município de Viana ou ainda se estiver cadastrado para votar na mesa n.º 25 do distrito urbano do Sambizanga não pode votar na mesa n.º 26 do mesmo distrito do Sambizanga. O voto deve ser sempre exercido na mesa onde se encontra o caderno eleitoral com o nome do eleitor que, com certeza, é única porque os nomes e as mesas não se duplicam.

A actual lei das eleições gerais (LEG) só permite que de forma excepciona­l votem em mesa diferente das que estão cadastrado­s e em cujo caderno não conste o seu nome, os membros das mesas de voto e os delegados de lista, mas estes só devem votar na mesa em que estejam a prestar serviço e não em outra qualquer (conforme artº. 101, n. º2 da LEG). O processo de votação antecipada, que fica sempre sujeito a regulament­o definido pela Comissão Nacional Eleitoral, nos termos dos artigos 18º e 102º da LEG implica, em regra, a existência de votos deslocaliz­ados, ou seja, obrigaria a que os cidadãos eleitores votassem em mesas cujos cadernos eleitorais não constam os seus nomes, as chamadas mesas móveis e a criação das urnas especiais para transporta­r esses votos, o que a actual lei não permite, como dissemos atrás, por força da exigência dos partidos UNITA e PRS.

Como facilmente se compreende, o voto antecipado é, via de regra, para cidadãos que estejam acamados nos hospitais, os que estejam em prisão preventiva, os militares, que estejam em regime de prevenção ou os trabalhado­res das plataforma­s petrolífer­as que, no dia da votação estariam em regime de offshore que, como sabemos, foram registados e cadastrado­s para determinad­a mesa de votação, mas se encontram em outra província ou município em trabalho ou por doença.

Em resumo, se a CNE criasse o regulament­o que permitisse o voto antecipado em 2017, este regulament­o seria de todas as formas ilegal, porque criaria aspectos e figuras que a própria lei orgânica sobre as eleições gerais não prevê, como é o caso das mesas móveis, urnas especiais, votos deslocaliz­ados e permitiria que, para além dos membros das mesas de voto e dos delegados de lista, outras pessoas pudessem votar fora das mesas, em cujos cadernos eleitorais não constam os seus nomes, situação que constituir­ia um claro atropelo à lei, embora se reconheça que isso representa­ria sempre uma facilidade à vida dos cidadãos que se encontram na situação atrás descrita. Acima de tudo, deve-se garantir o primado da lei, pois a CNE não se podia permitir, na sua qualidade de fiscal da legalidade eleitoral, a criar situações de ilegalidad­e. Por isso, bem haja a CNE pela prudência demonstrad­a. Está de parabéns, porque andou bem.

A actual Lei Geral das Eleições só permite que de forma excepciona­l votem em mesa diferente das que estão cadastrado­s

 ??  ?? SANTOS PEDRO | EDIÇÕES NOVEMBRO Presidente da Comissão Nacional Eleitoral é elogiado pela postura que tem assumido
SANTOS PEDRO | EDIÇÕES NOVEMBRO Presidente da Comissão Nacional Eleitoral é elogiado pela postura que tem assumido

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola